COLUNA | SPACE OLLI: O pilar da cultura Psytrance após a morte de artistas como Space Tribe

Quando conheci o Psytrance, no ano 2000, o que mais me impactou positivamente foram as cores vibrantes que trazem uma estética ousada e criativa, principalmente nas estampas psicodélicas (que surgiram na década de 60), marcadas pela presença de formas orgânicas e de um toque surrealista. 

No meu ponto de vista, as cores psicodélicas são uma quebra de paradigma e trouxeram visuais cheios de vida para as pistas de raves e festivais do mundo inteiro, com designs super ousados e um toque de diversão em toda atmosfera que envolve este cenário. Simplesmente amo! É algo fascinante que transmite um conceito de resistência de vida viva, que se expressa além do senso comum, alterando completamente a nossa percepção.

No mês passado, um dos maiores artistas do Psytrance mundial fez a sua passagem. Aos 63 anos, Olli John Wisdom aka Space Tribe, músico britânico que adotou nacionalidade australiana, deixou para nós um legado de psicodelia através da acidez dos BPMs de suas melodias e uma alegria intensa, característica de suas incríveis apresentações, repletas de sentimento e cores.

Além de ser um grande músico, Olli era co-autor da marca de roupas Space Tribe Clothing & Deco, onde expressava a sua arte através do desenvolvimento de estampas alucinantes, propagando a cultura psicodélica também de forma visual.

Em meados de 1980, ele foi cantor do grupo de rock góticoSpecimen”. Sua música foi descrita por abranger muitos gêneros musicais diferentes, incluindo glam, gótico, punk e pós-punk, sendo considerada uma banda pioneira da subcultura gótica, tanto musicalmente quanto estilisticamente.

Em 1985, a formação original do Specimen se separou. Olli Wisdom se mudou para São Francisco, na Califórnia (EUA), e formou uma versão americana de curta duração do Specimen. No ano seguinte, o artista embarca para a Ásia, onde deu início a sua carreira no Psytrance, assinando como o ícone Space Tribe.

Já em 1996 ele lançou o seu primeiro álbum, e desde então vem dominando as pistas Trance ao redor do mundo, carregando consigo uma legião de fãs da sua música e de seu estilo emocionante e visionário, com uma energia sem igual e um trabalho inspirador, sempre acompanhado de suas roupas psicodélicas que nos transmitiam sempre muita vida para ser vivida e boas vibrações, fazendo do Space Tribe um dos pioneiros do Psytrance mundial, ao longo de quase 30 anos de carreira.

Eu só tive experiência com o Olli em pista de festas e festivais aqui do Brasil, sendo público ou fazendo registros de imagens, com a minha produtora Interfaces . Nunca conversamos de forma profunda, mas a energia de suas apresentações era tão forte que eu me via fascinada toda vez que eu tinha a oportunidade de vê-lo. Era demais poder observar e absorver tudo que envolvia a sua vibração energética, principalmente por essa forma de resistência no vestir multicores, e suas performances teatrais que expressavam muito sentimento!

Ele era um showman!

Quando soube da sua passagem, naturalmente iniciei um processo de reflexão acerca das perdas e mudanças que o Trance tem tido nos últimos tempos. Artistas que representam o sentido do Trance psicodélico na sua forma mais profunda estão nos deixando com diversos legados que envolvem as suas ações no geral, que vão muito além da pista.

A forma um tanto expressiva de artistas lendários como Space Tribe não é comum neste novo cenário de artistas psicodélicos que vem fazendo sucesso comandando as pick ups do Brasil.

Atualmente, vejo eventos com psicodelia em suas decorações numa potência extrema, assim como vejo produções musicais com uma ambiência alienígena e de profunda expansão da consciência, nos fazendo ir além. Por outro lado, vejo artistas cada vez mais sérios em suas apresentações, introspectivos, meio góticos, amantes do cinza e do preto. Nada com cor. E que pouco interagem com a pista. Vejo um público que interage com vestimentas pretas e que repetem este mesmo comportamento das pick ups em suas danças e nos padrões de estética.

Trago esta reflexão por também me incluir nesta mudança comportamental que estamos atravessando na cena do Psytrance no Brasil e quero poder falar sobre algo que me fez pensar a partir da morte de Olli, por conta da energia que ele carregava consigo em suas músicas e na sua forma de vestir.  

Comecei esta coluna contando o que mais me impactou quando conheci o Psytrance: as cores psicodélicas, o holográfico e o flúor que eu sempre amei e por muitos anos me vi assim nas festas: toda psicodélica, até no meu cabelo. Purple hair!

Conforme fui amadurecendo e apreciando a cultura da vertente dark, meu estilo foi mudando e quando me dei conta eu só usava preto em qualquer ocasião da minha vida. Hahahahahaha! E digo mais: a minha forma de dançar ficou mais introspectiva, dançando meio parada e eu sempre fui amante das danças no sol, hein? Aí me vi preferindo as madrugadas insanas, tss, tss.

Percebo uma grande influência gótica nas pistas atuais do Trance, principalmente nos festivais de Dark. Curioso pensar que no início da carreira de Olli, por exemplo, na década de 80, ele se expressava através deste estilo e como este tipo de comportamento continua vivo em inúmeros estilos que adotamos no Psytrance. Isso é interessante demais!

Contudo, será que esta forma de representar o Trance através de expressões fluorescentes e holográficas como a de Olli está morrendo junto com esses artistas lendários?

Com o envelhecimento e morte destes artistas, o que podemos esperar do futuro deste conceito primordial que envolve a psicodelia através de cores como expansão de consciência e como isso pode impactar o público e esses novos artistas?

Como fica o pilar da cultura Psytrance após a morte de artistas como Space Tribe?

Com o rosto cheio de lágrimas pela partida de Olli e tudo que ele representa para nós, mas com a esperança na força do movimento Trance, me despeço de vocês propondo todos esses questionamentos acerca do resgate de memória da cultura Psytrance, para que cada um reflita sobre a importância de nossas conexões enquanto seres psicodélicos habitantes deste planeta, em todas as fases de nossas vidas.

“O destino é severo. Sejamos nós indulgentes. O que é preto talvez não seja escuro.” Victor Hugo.

Foto de capa: Johan Kvint.

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