Olá, sou o Alex e este é meu primeiro texto para a Colors. Inicialmente achei válida uma breve apresentação de quem sou e o que faço.
Meu primeiro contato com a música eletrônica foi lá em 2007, em um festival de trance. Desde então me apaixonei e me permiti explorar cada vez mais, conhecendo assim várias cenas até, anos depois, me deparar com a do techno.
Lembro nitidamente da sensação de encanto e acolhimento que tive ali, um ambiente que exalava introspecção e profundidade. Simplesmente me identifiquei e me senti contemplado por aquilo. A construção sonora, a liberdade, o respeito de um espaço só seu e toda a expressão estética presente, sem dúvida, foram as coisas que mais ascenderam aos meus olhos.
Esse universo me cativou de tal forma que há alguns anos decidi deixar que essa grande paixão tomasse mais espaço na minha vida. No início de 2018 venci alguns medos e barreiras para correr atrás de profissionalização dentro da música eletrônica. Desde então atuo como DJ, venho também explorando meus conhecimentos sobre produção musical e, mais recentemente, vi na escrita uma forma confortável de também me expressar sobre o tema.
Tudo isso ajudou a me levar ao convite da Colors para assumir uma coluna e nela falar sobre o que eu amo: o techno. Logo me peguei pensando sobre que assunto abordar na primeira pauta, as possibilidades eram infinitas, decidi então retomar as lembranças que mais me cativaram quando conheci esse universo. A primeira coisa que me veio à mente foi quando entrei pela primeira vez no extinto club Zeitgeist, em Curitiba: havia um mundo de expressão ali que eu não conhecia e que mexeu comigo profundamente. A partir daí, mesmo sem que percebesse, cresceu em mim uma necessidade de exteriorização do eu interno em vários aspectos, entre eles o estético.
Sem dúvida, essa sensação de impacto que retomei deveria ser traduzida em uma pesquisa guiada pela minha opinião, comecei então a afunilar o tema e percebi o quanto a moda é um braço importante para esse universo. Com isso, cheguei a esse título.
Antes de começarmos, gostaria de evidenciar que decidi focar em um recorte nacional sobre o tema proposto, logicamente abordarei informações e contextos de fora que ajudaram a dar forma ao que temos, mas tentarei manter os olhos voltados para o nosso país, nossa realidade e nossa própria contribuição cultural para os dois pontos principais.
Tendo isso esclarecido, vamos ao texto.
Quando se pensa em um evento de techno, muitos estereótipos vêm à memória. Independente se é em um contexto de club, rave ou na rua, a música introspectiva, um ambiente mais obscuro, várias pessoas vestindo preto com roupas não tão convencionais, são elementos comuns nesse tipo de festa.
Ou seja, inevitavelmente iremos ver a moda no techno e em alguns momentos as batidas incessantes e melodias introspectivas do estilo também fazem aparições no universo fashion. Mas você saberia construir uma linha de raciocínio que ligaria esses dois mundos? Esse texto tem a missão de te ajudar com isso!
Um bom começo é pensarmos em alguns pontos comuns nas duas esferas. Expressão, criatividade, atitude e opções para atender os mais diversos gostos são elementos encontrados nos dois mundos.
Vamos a uma pincelada breve do que é cada um para podermos desenvolver melhor a ideia de interligação entre os dois.
A MODA
Obviamente, a moda aparece na humanidade antes do techno, seu conceito se mostra inicialmente no século 15, durante o final da idade média e início da renascença. Desde então muita coisa mudou.
Como toda construção social, ela reflete e explica muito dos recortes temporais a que faz parte. Inicialmente destinada à nobreza, ela traçou um longo caminho e foi se transformando durante a história, absorvendo muito dos períodos que a mudaram e que ela ajudou a mudar.
Sendo assim, nos deparamos com a moda atual. Um complexo sistema que une vestuário e tempo, os colocando em uma constante evolução e transformação. Segundo Érika Palomino, em seu livro “A Moda”, ela pode ser aplicada ao dia a dia de uma massa/indivíduo, ou ainda à formas de expressão mais complexas, que envolvem contextos como política e sociedade.
A expressão através do que vestimos diz muito sobre nós. Sobre nossos hábitos, se estamos confortáveis, seguros ou mesmo só vivendo e querendo se expressar junto a um grupo ou em determinado ambiente que vamos ou estamos.
O TECHNO
A música eletrônica tem sua aparição mais estruturada durante a década de 1980 – o techno é considerado uma de suas grandes bases e surge no mesmo decênio. O gênero musical tem início quando Juan Atkins, Kevin Saunderson e Derrick May decidem fazer algumas experimentações em instrumentos como o Roland TR-808 e TR-909. Isso acontece lá em Detroit, contemporâneo a um momento de ápice do setor industrial na cidade.
