COLUNA | PAPO DE TRAVA: Perspectiva Trans – Parte 2

A Adolescência e a Adultidade no Brasil Neocolônia

A repetição de certos termos tem um caráter de chamar atenção ao assunto moldado. Além disso, o neologismo CISTEMA e suas derivações levam a letra C de CISGÊNERO, para ficar TOTALMENTE compreensível que a responsabilidade político-social da maioria das questões citadas nessa coluna é da Cisgeneridade, não da Transgeneridade (oposto a como muitos cisgêneros gostam de pensar).

 

Chegamos à parte mais complicada de se falar dessas perspectivas e, oro para que, futuramente, não seja a última para a maioria de nós. Por que digo isso? A expectativa de vida para existências transfemininas é em torno dos 30 e 35 anos.

 

30 anos de idade para as existências trans com mais eumelanina, as pretas, racializadas, “papelizadas” (pardas rs) e as indígenas. 35 anos para as existências com mais feomelanina, as com descendência europeia ou asiática. 

 

Não existe falar sobre Transgeneridade sem falar de Racialidade. O Brasil Neocolônia no qual vivemos hoje foi construído sobre entendimentos, costumes, falácias, leis, políticas de uma época de genocídio indígena sucedido por uma época de escravidão, cuja Lei Áurea não trouxe real apoio aos antigos escravos do Brasil Colônia. Transformando os mesmos em trabalhadores assalariados, devedores com nome no Serasa. Ligados a um cistema que ainda os prende e os bloqueia de oportunidades de vida saudáveis na sua maioria.

 

O MESMO ocorre com a maioria das pessoas trans, exceto quando a família, desde uma infância saudável, cuidou e percebeu as necessidades da criança/do eré sem manipulá-la ou julgá-la por diferirem do padrão.

 

Ainda assim, a maioria dos progenitores e pais efetivos, em conjunto com escolas de ensino fundamental, de forma cistémika, INDUZEM (com a falta de conversa principalmente) o/a adolescente trans a querer sair de casa precocemente e a utilizar a hipersexualização que tal adolescente trans sofre como meio de se vender e conseguir o seu próprio dinheiro. Abrindo oportunidade não apenas para traumas corpóreos-mentais, mas também bloqueios sexuais quando relações de afetos reais se apresentam.

 

Eu, Kukua Dada, mesmo sendo uma travesty que escolhi preservar-me até os 18 anos até ter oportunidade de ser considerada adulta e poder-me envolver com quem eu quisesse sem rechaços de ninguém, tive muitas experiências sexuais terríveis e todas com homens cisgêneros. Isso antes da minha transição. Após a mesma, cheguei até a ser roubada por pessoas que confiei porque achei que gostavam e que me valorizavam mesmo eu sendo uma travesty.

 

Dói muito ser uma pessoa trans, e contrariamente ao que muitas pessoas cis pensam e falam em vídeos de YouTube, ninguém que era homem cis /mulher cis vira mulher trans/homem trans. A transição não é uma escolha, é uma decisão, um encontro consigo mesma/o. A diferença é: uma escolha é tão superficial que pode até ser esquecida pela pessoa que a fez. A decisão muda o seu caminho de vida de uma forma intensa e inesquecível, faz parte de uma autodescoberta, não de um simples “virar” ou “escolher”. Ninguém trans que decide transacionar o faz para sofrer.

 

Caso a existência trans tenha sido já danada na infância, a melhor forma de se lidar é com paciência, empatia e carinho, mesmo que tal pessoa trans exiba comportamentos isolativos e/ou estranhos. Caso a existência tenha sido bem cuidada e apoiada previamente, o mínimo é o respeito pronominal e o respeito no geral, que é algo que a cisgeneridade normalmente se passa/ignora em algum momento e que todas as existências trans, danadas ou não, merecem. 

 

Com quaisquer existências trans, perguntas e comentários sobre o corpo da pessoa, sobre cirurgias, sobre outras pessoas trans que foram brutalmente assassinadas pelo cistema são todas desnecessárias e inconvenientes.

 

Oportunidades de afeto também são raríssimas a pessoas trans, desde a infância em alguns casos, mas é algo bem certo na adultidade, o que faz também brincadeira e costumes de toque vindo de gente cisgênera serem totalmente desnecessários e inconvenientes também. 

 

E para finalizar, dirigirei-me agora a VOCÊ, pessoa trans. O mesmo papo que a minha terapeuta me deu, te darei: não é porque você teve uma infância turbulenta que você tem que achar que o relacionamento com o cisgênero que te “assume” tem que ser turbulento também. Não é porque você tem dificuldade de entendimento e processamento afetuosos que você tem que se deitar com qualquer pessoa. E essa mensagem, além de designada a vocês, vai, também, para a Kukua do passado que fazia exatamente tais besteiras.

 

Se valorize, Pessoa Trans, você merece muito mais do que te ensinaram que você merece! Você, por ser trans, tem um potencial enorme que nenhum cisgênero (seja esse cis Doutor em Neurologia e/ou a desgrama que for) consegue mensurar ou inteiramente compreender.

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Kukua Dada

Editora, Colunista e Repórter

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