Se existe um consenso na indústria da música é que: quando o nome Beyoncé reaparece nos charts globais é porque algo, no mínimo impactante, está prestes a acontecer.
A cantora e performer, no auge dos seus recém completados 39 anos, ficou mundialmente conhecida por seu imenso impacto cultural conquistado através da sua história musical.
Com um repertório e uma experiência extensa e plural, aos poucos Beyoncé começou a conquistar o seu espaço e ditar suas próprias regras. Hoje é dona de coleções, marcas e da gravadora Parkwood Entertainment, que lançou artistas como Chloe x Halle.
Porém, uma coisa Beyoncé soube executar com maestria: a disseminação das mensagens através da arte. Utilizando-se do respeito unânime conquistado através da alta qualidade de suas apresentações, versatilidade, técnica vocal e material sonoro, ousou focar sem medo em temas como o feminismo, sexo e racismo no momento em que passou a gerenciar sua própria carreira.
Em sua discografia, hits como “Run the World”, “Partition” e “Formation” reafirmaram seu forte posicionamento rumo à igualdade racial e de gênero.
O seu mais recente projeto, Black is King (2020), filme em parceria com o canal Disney+, veio trazendo a exaltação da riqueza cultural do continente africano através de elementos como ancestralidade, religiosidade, natureza e, claro, muita música. Black is King é a adaptação visual de The Gift (2019), último álbum de estúdio de Beyoncé confeccionado para promover a longa live action da Disney “Rei Leão”.
“Eu gostaria de ter a certeza de que encontramos os melhores talentos da África e não somente utilizar sua sonoridade para executar a minha interpretação delas. Eu queria que (o álbum) fosse autêntico ao que é belo na música africana.”, disse Beyoncé em entrevista para a ABC TV.
O álbum conta com artistas genuinamente africanos, utilizando-se diretamente de gêneros musicais locais muito populares, como o Afrobeats, que é o grande carro-chefe desta obra.
Afinal, o que é Afrobeats?
Afrobeats (vulgarmente chamado de Afro-pop) é descrito como um movimento musical muito popular no Oeste Africano e entre as diásporas, especialmente a nigeriana.
Diáspora foi o lamentável fenômeno de migração forçada de grandes massas populacionais para regiões de acolhimento, impulsionadas pelo sistema escravocrata de muitos países e províncias de continentes como Europa e Américas.
O entendimento enquanto gênero da música se deu na Nigéria, Gana e Reino Unido por volta das décadas de 2000 e 2010.
Ele é um gênero dançante e eletrônico, derivado da fusão diversificada de outros gêneros como os afro-ocidentais House Britânico, Hip Hop e R&B, além dos originalmente africanos como Soca, Jùjú Music, Naija Beats, Highlife, Ndombolo e o Afrobeat.
Afrobeat e Afrobeats são gêneros diferentes, apesar de serem separados apenas pela letra “s”.
Afrobeat, que frequentemente serve de inspiração para músicas de Afrobeats, foi criado na década de 70 pelo multi-instrumentista nigeriano Fela Kuti, cuja formação é composta por bandas de muitos integrantes e rica em instrumentos de sopro e baixos, além das influências da fuji music, american funk, jazz e ritmos iorubás.
Suas letras costumam ter um cunho mais político comparado ao Afrobeats, que comumente falam sobre sexo, dinheiro e amor.
Embora não tenha o mesmo teor político discursivo que o próprio Fela, artistas do Afrobeats como os nigerianos Yemi Alade e Burna Boy têm um papel fundamental na africanização da música – que voltou a ter uma atenção dos grandes circuitos em 2011, quando atingiu as principais paradas britânicas.*
“Fela, além da musicalidade africana, também cantava em outras línguas africanas. Ele tinha origem Iorubá. Esses novos artistas seguem essa linha, não cantam o inglês americano ou britânico. Eles cantam em pidgin, uma língua que mistura elementos das línguas locais com o inglês”, afirma o pesquisador Rafael de Queiroz (doutorando do programa em pós-graduação em Comunicação da UFPE).*
Afrobeats no mundo
O gênero vem sendo amplamente referenciado por grandes artistas ao redor do planeta, especialmente por apresentar batidas e melodias atrativas. “One Dance” de Drake e “Cheklist”, parceria entre Normani e Calvin Harris, contam com a contribuição de um dos maiores nomes do ritmo, o cantor e compositor Wizkid.
Influenciadores LGBTs do gênero também podem ser citados, como Titica, cantora trans nigeriana dos estilos Afrobeats e Kuduro, que em 2018 fez uma colaboração com Pabllo Vittar na track “Come e Baza”.
