COLUNA | Underground

Pulsar Festival 2019 – Ipoema – MG – foto de divulgação.

Um substantivo singular que representa todo um universo plural que floresce dentro de um ambiente cultural de oposição, como uma erva que insiste em nascer dentro na rachadura do concreto frio. Ao mesmo tempo que cresce, fratura e expõe o antagônico. Esse movimento tem relação direta com parte da contracultura (beatniks, hippies flowerpower, tropicália e mais tantos são seus parentes, se não consanguíneos, ao menos de atitude), aquelas referindo-se às manifestações culturais que se opõem de padrões e normas vigentes, sabidamente comerciais, se não também fúteis e desprovidas de vida, seja se manifestando pela música, na produção visual, na literatura ou no estilo de vida… Enfim, na ARTE. Na expressão de nossas subjetividades, seja pelo canal que for…

Falar sobre o underground é como falar da maior parte cultural da minha vida, algo que se confunde com minha expressão. Sempre fui mais inclinada a buscar algo que foge do mainstream, seja na pista ou fora dela. O Psytrance está aí como mais um integrante a dar forma tendo um papel muito importante para conceituar esse movimento. Porém, como algo próprio do homem, também não foge de contradições que nos compõem.

O crescimento da música eletrônica e a comercialização das festas e festivais trazem novas influências e concepções a esse underground fazendo com que, ao longo dos anos, este se transformou com boas pitadas de desenvolvimento tecnológico. Contudo, ao mesmo tempo agregando coisas boas e ruins ao movimento.

Parece estranho relacionar o underground com o comercial, afinal seu conceito é para ser completamente oposto, mas não é bem assim. Na verdade, rotular na tentativa de delimitar muito as coisas faz com que elas tenham que permanecer sempre na mesma perspectiva. E como todo movimento é de expansão ou retração ou inércia, podemos dizer que o underground cresceu e não está tão abaixo do solo como antes. Entender toda essa transformação ao longo dos anos nos ajuda a ressignificar esse conceito.

A expansão da cena underground com a chegada das redes sociais possibilitou maiores conexões com a arte e com a música de diferentes partes do mundo, deu aquele upgrade na qualidade do que é produzido e compartilhado, possibilitando encontros de diversas tribos e a troca entre estas culturas em eventos cada vez mais organizados.

Cachoeira Alta Festival 2005 – Poema – MG – foto reprodução – Instagram.

Falando sobre minha perspectiva, no meu estado Minas Gerais, esse crescimento foi visivelmente importante para a cena nacional e até internacional, levando em consideração a diversidade de eventos e suas potências no que diz respeito à pluralidade. Em terras mineiras temos um festival underground impecável que representa toda essa evolução da cena sem perder a originalidade. É sobre isso, saber crescer sem perder a real essência.

Esse conceito já não bate mais com a ideia de algo desorganizado e despretensioso e salta para algo que possibilite uma experiência única para um público cada vez maior e exigente com qualidade e respeito.

Cada vez mais o underground ganha espaço em mega eventos comerciais, e mesmo artes mais comerciais dentro de eventos underground, como, ao menos em parte, as tão queridas pistas alternativas. Dão assim espaço para artistas terem uma visibilidade maior sem ter que se encaixar ao mainstream, permitem um intercâmbio que até pouco já foi visto como heresia hehehe. Paradoxalmente aquilo que uma primeira análise pode achar disso, essa expansão trouxe maior independência a artistas que querem se manter nessa linha de maior liberdade de criação. Porém não significa menos trabalho, muito pelo contrário, criar algo fora dos padrões está cada vez mais difícil.

Essa abertura maior da cena chegou a trazer em contramão uma banalização da produção e como consequência uma pobreza cultural de eventos que usam desse conceito, visando apenas o lado comercial e apresentando de forma superficial e vazia uma cultura que é tão rica.

Não dá para contar como underground aquele evento que não contribuiu em nada para uma reflexão da nossa realidade, que não contrapôs credos socialmente aceitos por meio de suas experiências sociais, sensoriais, visuais e corporais. Enfim aquele evento raso que mesmo com uma música tida como underground somente contribuiu para o bolso do organizador ao mesmo tempo que reafirma, objetivamente ou não, o padrão que deve ser tido como aceitável…

Valorizar artistas e produtores que se mantêm firmes nas suas ideias e criações é a única forma de manter viva essa cultura que estamos vendo se transformar a cada ano e ganhar mais adeptos, nos envolvendo numa grande rede de compartilhamento (de vivências, emoções, experiências…). Valorizar produções independentes e gravadoras que não estão no radar da grande mídia, e compartilhar esses artistas, claro, só ajuda essa roda continuar girando. O ponto é essa tomada de consciência, essa percepção, que o underground não está só em ir a uma festa, mas sim a um estilo de vida que você carrega por onde for. E isso é o que precisamos para manter vivo e com sentido tudo isso que combina tanto com a gente, e que lutamos tanto para que não se perca.

E segue o baile….

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