Todos sabemos que as pessoas têm conhecimento sobre temas como a sexualidade cada vez mais, fato que podemos perceber pela quantidade de pessoas que se questionam diariamente sobre o que lhes atrai. O que poucos se questionam é sobre a aceitação do próprio corpo. Ouvimos muito sobre questões biológicas, Questões essas que faz com quem não aceita determinada parte do corpo se sinta de certa forma errado por ter tais pensamentos. O primeiro passo é se aceitar, aceitar o que você é, aceitar a sua essência, pois isso é o que somos quando todo o resto é tirado de nós. Identificar-se como homem ou mulher pode ser muito mais difícil do que imaginamos. Existe a curiosidade quando somos crianças de querer saber como é ser do sexo oposto, mas ai vem a pergunta que assola a maioria dos pais que por alguma razão não entende essa questão: “mas e se não passar?” Ou irmos pra algo mais profundo, “e se tivermos realmente vontade de ser do sexo oposto?”
São muitas perguntas para quem se descobre transexual e eu acredito que o que toma conta do ser é o pensamento de que isso é, de certa forma, um erro, um equívoco. Sejamos claros neste texto, que não é errado eu me identificar como homem ou mulher, lembramos que isso faz parte do “ser”, independente do corpo que se tem.
A questão do ser é muito mais profunda do que a questão biológica, já que na questão biológica não há questionamento que não possamos responder prontamente com algumas pesquisas. A questão do ser é filosófica e mais do que estudo, requer uma imersão profunda dentro do que você acredita ser. Dentro da sua reflexão, você tira suas próprias conclusões e, de repente, o que estava tão certo na sua vida, torna-se um borrão diante dos seus olhos. Eu vou usar aqui um exemplo que está mais recente, de certa forma, fresco na cabeça das pessoas, que é o desenvolvimento da personagem Ivana, na novela global “A força do querer”. Muitas pessoas passam a se descobrir e, apesar de ter contato com muitas pessoas que já estiveram, ou que estão nessa fase, é quase impossível você saber descrever exatamente o que sente. Quando se descobre, queremos gritar ao mundo o que acabamos de descobrir, queremos impor que a partir daquele momento, somos assim e acabou. Porém ao abrir as cortinas ao público, nem sempre o público está aberto a essa transformação. É necessário diálogo, explicação e teoria e, principalmente, empatia. Sim, pois apesar de não passar exatamente por aquilo, ao compartilhar questões com alguém, queremos ao menos que nos ouçam, que saibam que estamos ali. E o que acontece é o contrário. Normalmente se exclui, se ignora, deixa pra depois. Aí vem a mágoa, consequentemente, a raiva, a agonia, o sentimento de perda. Perda da voz, perda da oportunidade de fala.
É sobre isso que temos que falar, sobre o que somos, sobre como nos identificamos pra nós mesmos, depois pros outros, se der, se sobrar tempo. Ser transexual em um país onde se tem a maior taxa de morte LGBTQIA+ não é fácil. Não dá pra simplesmente fecharmos os olhos e ignorar, que nem a avó da gente faz quando descobre algo nosso que ela não gosta. Vamos imaginar a situação de nossa própria descoberta. Que questões seriam mais importantes pra nós? Seríamos aceitos? Temos que nos perguntar para ter uma pequena noção do que é passar por isso todos os dias, toda hora. O medo de ser julgado. Isso deve acabar. Se nos identificamos mulher, que sejamos mulheres. Mulheres de coração, de alma, que lutamos pelo que queremos, e queremos algo simples, respeito. Nascer mulher é difícil, se descobrir mulher também não é fácil. Porque temos que lidar com a falta de respeito entre as próprias mulheres antes de chegar nos homens. O machismo atinge todas. Se descobrir mulher é como diria Bethânia, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E a mulher que se descobre mulher, muitos acham que é escolha, não é. Ela sempre soube o que era, só que devido a questão biológica foi criada de forma diferente.
Nem toda mulher menstrua todo mês; ou porque é desregulada, ou porque toma anticoncepcional, ou porque é trans. Isso não faz com que nenhuma delas seja menos mulher. Nem toda mulher pode ter filhos, ou porque é estéril, ou porque escolheu operar, ou porque é trans. Isso não faz com que nenhuma delas seja menos mulher.
Uma coisa é certa, todas sofremos discriminação por alguma razão, ou por ser feminina demais, ou por ser feminina de menos, por ter pelos demais, por ser branca demais, gorda demais, magra demais, negra demais, ter dinheiro demais, ter chiliques demais, nós nunca seremos suficientes para os outros. Sejamos por nós mesmas. Não criemos mais divisões onde já temos divisões suficientes. Sejamos fortes, lutemos para conseguir chegar onde queremos, Sejamos firmes, não aceitemos menos do que merecemos. O mundo já tem guerras demais, tenhamos sororidade. Com aquelas que se descobriram quando vieram ao mundo, e com aquelas que se descobriram quando já estavam aqui. Afinal, nunca é tarde para descobertas pessoais <3.