Outros artistas apresentaram influências em seus últimos trabalhos, como Major Lazer, Disclosure e a brasileira Ludmilla, que já afirmou em entrevistas pesquisar bastante sobre o gênero.
Uma curiosidade interessante é que o Reino Unido possui um dos maiores percentuais de nigerianos residentes no mundo, onde na Inglaterra representa uma das maiores comunidades de imigrantes do país. Em Londres existe uma rádio chamada The Beat London FM focada em ritmos eletrônicos de influência ou origem africanas.
Voltando ao continente de origem, é importante frisar que o Afrobeats se tornou tão popular em países como a Nigéria que em 2017 o selo Universal Music criou uma sede no país, ajudando a produzir artistas locais do gênero e promovendo colaborações com cantores globalmente difundidos. Mr Eazy e Tiwa Savage, que contam com a colaboração de Major Lazer são alguns exemplos.
Ainda falando sobre o país nigeriano, apesar da grande visibilidade dos artistas nacionais, suas principais fontes de renda não vêm do país. Grande parte da receita vem de distribuição do material em plataformas digitais que são proibidas no território ou apresentam regras de remuneração inviáveis financeiramente.
Além disso, uma considerável parcela da população nigeriana acessa músicas através de redes de pirataria, que são fortes, consolidadas e não apresentam combate efetivo no país. Desta forma, para ganhar dinheiro localmente, os artistas se debruçam na confecção de eventos privados, shows e patrocínios.
Um ano antes do lançamento do álbum The Gift de Beyoncé, o rapper norte americano Kendrick Lamar foi produtor executivo do Black Panther: The Album (2018), álbum promocional do filme Pantera Negra.
O filme, juntamente com este álbum, foi um grande divisor de águas na visibilidade e popularização da cultura pop africana, contando com intérpretes sul-africanos como Saudi, Sjava e Yugen Blakrok.
Após o estrondoso sucesso mundial da franquia Pantera Negra, Beyoncé encontrou uma oportunidade de difundir sua mensagem a partir da boa receptividade da crítica ao tratar da cultura africana. Para isto, trabalhou com muito sigilo e remotamente com produtores e artistas afro americanos, além de intérpretes da África do Sul, Camarões, Gana e Nigéria.
No Brasil, a influência do gênero vem aumentando a cada dia. Alguns trabalhos recentes, como o disco homônimo da rapper e cantora Drik Barbosa, o “Mundo Manicongo”, de Rincon Sapiência, e o “Capim-cidreira”, do rapper Rael, são exemplos claros desse novo resgate ao continente africano.*
Nas pistas, muitos DJs e grupos trabalham em produções e remixes inspirados pelo Kuduro e Afrobeats. Nomes baianos como Baiana System e ÀTTØØXXÁ, além dos cariocas Heavy Baile e a DJ Jacquelone apresentam repertório rico nos ritmos dançantes mais modernos da África, mesclando com gêneros populares brasileiros como o funk e o brega.
*Trecho adaptado da matéria “Afrobeat: o legado de Fela Kuti presente nas novas gerações da música africana” da Folha de Pernambuco.
Referências:
- HADERO, Haleluya. Beyonce’s “Lion King” soundtrack is set to cement Afrobeats in the global mainstream. Quartz Africa, 2019.
- EGBEJULE, Eromo. Beyoncé’s Lion King album makes Afrobeats the star. The Africa Report, 2019.
- ARNOLD, Chuck. Beyoncé-endorsed Burna Boy makes Afrobeat go international. New York Post, 2020.
- Afrobeats is the Nigerian sound taking over pop music. Quartz News,2019.
- The Nigerian Diaspora. <https://www.pilotguides.com/study-guides/the-nigerian-diaspora>. Acessado em 28/10/2020
- VINICIUS, Bruno. Afrobeat: o legado de Fela Kuti presente nas novas gerações da música africana. Folha de Pernambuco, 2020.
- SCHER, Robin; ContributorWriter (2015-08-06). “Afrobeat(s): The Difference a Letter Makes”. HuffPost. Archived from the original on 2019-10-25.
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- Adu-Gilmore, Leila (2015). “Studio Improv as Compositional Process Through Case Studies of Ghanaian Hiplife and Afrobeats”. Critical Studies in Improvisation / Études critiques en improvisation.
- LEIGHT, Elias. Inside Beyoncé’s Bold Bet to Get Americans to Listen to African Music. Rolling Stone, 2019.
- «Beyoncé is dropping a new visual album that celebrates black culture. Here’s how to watch it». Grazia Middle East. Consultado em 31 de julho de 2020.
Playlist Bruno Labanca: