Sorte tem o DJ, que pode recorrer ao passado (flashbacks), ao presente (hits) e ao futuro (lançamentos) para construir seus sets.
E ao contrário dos DJs de Pop, que ficam “presos” às versões originais, quem toca eletrônico tem à sua disposição um leque quase infinito de remixes, mashups e edits.
Por isso, é no mínimo inusitado quando os sets dos DJs começam a ficar muito parecidos. Em teoria, não haveria motivo para acontecer.
Um grande DJ e produtor (amigo desta coluna), de tempos em tempos jogava sua case inteira de CDs fora.
Na época eu já tinha muita vontade de tocar, então obviamente não deixava nada ir pro lixo: pegava tudo.
Às vezes, olhando para um CD, ele pensava alto: “ah, essa música aqui não vou mais tocar não“, no que rapidamente eu fisgava o CD.
Nisso, fui juntando clássicos que hoje em dia, poucos têm. Não estão disponíveis em nenhuma plataforma digital.
Quem tem, tem. Quem não tem, não tem mais. Inclusive o próprio produtor.
Foi o que aconteceu com meu amigo, que depois de tantos HDs formatados, backups perdidos, ficou sem algumas produções suas, as quais eu tive a imensa satisfação de poder mandar de volta.
Passados tantos anos, entendo-o melhor.
Era uma época em que havia muita coisa boa para ser tocada.
Por aqui ainda se tocavam hits do circuito europeu. As divas lançavam álbuns anualmente…
Não havia muito essa preocupação de preservar a memória. Os SETs dos DJs praticamente só tinham hits e lançamentos.
O tempo passou, a cena mudou, a própria experimentação dos DJs foi chegando à conclusão que em certas horas recorrer ao passado pode ser uma boa idéia.
Eu lembro bem de algumas atrações internacionais que vinham ao Brasil e tocavam SETs no peak hour com bastante hits antigos, levando o público ao delírio, para surpresa de muitos DJs nacionais presentes, que aos poucos foram caindo a sua ficha de que: “Poxa, se o gringo vem, faz isso e dá certo, o que me impede de fazer o mesmo?“.
Músicas antigas tem a capacidade de fazer você voltar no tempo, relembrar pessoas, festas e momentos felizes.
A música tem a capacidade de liberar hormônios do sistema de recompensa do cérebro, como a dopamina.
Quantos de nós já não ficamos arrepiados ao ouvir uma música antiga que não ouvíamos há muito tempo?
Esse arrepio nada mais é do que uma descarga de dopamina.
Antes que alguém diga: “ah mas o DJ vai tocar só música antiga?“, a resposta é: claro que não!
O objetivo aqui não é ficar preso ao passado.
O DJ que ficou preso a uma época, tem sua carreira encerrada quando ela acaba.
Uma das funções do DJ é tocar os hits atuais que a pista quer, lógico. E também educar seu público, apresentando tracks novas que devem estourar.
A ideia é apenas perder o medo de arriscar.
Então em qual momento eu posso fazer isso?
Se você estiver no warmup, dá pra tocar bastante velharias, deixando os hits para os DJs seguintes, como deve ser. É uma ocasião bem propícia.
No peak hour a dosagem tem que ser menor. Em conta-gotas.
Quando você sentir que já está com a pista na mão, aí talvez seja hora de surpreender e emocionar seu público com aquela antiga que sempre salva.
Existe ainda uma outra situação onde você poderia tocá-las sem medo de ser feliz: em Festivais.
Muitos DJs tocam em Festivais o SET do dia-a-dia da boate. Não que esteja errado.
Dá certo? Dá. Ninguém vai poder dizer que tocou mal. Mas poderia empolgar mais.
O clima festivo, de reencontro com amigos de todo o Brasil, costuma ser perfeito para revisitar outras épocas e fazer uma viagem musical pela house music.
Então é hora de organizar sua biblioteca e tirar o pó das velharias.
Certamente, ouvindo-as em 2021, verá que algumas versões ficaram datadas. Mas outras sobreviveram bem ao tempo, se tornaram atemporais, e ainda tem muita pista para tocá-las.