MATÉRIA | VIVENDO NA EUROPA

Quem não conhece um DJ que tenha largado tudo no Brasil para ganhar espaço na Europa?

A Colors DJ teve um bate-papo super especial com três grandes DJs brasileiros que abriram o jogo sobre seus objetivos, carreiras, suas visões sobre as diferenças entre o público e as festas, além de suas alegrias e perrengues passados na Europa.

Quem abriu o jogo pra nós foram os DJs: Rodolfo Bravat, Randal Aragão e Iellamo.

QUANDO SE MUDARAM E ONDE RESIDEM ATUALMENTE

Bravat: “Foi em fevereiro de 2019, quando decidi me mudar oficialmente para Portugal, mais precisamente em Lisboa.”

Randal: “Me mudei do Rio de Janeiro, Brasil, para Lisboa, Portugal, em março de 2018.”

Iellamo: “Faz um ano que saí do Brasil, em março de 2020. Foi muito louco, pois embarquei no último voo antes do fechamento das fronteiras, na primeira fase da pandemia. Meu destino final era Milão, e acabei ficando preso na minha conexão (Portugal) por quatro meses. Somente após esse período eu consegui entrar na Itália, e ainda assim, porque já tinha cidadania italiana.”

Iellamo - Foto Reprodução / Instagram

A ESCOLHA DO LOCAL DE DESTINO

Bravat: “Na verdade não existe um motivo específico ou concreto. Quando vim tocar pela primeira vez aqui em Lisboa, em 2017, senti que algo me conectava com Portugal. E nas outras 2 vezes, essa conexão aumentava. Foi daí que tive a certeza de que Portugal era o meu segundo país para morar.”

Randal: “Originalmente era para ser Espanha, porém Portugal tem melhores chances de imigração para brasileiros.”

Iellamo: “Conquistei minha cidadania italiana em 2005. Eu já morei em Roma antes, depois morei 10 anos no Brasil, e agora escolhi a Itália pela facilidade em relação à língua, e principalmente porque Milão é uma cidade estratégica geograficamente, é bem próxima da maioria das cidades europeias.”

Rodolfo Bravat - BackDoor Amsterdam - Foto Divulgação

AS MOTIVAÇÕES PARA SAIR DO BRASIL, AS ALEGRIAS E OS PERRENGUES DA EUROPA

Bravat: “As minhas motivações pessoais falaram mais alto que as profissionais. De uma forma geral, eu precisava diminuir o ritmo do meu trabalho, já que eu não usufruía da minha vida pessoal como gostaria. Não tinha mais vida social e não encontrava mais tempo para me dedicar a alguém.

Esse foi o pilar principal para essa desaceleração e mudança de país. Enquanto que na questão profissional, vir para Portugal, me daria mais possibilidades de explorar a cena gay para esses lados, e conhecer a Ásia.”

Randal: “Viajei para a Europa por duas vezes em férias e me encantei pelas festas e culturas daqui. No Brasil me sentia limitado, mesmo sabendo falar outras línguas e tendo cursado a faculdade e pós graduação, não me sentia valorizado.

O mais complicado foi chegar aqui apenas conhecendo três pessoas em Lisboa, logo de início fiquei apertado de grana e quase voltei. As pessoas têm a ilusão de que na Europa as coisas são mais fáceis, mas não é bem assim. O Euro é uma moeda mais valorizada sim, porém a vida é tão dura quanto no Brasil. As alegrias que tenho é de ter contato direto com outras culturas e línguas, valorizando assim um pouco do meu conhecimento.”

Iellamo: “Os meus motivos pra sair do Brasil foram vários. O fato de eu ensinar as pessoas (a tocar) incomodava. Muitas pessoas não aceitavam o fato de eu ensinar novos DJs a tocarem. Sofri três assaltos muito próximos, no Rio de Janeiro, isso também me desestabilizou. Também o fato de querer crescer, porque eu cheguei a um patamar na minha carreira, tocando no maior club do Brasil, e eu pensei em dado momento: Qual será meu futuro? E esse futuro era completamente incerto!

Então eu pensei, eu faço isso tudo no Brasil, onde é tudo tão difícil, porque não fazer na Europa, sendo eu italiano? Eu penso que agora só voltarei ao Brasil de férias, ou para fazer uma turnê como DJ, ou algum workshop em relação à escola de DJs. Independente de não poder tocar no momento, a maior alegria que tenho é ensinar as pessoas a tocar.”

Randal Aragão - Foto de divulgação

EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO A PANDEMIA

Bravat: “Não crio mais expectativas, seja aqui, seja em qualquer lugar. Tudo ainda é muito incerto, frequentemente as datas são adiadas. Portanto é esperar pra ver.” 

