COLUNA | Seja o anjo

Despir-se nem sempre é uma coisa fácil. Tirar a roupa é mais tranquilo.

Algumas questões acabam ficando com nosso mais íntimo “eu”, não é verdade? Principalmente quando é aquela parte que a gente não se orgulhe tanto, mesmo trazendo tanto aprendizado.

Hoje vou apresentar uma face do passado que, felizmente, eu consegui mudar.

Demorei muito para me descobrir gay. Talvez pela criação repressiva do final da ditadura (sim, apensar da carinha, o tiozinho aqui nasceu em 79), ou talvez pelo não reconhecimento dos sinais, não sei ao certo.

O que de fato posso afirmar é que somente com 25 anos eu me reconheci.

A maioria tem ciência do nosso “gaydar” (radar para reconhecimento de gays), mas eu nem fazia ideia. Isso fez com que fosse criado um cara extremamente preconceituoso, acreditem ou não. Os caras sabiam da minha sexualidade, mas esqueceram de me avisar, então eu sofria muito assédio de homens e não entendia o porquê.

Eu ficava revoltado e sempre me perguntava o motivo disso. Um dia a resposta veio naturalmente.

Pronto, agora beijei um homem!

Por incrível que pareça, não tive conflito com isso. Eu já era ator formado e frequentava a Trash 80’s (essa balada salvou minha vida porque abriu muito minha mente), então relações homoafetivas faziam parte do meu cotidiano. Além disso, eu e meu boy éramos bem masculinos. Que bobagem!

Pasmem, o segundo passo da minha mudança foi lutar contra a heteronormatividade.

Ok, minha família e amigos todos sabem, eu já apresentava os boys para todos (e eram muitos – início a gente de empolga, né?!), frequentava festas GLS (na época era só isso a sigla), tinha meu perfil no Bate-papo da UOL (ah, quem dera tivesse Grindr, Hornet ou qualquer outro app! – era tudo na raça!) e tudo parecia andar muito bem.

Eu nem me dava conta do meu olhar torto quando qualquer homem efeminado chegava perto de mim. Com muita vergonha, reconheço que me incomodava muito.

Na minha cabeça, não precisava “daquilo”: você poderia gostar de outro homem e ser macho. Eu batia no peito minha masculinidade, viu?

Cheguei a afirmar que sofríamos preconceito por conta dessas pessoas que exageravam para afirmação.

Por sorte, apareceu um anjo na minha vida, chamado Osvaldo Miranda. Esse baiano, com quem dividi a vida por 4 anos, não se conformava com esses conceitos escrotos que eu carregava e foi transformando minha visão numa coisa muito mais colorida. Uma das coisas que mais contribuiu para isso foi ele ter me apresentado a RuPaul. Consumi todas as temporadas de RuPaul Drag Race em dias e terminei uma pessoa melhor.

Nessa altura que já consumia tudo do universo LGBTQIA+ e me dei conta de quantos amigos incríveis eu havia conquistado. E agora sem se preocupar com a quantidade de testosterona que eles emanavam.

Hoje, meus amigos e meu histórico sexual e afetivo tem lugar e é ocupado por todos os tipos de pessoas, uma mais diferente que a outra, e todas muito especiais.

É gratificante demais você se livrar de preconceito, de padrões e de estereótipos e conseguir atingir um crescimento a ponto de pautar suas relações no respeito e no amor.

Bicho, se você ainda tem algum tipo de pensamento como estes do meu passado, por mais superficial que possa parecer, livre-se deles.

A vida é muito mais colorida, muito mais feliz e muito mais rica quando você aprende a aceitar cada indivíduo como ele é. Acredite!

Não adianta cobrar respeito e aceitação se isso não fizer parte de você também.

Com tênis ou salto, com boné ou peruca, de bermudão ou saia, SEJA VOCE!

E se encontrar alguém como essa figura nojenta que eu era, mostre que ele está no caminho errado. Às vezes, as pessoas só precisam de um anjo. Eu tive o meu.

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