COLUNA | Um Inferno Bíblico Real chamado Brasil

A foto da capa está linda, né? Ela infelizmente não condiz com meu estado emocional. Na madrugada do dia 24 de Junho de 2021, uma travesty foi incinerada em Recife.

Eu escrevo isso e (infelizmente) me soa como comum contar tragédias das existências similares a minha, contudo é algo que afeta o meu âmago mais profundo mesmos. 

O pior de tudo é: ela tem quarenta anos de idade. Teve quarenta por cento de seu corpo queimado. Uma coincidência trágica. E agora eu pergunto a você, leitor: Por que? Para que? Para quem? Por quem? 

Por que atear fogo numa pessoa? Seja ela mesma, por exemplo, amante e atualmente peça de um jogo de traição? 

Para que atear fogo numa pessoa? Para que a traição se dissolva no fogo? Para que a pessoa amada sua não a mais buscasse? 

Para quem atear o fogo? Em nome do relacionamento, do casamento, da união estável, do sistema?

Por quem atear o fogo? Por sua amada (o/e) que escolheu te trair? Por si?

Os motivos e respostas podem ser infindos, entretanto, ao meu ver NADA convém uma atitude desumanizada dessa, muito menos quando se tratam de existências transgêneras. Existências essas que transcendem tais valores e motivos pequenos e, digo também, BESTAS que possam ter sido suficientes na cabeça de um ADOLESCENTE para que o mesmo ateasse fogo numa travesty.

A culpa não é APENAS do adolescente, mas desse sistema que o ensinou via internet, via vivências e experiências mal interpretadas ou lidadas, via falta de educação própria, via uma manutenção de um desgoverno patológico o qual vivemos atualmente.

Sendo bem honesta, existências como a minha são naturalmente rechaçadas e menosprezadas, às vezes, a ponto de nossa morte até soar benéfica para alguns “seres humanos“. Existe uma energia, um conjunto de tecnologias legais, sociais (não oficialmente institucionalizadas) que rondam quaisquer existências dissidentes nesse país chamado Brasil, na qual o desconforto e usurpação da própria vida se tornam comuns devido a esse Cistema com cê (de cisgênero).

Não há leis e fatos policiais que comprovem a eficácia desse Cistema, e mesmo se tivessem o resultado seria igual: travestys queimadas, perfuradas, violadas, estupradas, violentadas, abusadas, mutiladas, desonradas, desrespeitadas, desumanizadas.

O que me dói no âmago mesmo é a falta de humanidade que normalmente provém de uma falta de representatividade: essa pessoa não se parece comigo, não age como eu, então ela não merece viver, ou mesmo continuar viva“. É basicamente essa política que nos é dada, aplicada, institucionalizada não-oficialmente todos os dias no que chamo de inferno bíblico real, o Brasil.

Compartilhe:
Instagram
Para Você

Posts Relacionados

LANÇAMENTOS | SOLTA O PLAY: Di Carvalho lança o hino escandalosamente libertador “BLAH BLAH BLAH!” com Megam Scott

Tem artista que não passa despercebido — não porque faz barulho à toa, mas porque transforma o barulho alheio em arte. É esse o caso de DJ Di Carvalho, que

EVENTOS | DIVERSIDADE, CURADORIA E ARTE: Euphonica leva energia disco-houser ao coração de SP

Marcado para o dia 23 de maio, projeto de Meca, Fatnotronic, Júlio Torres, OSGEMEOS, Valentina Luz, Etcetera e Sarria rola no Ephigenia e contará ainda com Rafa Balera no lineup

COLUNA | Entre tambores e sintetizadores: o Tribal House se reinventa na pista

A batida que sempre arrepiou agora se mistura, se renova e te tira da zona de conforto. Chega de replay: novas vertentes invadiram a pista com força, do afrohouse ao

EVENTOS | VIBRA FEST.MUSIC: A batida que conecta emoções — conheça os detalhes sonoros da primeira edição

Na reportagem anterior sobre a Vibra Fest.Music, contamos a história do evento que promete agitar o centro de São Paulo com uma proposta sensorial, diversa e potente. Agora, na semana

ENTREVISTA | ELE NÃO PASSA, ELE MARCA! Di Carvalho é sinônimo de poder, identidade e liberdade em forma de som

Há quase oito anos, Di Carvalho iniciava sua história com a cena Tribal House, e hoje pode contar suas conquistas e dificuldades com muito orgulho de tudo o que passou