Uma conversa bem feita leva tempo, mas para não enjoar também precisa ter um fim. Esta é a última parte da série de colunas sobre linguagem neutra. Isso não quer dizer que tudo o que tinha que ser dito foi dito. Não! Esse assunto não pode ser reduzido e esgotado em quatro breves artigos. Pelo contrário, eu espero que isto seja o início de um debate público que alcance grupos diferentes de pessoas e que reverbere constantemente elevando a qualidade do debate.
Bom, retomando para encerrar. Fizemos um percurso até aqui centrado na questão: Vamos conversar sobre linguagem neutra? (Parte I), (Parte II) e (parte III).
Uma publicação compartilhada no facebook, de um texto de uma professora de português falando sobre a linguagem neutra me motivou a propor esta conversa.
Este é um tema complexo, porque envolve a vida de pessoas, o funcionamento da sociedade e áreas diferentes do conhecimento, por isso, não é honesto tratá-lo de forma superficial, aliás, fere e muito a ética, além de causar transtornos e violências se não for bem comunicado.
Eu comecei a parte I, abordando dois tópicos importantes: identidade docente e educação linguística na educação básica. Usei como base a filosofia freiriana sobre a educação e a linguagem. Depois, na parte II, foquei no tópico relacionado a língua(gem) como um sistema organizado, no entanto, não por isso incoerente e que pode se alterar de acordo com o contexto sociocultural na qual está inserida. Já na parte III, tratei ainda de questões relacionadas a linguística e a história, escrevendo, brevemente, de como a língua portuguesa foi sendo produzida culturalmente durante os anos a partir dos interesses de grupos dominantes.
A ideia agora é juntar tudo, ampliando a compreensão do todo e trazendo novas reflexões. Talvez esta parte não fique tão ordenada e pouco didática, mas, nem sempre as coisas precisam ser assim tão certinhas.
A língua(gem) é, pelo menos para mim, uma preciosidade, porém, nem sempre foi assim. Sabe por quê? Pelo mesmo motivo que é para tantos de nós: ela parece uma coisa muito distante do nosso dia a dia. Parece uma coisa de domínio dos cultos, dos homens formais, dos executivos, dos profissionais de alto valor, dos ricos. Então, me pergunto, como é que se constrói uma relação amorosa com algo que não tem proximidade? Como dou valor para algo que não me pertence e ao mesmo tempo me diferencia, me colocando em posição de menor valor? É difícil!
Não ter proximidade com a língua(gem) é um projeto bem arquitetado de poder. É de interesse do grupo dominante (privilegiado) manter a língua portuguesa como um elemento cultural de alto valor pertencente somente aos privilegiados e quem não a possui, não tem cultura, não é inteligente, não tem boa profissão, não sabe falar, não pode participar ativamente das decisões políticas. Quero destacar: A LÍNGUA(GEM) É INSTRUMENTO DE PODER.
Não sou contra as normas, porém, elas não podem servir para perpetuar um sistema linguístico excludente e opressor. A língua(gem) tem que ser um meio de participação, um meio para marcar existências (representar pessoas e grupos de pessoas), registrar histórias, um meio para ampliar horizontes, um meio para diminuir as injustiças e um meio para se promover a paz. Por isso, ao invés de criar empecilhos e mais empecilhos para debater e promover a linguagem neutra, que tal, primeiro tentar entender o que é que as pessoas não binárias estão reinvidicando, até porque é direito delas e dever humano nosso. Não é favor algum! A língua(gem) é deles tanto quanto é nossa. A língua(gem) nos pertence enquanto humanos. Ela acompanhou e acompanha as transformações das relações e da sociedade. Temos que naturalizar isso!