Randal: “Portugal no momento completa um ano sem festas, e o retorno do negócio de entretenimento parece distante.”

Iellamo: “Os governos têm adotado medidas muito duras de distanciamento, e assim como no Brasil, nosso setor será o último setor a reabrir. A vantagem é que hoje alguns países já estão com a vacinação bem avançada, como Israel, que já está reabrindo os eventos. Sendo mais otimista, acredito que possamos ter um verão esse ano (agosto e setembro). Mas no geral dependemos muito do avanço da vacinação.”

Iellamo - Foto Reprodução / Instagram

O MERCADO DE TRABALHO PARA OS DJs E SER BRASILEIRO AJUDA OU ATRAPALHA?

Bravat: “O mercado é vasto, existem muitas festas e clubes. Mas não se compara ao Brasil, onde existem oportunidades na quinta, sexta, sábado, domingo, after hours e pool parties quase todos os finais de semana (risos). Não acho que ser estrangeiro nem dificulta, nem facilita… acho que vai de encontro ao seu talento, seu network, contatos etc…”

Randal: “Acho mais fácil de se inserir no mercado, dependendo de onde se reside. Nós brasileiros temos a fama de sermos mais animados e isso é um ponto a favor. O importante aqui é focar no marketing e criar uma rede forte de contatos.”

Iellamo: “Até antes da Pandemia, ser um DJ brasileiro na Europa era ótimo. O público ama o som que a gente faz no Brasil. Os DJs vinham e faziam turnês extensas por várias cidades. Agora a coisa meio que se inverteu, estamos “marginalizados”, mal vistos por conta do que o governo brasileiro tem feito. Hoje o que nós assistimos aqui da Europa em relação ao Brasil é muito ruim.

Acredito também que haverá uma reviravolta. As leis de imigração irão endurecer. Então o DJ que vinha com visto de turista, fazia turnê, ficará mais difícil. Acredito que demorará ainda muito tempo para que os governos europeus autorizem viagens de brasileiros para cá. Isso é ruim. Nós passamos de adorados a marginalizados.“

Rodolfo Bravat - Foto do DJ com seu marido - Fonte pessoal

UMA HISTÓRIA EMOCIONANTE, ENGRAÇADA OU INUSITADA

Bravat: “A história mais emocionante que vivi recentemente, fora de qualquer pista, foi o meu casamento. Sou casado com um português e assim realizei um dos maiores sonhos da minha vida.” 

Randal: “Das mais recentes; na virada do ano de 2019 para 2020, toquei no Mad Club, o maior club da Suíça e o 61º melhor club do mundo pela classificação da revista DJMag.

Me senti muito emocionado e realizado de ter animado a pista principal bem na virada, e ainda de brinde vi os go-go boys trocando de roupa.

Então veio a pandemia e as festas sumiram. Quando passamos a primeira onda, as fronteiras reabriram e fui convidado a tocar novamente no Republik em Madrid, Espanha, um dos meus clubs favoritos por lá, sabe quando seu som simplesmente combina com o local? É como acontece comigo lá!

Ver o público (mesmo separado por mesas) animado a escutar minha música me trouxe lágrimas aos olhos, e foi um bocado engraçado ver os gogos dançando de máscara!”

Iellamo: “Aconteceu há alguns dias atrás. Eu cheguei na Jordânia. Meu voo saía da Suíça, onde dei aula. Eu trouxe uma pequena controladora na minha bagagem, a Pioneer DDJ-400. A imigração achou que aquilo era uma bomba! Eles ficaram analisando o equipamento pra tentar descobrir se era um artefato bélico. Eles procuraram por fotos em vários livros pra ver se tinha algum armamento parecido, perguntaram se eu era um soldado… Depois de três horas, me liberaram. Muito louco!”

Randal Aragão - Foto de divulgação

O QUE MUDA EM RELAÇÃO AO BRASIL: MÚSICA, PÚBLICO, ESTRUTURA

Bravat: “Tocar na Europa, pra mim, é possível fazer um som mais homogêneo, com muito pouca alteração entre os países. Diferente do Brasil, onde dependendo da região/estado, o som muda completamente. O público difere com relação ao Brasil, cada um com a sua particularidade. E no ponto referente a estrutura de eventos, não vejo assim tanta diferença…” 

Randal: “É sempre um desafio, a receptividade do público dependendo muito do local. Em Portugal o público é mais contido, portanto parece mais complicado de se animar a pista. Já na Espanha o público é muito parecido com o do Brasil, tiram foto, dão bebidas e respeitam muito nosso trabalho. Em relação a música, dependendo de onde se toca, é importante ter algum respeito pela língua local, na Espanha evito tocar canções em Português (apesar de adorarem a Pabllo Vittar por lá) e por aí vai.

