COLUNA | Sem juridiquês: diferença entre direitos patrimoniais e direitos morais do autor da música

Breves considerações

Primeiramente, é muito importante lembrar aos DJs que estes devem ter um breve conhecimento sobre direitos autorais no processo criativo da música eletrônica.

Alerto que, ao ler nesta coluna a palavra “obra” o leitor poderá entender como “música”, “melodia”, “letra de música”, “trecho de música”, entre outras denominações que vinculem à obra musical.

O foco da coluna de hoje é dar conhecimento aos DJs e organizadores de eventos sobre os direitos que os Autores das músicas possuem e a diferença entre tais direitos, assim como as implicações de suas violações.

Nós sabemos que a tecnologia digital nos permite na produção fonográfica mixar, utilizar efeitos, recortar, modificar músicas, além de outras possibilidades, o que interfere na alteração da música como foi gravada originalmente, podendo esbarrar em questões de direitos autorais.

Por mais que a legislação vigente (Lei de Direitos Autorais nº 9.610/98) ainda não preveja todas as possibilidades em que a tecnologia digital nos oferece para a criação de músicas, o direito do Autor da música deve ser observado.

Algumas questões mais específicas sobre o assunto, como por exemplo, criações que envolvam a utilização de composições de outros autores (por exemplo, remix e mashup) serão abordadas nas próximas colunas.

Juridicamente, o direito autoral produz efeitos de cunho moral – que é inerente ao Autor da obra – e patrimonial – que permite a sua exploração econômica.

Ou seja, trata-se de direitos autorais distintos, mas, interligados. À autoria de uma obra estão resguardados ambos.

São requisitos de criação intelectual: a criatividade, originalidade e exteriorização.

Lembrando que a exteriorização significa levar a conhecimento público a obra. Ou seja, uma música ou trecho desta que seja desconhecido ou inédito, não é passível de defesa patrimonial ou moral.

Cabe ainda ressaltar que o registro da obra já é suficiente para que seja considerado de conhecimento público.

Então, DJ, tenha atenção: o fato de o público não conhecer a música não é motivo para reproduzi-la sem dar os créditos legais ao Autor, se esta música for registrada.

Isso porque o registro da música em cartório ou no próprio ECAD é público. Qualquer indivíduo tem acesso a tais informações. (Nas próximas colunas também abordarei o assunto “ECAD”, frisando a sua importância no mundo musical).

O artigo 8º da Lei de Direitos Autorais prevê situações em que não são protegidos pelos direitos autorais, como por exemplo, as ideias, a reprodução e utilização de pequenos trechos de obras preexistentes.

Contudo, no que se refere à utilização de trechos de obras preexistentes, a Lei de Direitos Autorais não expõe claramente o que seria considerado como “pequenos trechos”.

Assim, cuidado ao utilizar trechos de outras criações em suas músicas, DJ!

Pois então, o que são direitos morais e patrimoniais do Autor?

Direitos Morais do Autor

Conforme mencionado pelo Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: “Lição de Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio” (TJRJ 1ª. Câmara julgado em 19.11.1991 RDP 185/198, mencionado por RUI STOCO, em “Tratado de Responsabilidade Civil”, Ed. RT, 6ª. ed., p. 1666).

Dessa forma, trata-se de direitos que vão além do proveito econômico do Autor em relação à obra criada. Refere-se à proteção moral da ligação existente entre a obra e o Autor, que é inalienável e irrenunciável.

Por óbvio, não pode ser negociável ou transferido a terceiro.

Em outras palavras, por mais que terceiros reproduzam a obra, jamais será alterada a sua autoria, ou seja, quem a criou. Tal fato é indiscutível.

Daí extrai-se a natureza moral de tal direito.

Os direitos morais estão previstos no Capítulo II da Lei de Direitos Autorais e são os seguintes (sendo alguns transferidos após morte do Autor):
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Sendo constatada violação aos direitos morais do Autor da obra, conforme listado acima, cabe indenização, a qual será determinada na esfera judicial, levando em consideração: a repercussão da lesão desses direitos em relação ao Autor (abalo psicológico), o potencial econômico de quem violou os direitos autorais e as circunstâncias do caso.

Observando tais critérios, o juiz extrairá o valor justo da condenação/indenização para promover a compensação ao Autor pelos seus direitos violados, assim como a punição de quem violou tais direitos, evitando-se assim, o enriquecimento ilícito.

Ou seja, dependerá de caso a caso o valor dos danos morais, podendo variar entre R$10.000,00 (dez mil reais) ou até condenações milionárias.

