Não é segredo pra ninguém que ser mãe é sinônimo de estar junto, de cumplicidade, companheirismo, de preocupação. É claro que, se houver laços de sangue, as coisas parecem ter mais veracidade. Mas eu pergunto, isso é mesmo necessário? É mesmo necessário cumprir o papel biológico quando o papel afetivo é executado de forma tão sublime?
Sinceramente, o ser humano precisa do sangue, mas não do vínculo disponibilizado por ele. E é por isso, que temos tantos padrastos, madrastas, carinhosamente renomeados de paidrastos e mãedrastas, porque o afeto é muito mais importante pro ser humano em sua formação social e psicológica, do que um vínculo biológico. Vemos isso principalmente na adolescência, onde os jovens se sentem muito mais confortáveis expondo suas questões particulares com um estranho, na visão dos pais, mas um amigo, alguém em quem se pode confiar, na visão desses jovens. E isso causa o afastamento entre pais e filhos, embora exista sim, o amor, existe também o medo, devido a falta de compreensão e a imposição de uma hierarquia, muitas vezes sem sentido.
Quando temos laço sanguíneo, parece uma obrigação, que amemos nossos pais, pois eles nos deram a vida, nos dão de comer e nos ensinam como é a vida, aos olhos deles. Mas, e se não queremos que a nossa vida seja como a deles? Isso causaria dor, frustração e decepção a eles, então muitas vezes não falamos. Omitimos, mentimos, e nos anulamos em prol de um sentimento maior. Não que isso não haja também em famílias onde não há laços sanguíneos, mas a tendência é que aconteça muito mais em famílias onde existe esse laço. Por que isso acontece? Devido ao sentimento de obrigação, que comentamos anteriormente. Eu sou obrigado a amar e agradar meus pais e esse sentimento é enraizado, porque nossos pais também passam por isso.
E se houvesse um lugar onde existe além do amor, também a compreensão, o entendimento ou a tentativa de entender o que o outro está sentindo, a empatia, e a felicidade em fazer isso sem pressão, devido a um laço sanguíneo, pois ele não existe. Ora! Mas aí você me diz “mas se não há laço sanguíneo, não existe a responsabilidade, a obrigatoriedade, isso é caridade, não criação.” Realmente algumas coisas podem ser mais difíceis porque o entendimento tem de ser maior, tudo tem que ser mais trabalhado para que o amor se estabeleça de forma pura.
A adoção não deveria ser vista como um bicho de sete cabeças, já que aqui estamos falando do desejo de tornar-se mãe, pai. Atualmente vemos tantas crianças sendo criadas sem amor, sem o carinho e compreensão que necessitam, que eu chego a me perguntar: “mas não seria melhor ter dado a adoção para que fossem a um lar onde tivessem uma estrutura emocional que os suportam?” “Não seria melhor se esses pais assumissem que não tem condições para criar a criança?”.
Essa estrutura deveria ser entendida como a vontade de criar um ser vivo, de dar a ele condições para tornar-se uma pessoa que saiba distinguir o certo e o errado, que saiba tratar as pessoas bem, que seja uma boa pessoa. E para ser uma boa pessoa, independe de vinculo sanguíneo, independe de sexo. Caráter independe de coisas como estas. E aqui é onde eu quero chegar. A adoção é um ato de amor, o carinho que essa criança vai receber não vem de sangue, não vem de gênero. Vou dar um exemplo. O bebê que está sendo gerado na barriga da mulher. Em casos normais se diz que o bebe já é amado. Não importa o gênero do bebê. E esse amor é genuíno pois não se sabe como vai ser, é um amor que não precisa de cor, nem de gênero, é apenas amor.
A adoção é esse amor, a conexão se estabelece rapidamente, e é pura, sem preceitos, pois o amor existente entre dois seres humanos independentemente de ideologias, muito menos de laços de sangue. São apenas humanos à procura de mais um para completar o afeto que já existe. E isso podem ocorrer em relações heterossexuais, homossexuais, cis e trans. O amor não precisa de gênero. Precisa ser amor.
A criança não sabe sobre gênero, a criança não sabe sobre cor, a criança não sabe sobre nada disso; nós sabemos, nós sofremos isso, eles não. Então por que poupá-los de receber amor apenas pelo preconceito que os adultos têm? O amor está lá. O que não está é a compreensão, é o interesse em criar as crianças como máquinas para que continuem reproduzindo o discurso de ideologias que não contemplam o amor de uma família. Que continuem reproduzindo que um laço de sangue vale mais do que um laço de afeto amizade e cumplicidade, que muitas vezes nem existe entre aqueles que dizem.
O que eu quero dizer com este texto é que parem de impedir que o amor exista, pois ele vai continuar existindo, e, quanto mais difícil for de conseguir viver este desejo de ser feliz, mais almejado é. Casais do mundo todo procuram a felicidade na adoção por diferentes motivos, pode ser que um casal hetero não possa gerar um filho, pode ser que este mesmo casal não queira gerar este filho e prefira adotar. Assim também como os casais homossexuais, que hoje tem algumas alternativas para que possam gerar o vínculo sanguíneo com seus descendentes, podem ser que prefiram adotar simplesmente porque querem transbordar sua felicidade, e isso é maravilhoso, é puro, é genuíno. Mas para o resto do mundo que vive em uma bolha que parou na época da inquisição, não aceita que esse amor possa ser vivido, não concorda que duas pessoas do mesmo sexo tenham a capacidade de dar amor a uma criança, não tem a capacidade de dar uma vida justa e digna a um ser vivo que ainda não tem discernimento, sendo que estamos realçando neste texto, desde o início, que o amor familiar independe de laços sanguíneos, depende apenas da vontade de compartilhar a vida com alguém.
Deixem que o amor transborde, vivemos tempos difíceis.
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