Esse período influencia fortemente as estruturas do novo gênero, que se mostrava algo experimental, diferente e uma alternativa ao que já havia na época.
Tendo Detroit como seu berço, o techno começa a despertar interesse de pessoas que o levam para um outro ponto crucial à sua consolidação. Com sua chegada em Berlim pouco antes da queda do muro, ele, assim como a moda, entra como um dos elementos de unificação de uma Alemanha que buscava novas características culturais que a representassem como um todo.
Com isso, a cidade se tornou um terreno fértil para o estilo que lá se modificou, desenvolveu e se mostrou como um ponto focal de referência para o mundo todo até a contemporaneidade.
No final da década, a música eletrônica já começava a tomar forma de uma jornada para sua estruturação – ali também tem início a uma maior aceitação, difusão e expansão de seu alcance a nível mundial. Começou uma segmentação de estilos, gêneros e também se deu início, em Londres, a separação da cena rave da cena clubber.
OS ICÔNICOS E FUNDAMENTAIS ANOS 90
No lado musical da nossa discussão o mundo começava a ver os anos 80 como palco de muita coisa que fortaleceu e estruturou o techno como matriz cultural. No universo fashion esse período foi marcado pela extravagância, status e culto ao corpo.
Já os anos 90 foram fundamentais tanto para apresentar ao mundo um outro momento da moda quanto para ajudar na consolidação e difusão do techno, especialmente no Brasil.
No mundo fashionista tivemos vários fatores que fazem brilhar a importância da década. Os anos de 1960/70/80 serviram principalmente para firmar o poder de compra do jovem no mercado, bem como as ditas “tendências” deixarem de serem produzidas apenas por uma elite que ditava o que era ou não “certo” de se usar, e começam também a ser influenciadas pelos grupos que esbanjaram expressão pelas ruas. O street começa a ser ouvido e visto nas passarelas.
Isso interfere diretamente nas principais vias de expressão estética das roupas da época. Havia várias ideias de moda pulverizadas. Se por um lado tínhamos o minimalismo em linhas retas que se esforçava para negar todo o exagero que foi pregado nos anos 1980, por outra ótica encontramos o estilo grunge, que tem seu ápice na década antes da virada do milênio.
Além disso, o status era algo desejado e a moda se mostra uma excelente ferramenta para isso, cresce e se fortalece aí a logomania, ou seja, trazer a marca estampada de forma bem visível nas peças de roupa.
Em um contexto geral era isso que acontecia no mundo das passarelas e revistas. Mas fazendo um recorte para a realidade brasileira as coisas se mostravam um pouco mais caóticas.
O país vinha de uma crescente estruturação no setor da indústria têxtil e formação de um mercado voltado ao vestuário genuinamente brasileiro. Porém, aconteceu o Collor! Toda valorização do produto nacional vai por água abaixo, e é aí que marcas estrangeiras começaram a entrar no país, a importação se mostrava uma saída menos ruim, sendo também fortalecida pelo plano real, que de início se equivalia ao dólar.
Contemporâneo a isso temos também as primeiras faculdades de moda no país, o que é bem importante para trazer uma visão realmente brasileira e jovem para o mercado nacional e internacional da época.
Após essa primeira metade conturbada, os anos noventa começam a se estabilizar e o mercado nacional começa a reagir e dar seus primeiros frutos. Se no começo houve muito desespero pela parte dos empresários do setor, conforme os anos 2000 se aproximavam, a moda se mostrava mais sólida e houve uma disseminação de sua importância. O que aumentou muito sua abrangência no país.
Sabe o que de muito importante que aconteceu nessa década também? A consolidação da música eletrônica no país, especialmente em São Paulo!
Em uma época em que não existiam plataformas de streaming e nem mesmo internet, ela começou a ser introduzida no país, no finalzinho dos anos 1980, por jovens que faziam suas viagens ao exterior e se encantavam com a novidade, a ponto de trazer discos para o território nacional, e assim começou a difusão no Brasil. Com a chegada dos anos noventa a cena já se mostrava fervorosa. Algumas cidades foram mais receptivas e outras demoraram mais a abrir espaço para as percussões e melodias sintetizadas.
São Paulo, um dos lugares que melhor acolheu o estilo no país, tornou-se seu berço e já tinha seus pulmões começando a ser preenchidos com um pensamento fashionista. A música era diferente, era nova. Uma revolução para o que se tinha na época.
