COLUNA | Comportamento Clubber na Moda

Existe um elemento que atua como um “complemento” ao universo da música eletrônica de maneira expressiva, o mundo da moda (vestuário), eu diria que essas duas formas de arte se entrelaçam de uma maneira perfeita. Eu usei a palavra “complemento” por que através de nossas vestimentas expressamos uma identidade. O maravilhoso mundo da E-Music é composto por muita intensidade, muita energia e sempre ficou muito evidente o quanto o look da galera chama a atenção quando o assunto é cultura clubber, raver e tal.

A pista de dança muitas vezes é uma passarela, a nossa cultura dos clubs é repleta de looks chamativos e modernos ou também produções mais básicas que condizem com o ambiente. Sempre me chamou muita atenção a maneira como as pessoas se vestem e nesse universo, sou constantemente surpreendido pela produção da galera. Os anos 90 foram um marco para essa cultura, na época as cores quentes estavam em alta, mescladas com tons mais escuros, foi uma década muito “colorida”, marcou tanto que ao meu ver é como essa subcultura é mais lembrada.

Para nos contar um pouco de como foi a famosa década de 90, eu trouxe uma pessoa que viveu aquele momento e guarda boas histórias, a DJ e estilista Jana Ramassotti.

“Quando olho para trás parece que foi ontem que eu estava usando minha regata com inscrições japonesas da Mulher do Padre, minha jaqueta de helanca da A Mando do Rei e minha mochila inflável, mas lá se vão quase 25 anos.

Das fitas k7 que ainda tenho guardadas Prodigy, The Chemical Brothers, Daft Punk entre outras que eu gravava da 97FM e da Metro (atual Metropolitana), e mais algumas rádios piratas que eu sempre conseguia sintonizar.

Na era pré internet a informação não estava disponível tão facilmente como atualmente, você precisava ser interessado, ir atrás, se informar, ler, perguntar. Revistas, baladas, amigos, a famosa boca a boca de notícias. Lugares como a Galeria Ouro Fino eram ponto de encontro para clubbers da cidade inteira onde você ia para andar, pegar flyers de descontos para as festas, comprar, ouvir as novidades musicais, ficar por dentro do que estava rolando no mundinho.

Feiras como o Mercado Mundo Mix e Mambo Bazar foram grandes celeiros desta mistura entre moda, música eletrônica, arte e estilo de vida, trazendo o underground para o mainstream. 

É impossível dissociar a moda da música e vice-versa, são duas linguagens que se complementam e se amplificam dentro do seu discurso, pensando rapidamente nas estéticas do rock em 50/60, o punk nos 70, a disco também nos anos 70, o pop nos 80 até chegar na estética raver dos anos 90 é muito fácil perceber e entender a forma como esses dois elementos caminham juntos.”

Bem interessante essa análise que a Jana fez entre música e moda através das décadas e como cada movimento musical teve uma identidade bem marcante.

“Quando comecei a sair na noite frequentando lugares como Massivo, BASE, Disco Fever, a música eletrônica era chamada de música underground e a sigla usada para definir o público era GLS, estávamos descobrindo e desbravando um mundo novo, um desejo de liberdade, de se mostrar. Os shows de drags divertiam e encantavam, figuras quase míticas. E dentro deste movimento tinha quem se vestisse de preto total, com couro, vinil, dentro de um seguimento mais fashion e por outro lado quem amava cores e exageros como casacos de pelúcia, tênis com plataforma, acessórios coloridíssimos, no meio disso tudo havia quem gostasse da dupla básica de jeans e camiseta, todos convivendo e se misturando nesse universo que se abria”

“Vontade de pegar uma máquina do tempo e viajar para essa época, rsrs…”

“Na atualidade em que fica difícil saber da última novidade, um enorme volume de informação que nos chega a cada instante, onde surge a cada dia o sub gênero do sub gênero de tal estilo musical, GLS virou LGBTQIA+ e precisamos discutir mais do que nunca sobre liberdade devido a tantos retrocessos que estão acontecendo.

A expressão da individualidade, o corpo à mostra, o corpo escondido, todos os tipos de corpos, todos os tipos de sexualidade, livres para serem o que quiserem da forma como desejarem ao som hipnótico do techno. Usando preto, colorido, metálico, alguns ainda não abrem mão do bom e velho uniforme jeans e camiseta, a diferença está na busca pela expressão individual, no customizado, no ousado que algumas vezes até choca, agora além de comportamento, o rolê virou um lugar de posicionamento político.”

No código de vestimentas atuais tudo é permitido, assim como a informação é de fácil acesso, o leque de opções musicais e estéticas se tornou muito maior também na hora da expressão pessoal. Não importa a marca, mas sim o que se expressa, uma mistura de várias épocas e estilos remixadas dos clubs para as ruas e espaços abandonados em um movimento de ocupação e libertação dentro do fenômeno das festas que vimos surgir e ganhar força nos últimos anos.