A Espanha possui festas grandes que chegam ao nível das do Brasil, já os outros países possuem boates menores do que estamos acostumados, parecendo mais bares do que clubs.”

Iellamo: “Devido a data que eu cheguei, ainda não tive a oportunidade de tocar aqui, somente numa festa em um barco em Dubai. Saí do Brasil com 14 datas entre França, Espanha, Itália e Suíça, e foram todas canceladas.

O público é um pouco menos fervido, a energia é diferente. Em relação à música, tem uma grande diferença: a velocidade, o estilo…

Ainda que eles gostem muito do nosso som, o europeu não curte o exagero. Músicas com muitos elementos como: buzinas, sirenes, apitos, que o brasileiro ama, aqui não são bem vistas. Eles preferem um som mais linear, mais limpo, mais voltado ao progressivo do que ao tribal.”

Iellamo - Foto Reprodução / Instagram

DO QUE SENTEM FALTA DO BRASIL (E DO QUE NÃO SENTEM FALTA)

Bravat: “Sinto falta da família e amigos. Não sinto falta da agitação que SP me proporcionava.”

 

Randal: ‘Sinto falta do calor e da praia. Aqui em Portugal a água é fria sempre.”

Iellamo: “Eu sinto falta do calor humano do público brasileiro, que vai na cabine, cumprimenta o DJ… sinto falta dos meus alunos, de ver o crescimento de cada um.

Eu consigo acompanhar um pouco pelas redes sociais a evolução deles.

Não sinto falta da criminalidade. Aqui saio de casa tranquilo, sem medo de ser assaltado.

E também não sinto falta da mentalidade de alguns brasileiros, não são todos, e da mentalidade da cena em geral, da fofoca, de um querer derrubar o outro… passei por situação de DJs veteranos dizerem pra eu parar com essa escola, parar de formar novos talentos. Bem desanimador.”

Rodolfo Bravat - Foto Reprodução / Instagram

CONSELHO PARA QUEM TEM VONTADE DE IMIGRAR

Bravat: “Praqueles (sic) que tem vontade eu sempre digo “a vida é só uma; se não der certo, volte! pelo menos você tentou.”

Randal:Pesquise o processo de imigração do país que tem interesse. Procure contatos de pessoas que já moram lá e perguntem como foi para eles (cada caso é um caso, mas é sempre válido reunir experiências).

Procurem pessoas que trabalhem na sua área de trabalho e vejam como é por lá. Ou então prepare-se para aceitar qualquer tipo de trabalho, como limpeza, entregas, colheita.

E o mais importante: entenda a realidade da equação “ganhos x gastos”. Muitas vezes o salário mínimo parece excelente, mas vem com gastos exorbitantes em cima. Cada país tem uma realidade e é muito importante entendê-la antes de arriscar.”

 

Iellamo: “Neste momento, aconselho a esperar um pouco. Hoje existe uma marginalização do brasileiro. Não é o melhor momento.

Eu aconselho também a juntar dinheiro. Ter pelo menos condições financeiras de se manter três ou quatro meses na Europa, sem ter um trabalho, porque é o tempo que você vai precisar para se estabelecer. Outra coisa muito importante é a questão burocrática, procure de alguma forma ter um documento legal na Europa.’

Randal Aragão - Foto de divulgação

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Bravat: “Gostaria de acrescentar que, mesmo estando aqui e vivendo na Europa, jamais irei esquecer do meu público brasileiro, público esse que sempre me apoiou e só estou hoje onde estou graças a ele. E portanto, sempre que possível, estarei me apresentando no Brasil, especialmente nas festas em que sou residente. 

Randal: “Quero agradecer a preferência do meu público que tem me mantendo desejoso de retornar às pistas quando tudo reabrir por aqui! Obrigado! Sem vocês não haveria festa! E desejar a todos os colegas DJs esperança que as festas voltarão após tudo isso.”

Iellamo: “Aquilo que eu digo aos meus alunos. Nunca desista de ser DJ, de fazer o que se ama fazer. O momento é muito complexo, mas irá passar. Nossa vida voltará ao normal. É difícil, é triste, estamos a um ano sem tocar e nem por isso eu desisti. A cena irá sofrer grandes mudanças e quem for forte e continuar fazendo seu trabalho com persistência e dedicação, será recompensado.”

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