Como tudo que é novo, de início a música eletrônica viveu à margem de uma sociedade que torceu o nariz para ela, principalmente pelo motivo dela ter sido inicialmente aceita e difundida amplamente pela comunidade LGBTQIA+ – que foram as pessoas que por ela se encantaram, que a entenderam e se viram contempladas por algo que ia além do tradicional.
Logicamente, a partir daí, as festas e clubes começaram a surgir, inicialmente ambientes que misturavam estilos como acid house, house, happy hardcore e techno. Esses que depois viriam a se segmentar e ganhar cada um seus espaços, como já acontecia fora do país.
O movimento clubber brasileiro começava a tomar força, essas pessoas estavam vivenciando algo novo, a música eletrônica era algo que os representava, era pura expressão! Estando em um ambiente como esse, eles também queriam que sua estética traduzisse e exteriorizasse quem eles eram. Que não eram comuns!
Foi aí que a moda começou a dar as mãos para o movimento clubber e também para a cena rave que, paralelamente, começava a se formar.
Os dois universos começam a se entrelaçar também pelos frequentadores comuns às duas esferas. Jovens que estudavam moda e eram frequentadores de festas ou ainda entusiastas dos eventos que de alguma forma participaram da consolidação da moda no país.
É o caso de uma das figuras mais importantes da cena na época, que bebeu das duas fontes e consolidou seu trabalho com uma expressão de moda brasileira através de elementos presentes no mundo das festas undergrounds. Alexandre Herchcovitch é uma pessoa fundamental da cena clubber brasileira dos anos 1990, sua contribuição foi icônica!
Ele se formou em moda em uma das primeiras turmas do curso no país e conforme a cena underground paulistana começa a se formar, ele se faz presente como participante, também veste frequentadores desse universo e leva elementos desse contexto para suas coleções nas passarelas. Isso com certeza é um ponto que ajuda a criar ainda mais expressão de moda já nas origens da cena brasileira, pois abre espaço para que outros vejam a possibilidade de usar esse ambiente como fonte e espaço para criação e identidade de seu trabalho.
No final da década, a cena se mostrava mais difundida, estruturada e altamente rentável. Com isso, lojas começam a trazer CDs para o país, mídia especializada começa a surgir, o mundo hetero também começa a se render para esse movimento e tudo caminha bem para a década seguinte.
A VIRADA DO MILÊNIO
A virada da década, século e milênio obviamente não passaria despercebida em nossa discussão. Conforme o movimento clubber começa a tomar força e se expandir no país, a moda estava lá, junto a ele.
Os anos 2000 foram intensos em diversos aspectos, uma proposta diferente da indústria têxtil se mostrou (lembram do vestido jeans da Britney?), paralelo a isso à explosão da cena rave, a segmentação dos estilos de música eletrônica, entre muitas outras coisas.
A chegada das calças de cintura baixa como tendência é adjunta a uma proposta de menor status e maior conforto no mundo fashionista, o que abraça a vontade de comodidade das techneiras clubbers e ravers na época. Havia a possibilidade de estar no hype e também confortável enquanto se ouvia as batidas aceleradas das festas.
A situação econômica do país é outro ponto importante que contribuiu e muito para a grande explosão de uma moda brasileira e também de uma estruturação do universo musical do país.
Um governo que se preocupou com o aumento do poder de compra da população e também maior difusão do acesso à tecnologia, foram elementos cruciais para que jovens clubbers e ravers pudessem ter acesso a eventos de maior qualidade e também a looks mais aprimorados para estar nesses locais.
Enquanto a moda brasileira começava a ganhar mais visibilidade lá fora, aqui sua produção estava a todo vapor. Indústrias se firmaram e fortaleceram o setor, grandes exposições estavam muito mais desenvolvidas do que no seu início e atraíam olhares de profissionais especializados e compradores nacionais e internacionais.
Por outro lado, o surgimento de softwares como o Ableton em 1999, que teve sua aprimoração nos anos 2000, ajudou a difundir ainda mais a produção de música eletrônica. Isso foi potencializado pelo barateamento ao acesso a computadores no país.
Aqui, a produção por instrumentos de hardware sempre foi complicada devido aos impostos de importação, então a possibilidade de produção exclusivamente dentro de um software impulsiona a produção nacional e mais artistas começam a ter visibilidade dentro no mercado.
Além disso, também é nessa década que surgem as primeiras escolas voltadas à música eletrônica. Isso garante profissionalização para quem queria atuar na área e fortalece ainda mais a cena nacional, que nessa época já contava com alto investimento, rodando grandes eventos já com nomes internacionais de peso.
Nem tudo são flores, como se mostrou um mercado rentável, os investimentos foram massivos, porém isso trouxe também uma elitização em torno do techno. Eventos começam a ter valores exorbitantes em sua entrada e tudo isso caminha ao lado de uma cena underground que resistia nos centros urbanos.
