COLUNA | Algo saiu de ritmo

Novos tempos em nossas comunicações estão aí! Sobretudo neste momento em que devemos nos resguardar de contato físico direto, cada vez mais geramos conteúdos e nos comunicamos pelas redes sociais, que têm esse nome por conta do emaranhado de bits em que armazenamos nossas palavras, ideias e opiniões. Mas será que estamos preparados para tal?

Através das redes pode-se viralizar tudo: do amor ao medo, da esperança à decepção. E o que se vê claramente, num tempo em que as pessoas se escondem por trás de uma tela de cristal líquido a partir da qual veem o mundo, muita gente tem saído do armário, mas desta vez no sentido negativo.

No tempo em que a ciência avança a passos largos para o que até ontem era ficção, é cada vez mais comum falar-se em quimeras: humanos com embriões de macacos ou porcos talvez sejam as menos perigosas. Infelizmente as redes têm fornecido seu pulso elétrico à mais variada gama de Frankensteins: mulheres machistas, gays homofóbicos, negros racistas, religiosos aliançados à morte e destruição. O que vemos hoje é todos os tipos mais escusos de pessoas de caráter duvidoso usarem seus dispositivos como escudos para regurgitar o veneno que beberam a vida inteira em silêncio.

Recentemente fui bloqueado pelo algoritmo por abrir os olhos de uma pessoa que estava, com seu comentário maldoso no face, pondo sua própria cabeça na guilhotina espalhando preconceito alienado do qual ela própria era o alvo. Estranhamente a inteligência artificial favoreceu a “ignorância programada”. De fato, o que chamamos de IA nada mais é do que o denso acúmulo de dados analisados a altíssimas velocidades de clock (período que define um ciclo de máquina).

A primeira sensação foi de que era necessário me auto-observar: medir minhas palavras, repensar minha agressividade. Afinal, a máquina, por não ter senso crítico, havia tomado minha frase por discurso de ódio e que, finalmente, a política da rede social estava atenta a isso e que não só eu como todo usuário deveria melhorar. Me pareceu um avanço! Os computadores estariam corrigindo automaticamente nosso discurso mal educado e impondo limites à nossa fala. E assim pensei até contemplar a enxurrada de publicações e comentários perversos sobre o massacre na comunidade do Jacarezinho.

Espertas foram as “yags” que, catando o movimento dos robôs-censores passaram a driblá-los com a mesma perspicácia de Chico, Caetano e Gil nos tempos de censura x tropicália quando perceberam que seus comentários engraçados e brincadeiras entre amigos estavam lhes rendendo dias de ban enquanto o banho de sangue em forma de palavras circulava livremente nas redes. Não é preciso procurar muito para ver o algoritmo não dando a menor moral para o veredito virtual dos facers e twitters sobre Jacarezinho, Rio de Janeiro. Na situação, o endereço residencial, condição financeira e cor da pele foram o suficiente para que seus moradores mortos fossem apontados por gente que também não participa da realidade das favelas da cidade como bandidos sem que ao menos os corpos tivessem sido identificados. A impressão que temos é que certos tipos de comentários são entendidos pela IA como “dentro dos padrões da comunidade” – devemos nos lembrar que nem o algoritmo de supressão ao discurso de ódio e nem as pessoas que fazem essa averiguação tinham nenhuma informação sobre inocência ou culpa dos policiais ou dos mortos. Enquanto isso, você pode ter que encarar um ban só por se referir a um amigo como “negão” ou “viado” ainda que numa frase amistosa. Quero deixar claro que não é meu objetivo julgar a realidade dos fatos ocorridos no específico episódio do Jacarezinho, que chama atenção por ser recente, mas a eficiência do nosso censor virtual, visto que ele também não apura a veracidade dos fatos, mas somente uma ampla base de dados, estabelecendo pesos ponderantes. Essa é a calibragem da balança virtual de que tratamos nesta coluna.

Acúmulo. De dados. De informação majoritária.

É comum que um banco de dados seja alimentado pela informação recorrente e de fácil acesso. E sendo assim, é mais do que esperado que o pool de dados que alimenta nossas IAs seja, como nossos professores de história costumavam dizer, o “relato dos vencedores”. O apagamento da opinião e documentos gerados pelos excluídos, seja pela guerra racial, machista ou religiosa, faz com que a maioria do conhecimento produzido até hoje e que alimenta as decisões dos bots seja branco, privilegiado e “hetero top”. Sendo assim, você pode insinuar a todo tempo nas entrelinhas que o gay é amaldiçoado pelo sagrado, que a mulher é obrigada à submissão, que o negro é animal inferior ou bandido sem caráter. Tá tudo bem, só não usar certas palavras-chave.

“As minorias terão que se curvar às maiorias.”

(Citação do boçal que ocupa a cadeira do executivo nacional neste exato momento)

Até que aperfeiçoemos nossa diversidade de informações essas distorções serão comuns. Infelizmente se torna mais difícil, visto que somos vigiados por sentinelas que não dormem: estão 24h por dia nos medindo com suas réguas do data analytics. E de tanto que foram alimentadas com lixo, regurgitam esse líquido binário da sarjeta de volta na cabeça do cidadão comum, que ainda acha que esse é o discurso da “tradicional família brasileira”, sem reconhecer ao menos que esse fenômeno é mundial.

Bom, é aí que chegamos a essa sinuca de bico em que estamos. Faz tempo que algo perdeu o ritmo e nós que dependemos da web para trabalhar temos que ser navegantes cada vez mais hábeis para desviarmos ilesos dos icebergs de ignorância e conseguir entregar nossos produtos, mostrar nossos talentos e assim trazer um pouco de calor e luz do amor e da arte para as pessoas que estão presas nesse loop. Mas antes, precisamos estar atentos e fortes, não nos deixar enganar pelas sutilezas das novas tecnologias. Não abandonemos o senso crítico, a tolerância, os livros, a espiritualidade e o cuidado, principalmente nesse momento em que não podemos contar com o calor do abraço que não morramos pela frieza dos compartilhamentos das ideias das máquinas, que não passam de 0 e 1 no final das contas.

Quero dizer a você que me lê agora: você é importante! Sua individualidade, sua caminhada evolutiva, sua possibilidade de criar e transformar jamais serão medidas por likes e rankings. Ouse ser você mesmo e não se torne escravo da teia elétrica na qual as empresas querem nos prender para nos fazer engolir seus produtos dos quais não precisamos. Afinal, no fim das contas, se trata disso e precisamos aprender a lidar com esta tecnologia para utilizá-la a nosso favor e para nosso crescimento enquanto sociedade.

Só faltava essa, não é pessoal? Não bastasse todos os sofrimentos e contratempos que temos tido por conta desse período difícil, ainda temos que lidar com censura robotizada! Mas não ateiam fogo aos seus computadores/smartphones ainda, pois temos muita coisa boa para mostrar! 

Venho fazer um convite especial para o evento virtual da Parada LGBTQIA+ de Belo Horizonte, realizado por @absurda (via IGTV). A abertura do evento (18/06/2021) contará com a parceria de @fanfarra3.0 que mostrará um pouco da cena eletrônica capixaba e terá uma festa de abertura onde este que vos escreve vai deixar o psytrance underground de lado por um dia e fazer um som diferente para vocês. Junto comigo teremos Nath Leles (SP), Paolla B. (ES), Omoloko (BH) e GreenGrass(ES). Estamos esperando vocês do outro lado da telinha, arrastando o sofá pro lado e a bunda no chão! Até lá!

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