A noite é diversão, é música, é moda, expressão, estilo de vida, política, um lugar para ser o que quiser e como quiser respeitando o outro sempre, e um conselho para os clubbers de todas as épocas: – Beba água e use seus óculos escuros!”

Quero agradecer a queridíssima Jana por nos compartilhar essas experiências, quando pensei em escrever essa pauta, rapidamente pensei em convidá-la para nos ceder um depoimento, e é com muita alegria que hoje ela também faz parte da equipe Colors DJ, onde apresenta o primeiro programa da revista, no Instagram, com o tema “Moda e Música”.

Vestir-se é um prazer! Adoro parar e ver quais peças vou usar, ainda mais quando vou para um rolê de música eletrônica, lembro de mim nas lojas olhando peças e pensando “Essa vai ficar legal na pista”, “Vou usar essa calça com aquela blusa”, é algo que mexe com nossa imaginação, expectativas e com o nosso humor, aliás o nosso “mood” dita quem queremos ser naquele momento. Frequento esse mundo desde 2015, uma geração que se rendeu a tons escuros! O preto tomou a frente, uma atmosfera sombria tomou conta, elementos góticos estão em alta, vejo roupas e acessórios ousados e fetichistas, camisetas e regatas lisas e pretas, calças largas, jogging e saruel, blusas com gola alta, jaquetas de couro, botas, sapatos, camisas com estampas coloridas, vejo também um revival de décadas passadas. Óculos com lentes coloridas, tons quentes (vermelho, amarelo, azul) eram tendência nos anos 90 e estão de volta, eu mesmo adoro, tenho um apreço pela moda “noventista”.

Sabemos que a moda é cíclica e isso é altamente visível na pista, tenho percebido uma visita aos anos 80, mullets, cabelos armados, franjas, roupas cheias de cor e jóias extravagantes. Eu nunca fui muito chegado aos looks oitentistas (apesar de amar a música), mas estou começando a enxergar com outros olhos, inclusive foi a década em que nasceu essa nossa subcultura.

Agora trago o depoimento do amigo estilista Sam Matheus, Sam é de Itajaí e tem um “Know How” bem interessante na nossa pauta.

“Tô muuuuito feliz por esse convite Tiago. Obrigado! Até parece que foi ontem que nos conhecemos numa pista em SP, ansioso demais para que a vida noturna ascenda e que possamos dela vestir toda a quebra de paradigma e a descompressão da rotina que a vida nos permite. 

Eu, clubber sedento que sou, já vivi muita pista em diferentes culturas, desde pacatas cidades no interior a grandes metrópoles e o que chama muita atenção nesses últimos anos pré pandemia foi como a moda, que posso dizer a liberdade de expressão, tem se tornado uma forte disseminadora de comportamento, fazendo com que os olhares dos clubbers na pista sobre o look do amigo ou daquela pessoa super expressiva vem fazendo com que novas formas sejam criadas.

Como a saturação de alguns estilos específicos e a liberdade do empoderamento, nós estamos com um leque absurdo de combinações sem se prender a um estilo, porém a vida noturna respira por um viés que nem sempre observamos nas ruas por proporcionar um hedonismo surreal, mas essas fronteiras vem caindo.

Com o aumento de mais e mais adeptos à cultura eletrônica, especialmente de novas gerações, especialmente a alfa que viverá no mundo pós pandemia, nós vamos experimentar várias formas onde encontramos um respiro profundo em composição e mistura de estilos, formas, volumes, texturas e mais, somando a tecnologia e a sustentabilidade como novos materiais que surgem.

Por esse viés observo uma volta muito forte das subculturas como punk, grunge, gótico e suas vertentes. Essas diferentes culturas estão convivendo em um momento assustador, e hoje o underground se faz necessário e ressurge de diferentes formas nesse novo mundo onde se rebelar é necessário para sobreviver.

O gótico e punk fluidos merecem ser observados, especialmente pelo upcycling e a liberdade de expressão sexual aberta. Quanto mais adentramos as normas da quarta revolução industrial que é mais biotecnológica do que nunca, não vejo uma cena com pessoas cobertas de tecnologia, mas sim livre, completamente desprendida, querendo viver a noite como uma verdadeira dança contemporânea forte e agressiva.” 

Espero que tenhamos trazido um pouco dessa sinergia que existe entre essas duas artes, foi muito gostoso trabalhar em conjunto com a Jana e o Sam nessa pauta, obrigado por somarem e me ensinarem mais sobre esse tema. Quero agradecer também ao fotógrafo Eudig por participar mais uma vez da minha coluna, dessa vez cedendo fotos das pistas. Nos vemos na próxima.

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