A CONSCIÊNCIA ESTÁ EM ALTA
Dos anos 00 pra cá muita coisa mudou, tivemos até uma pandemia no meio do caminho. O próprio techno se transformou a ponto de ser um mercado que movimenta muito dinheiro em todo o mundo e aqui também não é diferente. Eventos tomaram formas e estruturas gigantescas. O número de adeptos do estilo cresceu enormemente e ele começa a ser mais bem visto em diversos aspectos da sociedade atual.
Logicamente, a moda dentro desse ambiente acompanhou a trajetória que a música tomou. Se tornou mais tecnológica, consciente e também pensada para esse ambiente.
A indústria têxtil é uma das mais poluentes que existem, chegamos em um ponto onde isso não pode ser mais jogado pra debaixo do tapete. Centenas de marcas lançando coleções duas vezes ao ano demandam recursos que estão cada vez mais escassos, além disso, contaminam o meio ambiente.
A sociedade começa a voltar sua atenção para um consumo mais consciente, seja de marcas que tenham certo grau de responsabilidade sustentável e que se preocupem com a representação de corpos diversos em suas coleções, ou mesmo a demanda por artistas que tenham posicionamentos que o público se identifique.
O fast fashion está aí, assim como muito evento e artista de techno com posicionamento podre que passa pano para muita coisa ruim. Pode ser que isso demore para ser repensado. Mas alternativas interessantes de slow fashion e colaboratividade na cena underground têm sido cada vez mais exploradas e começam ganhar mais espaço na decisão de compra do consumidor desses dois universos.
Tudo isso faz com que a moda e o techno estejam em constante autoavaliação e transformação para poder estar em sintonia com os ideais da contemporaneidade.
O QUE É TENDÊNCIA HOJE?
Amarrando tudo e trazendo a discussão para um ponto mais indicativo, gostaria de trazer algumas marcas e artistas que valem a pena conhecer e ajudam a consolidar, com tudo que foi dito, a minha opinião sobre o tema proposto.
Artistas consagrados do universo techneiro assinam grifes e grandes marcas de roupa, trazem DJs e produtores de renome para dar ainda mais relevância ao seu branding. Peggy Gou, por exemplo, está construindo seu castelo fashion com sua marca, e foi convidada de honra para encerrar a semana de moda de Seoul com um set primoroso.
A pandemia, na minha opinião, foi um momento que não distanciou a moda do techno, muito pelo contrário. Tanto para eventos de música quanto para desfiles a viabilidade deles acontecerem presencialmente foi revogada nesse recorte de tempo. Com isso, marcas gigantes do universo fashion decidiram investir no audiovisual para apresentarem suas coleções. E teve diversos momentos onde a trilha pensada para isso ficou a cargo de artistas de música eletrônica.
Durante esse período tivemos diversos desfiles e fashion filmes embalados por batidas aceleradas e acordes de introspecção. Particularmente acho que a Dion Lee e a Mugler foram as que mais acertaram a mão nessa união.
Apesar de não explorar tanto a linguagem audiovisual, uma marca com claras inspirações no universo do techno que gostaria de deixar como sugestão é a Heliot Emil . As criações assimétricas, com cortes estruturados, aplicação de metais e materiais nobres fazem com que a marca mereça um grande biscoito pelo que tem apresentado.
Fora dos holofotes do mainstream do techno e dos altos orçamentos do mundo fashion, a moda também tem ajudado o underground a estar com o look em dia para seu retorno às festas.
Exemplo disso é a trilha perfeita com inspirações de vogue music em um contexto totalmente brasileiro que o duo Cyberkills , composto por Rodrigo Kills e Gabriel Diniz, apresentou no fashion film “Bold Army”, da Bold Strap em 2020.
Outra marca nacional que vale conhecer é a curitibana Microdoses. Com um conceito de slow fashion e transformação de resíduos têxteis, sua criadora, Thassia Anjos, apresenta uma visão contemporânea de como a moda pode ser um local sustentável e de muita expressão. Além disso, o fato da criadora ser uma aficcionada do universo techno deixa evidente os reflexos disso em suas criações. Sou fã!
Contudo, podemos concluir que, desde que deram as mãos, a moda e o techno não só tem muito a ver como se entrelaçaram e criaram uma sinergia de existência.
Pra você que chegou até o aqui, gostaria de encerrar compartilhando o pensamento que norteou a criação desse texto: Tanto para o techno quanto para a moda, se você não tem personalidade o suficiente para se expressar, resta apenas consumir o que lhe é imposto como certo.