Danos patrimoniais

Os direitos patrimoniais do Autor são resguardados não somente pela Lei de Direitos Autorais, mas, também, pela Constituição Federal da República, que é a lei suprema nacional, no artigo 5º, XXVII e XXVIII.

Portanto, trata-se de um direito fundamental do Autor.

A Constituição Federal da República determina que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível a herdeiros pelo tempo que a lei fixar.”

Em resumo, são três direitos exclusivos do autor em relação à obra: utilização, publicação e reprodução.

A Lei de Direitos Autorais, além dos direitos mencionados acima, também garante ao Autor o direito de transmissão/emissão, retransmissão, distribuição e comunicação ao público.

Mas, diferentemente dos direitos morais, é possibilitado ao criador da obra a utilização econômica desta, podendo autorizar ou não terceiros a utilizar as suas criações, sendo exercido pelo Autor o total controle de sua obra em qualquer modalidade.

O direito patrimonial pode ser cedido à editora, gravadora, empresário, mas, a autoria continua do Autor.

O artigo 27 da Lei de Direitos Autorais, “depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como”:
I – a reprodução parcial ou integral;
II – a edição;
III – a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
IV – a tradução para qualquer idioma;
V – a inclusão em fonograma ou produção audiovisual;
VI – a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII – a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII – a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
a) representação, recitação ou declamação;
b) execução musical;
c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos;
d) radiodifusão sonora ou televisiva;
e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva;
f) sonorização ambiental;
g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado;
h) emprego de satélites artificiais;
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas;
IX – a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X – quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.

Portanto, por mais que a obra seja comercializada, adquirida por terceiro, este não terá direitos patrimoniais em relação à obra, devendo requerer a solicitação ao Autor para a sua utilização, nas situações supra.

Cumpre mencionar também que após o falecimento do Autor, a exploração econômica da obra possui o prazo de 70 (setenta) anos, após o 1º dia de janeiro do ano subsequente à morte.

Os danos patrimoniais do Autor envolvem os lucros cessantes, ou melhor, o que o Autor ou os seus herdeiros deixaram de ganhar com a execução indevida de sua obra por terceiro.

Como dito antes, a reprodução da obra de outrem não é vedada por lei. Da mesma forma, a sua execução pública é possível, porém, é garantido aos autores o recebimento de royalties pela música executada em locais de frequência coletiva, desde que este autor seja filiado a uma associação de gestão coletiva musical.

Os estabelecimentos, como boates ou até festivais, em que a música é executada, devem pagar royalties ao ECAD, cujo valor é estabelecido conforme critérios do próprio ECAD, como será mais bem explicado nas próximas colunas.

Portanto, além do Autor poder requerer judicialmente os danos patrimoniais sofridos pela violação de seus direitos autorais, o ECAD também pode pleitear extra ou judicialmente o recolhimento dos referidos royalties.

E agora?

Pode ser que você tenha ficado assustado com o que eu disse acima, mas, tenho algumas dicas para o profissional que vive da música:
1º – Não reproduza músicas baixadas ilegalmente, uma vez que estaria prejudicando outro colega que também vive da música;
2º – Se disponibilizar um set para a audição ou download, informe quem são os autores e produtores das músicas.
3º – Sempre procure o produtor da música, se você pretende editá-la (remix, mashup, etc.) e ganhar dinheiro com isso.
4º – Quando possível, o organizador de evento deve disponibilizar ao ECAD o rol musical, para que este calcule o valor das músicas sob o domínio público proporcionalmente aos das músicas protegidas.
5º – Ao criar a música, registre-a, para que o consumidor dê valor à sua obra.

Ainda é muito polêmico e nada simples a questão envolvendo direitos autorais no mercado fonográfico da música eletrônica, por não haver um regulamento a respeito, por ser a Lei de Direitos Autorais bastante ultrapassada, sendo necessária à sua aplicação por analogia.

Acrescento também o fato de ser necessária a criação de uma associação, onde os DJs possam cadastrar os seus repertórios, visando à defesa de seus direitos autorais.

A inexistência de uma associação dificulta que a aplicabilidade dos direitos autorais, cuja fiscalização é feita pelo ECAD.

Todo cuidado é pouco!

Bibliografia:
– PIRES VIEIRA, Alexandre. “Direito Autoral na Sociedade Digital”. 2ª Edição. 2018. São Paulo. Editora Montecristo.
https://www3.ecad.org.br/
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

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