COLUNA | A cena tribal house pós pandemia

Teria a pandemia inaugurado um novo conceito de valorização e respeito aos profissionais da noite, sendo liderada pela exclusão do VIP?

Veremos se instaurar o pleno direito à concorrência saudável e a oferta de produtos e serviços de qualidade compatíveis ou não aos preços dos ingressos segundo cada público?

Ainda temos um público plural que consome diversos estilos musicais? 

Teria a produção eletrônica brasileira perdido o tom e se afogado no mar de barulho de um mesmo ritmo? 

Se você chegou até este ponto do texto, talvez acredite que nas próximas linhas eu responda a estas questões. De fato você não está errado de tudo… este é um assunto que muito me interessa mas que infelizmente as respostas são relativas demais e dependem da conjunção de vários astros, mas sim, irei dividir com vocês a minha opinião sobre estes temas.

Não é novidade para ninguém que a pandemia da COVID-19 gerou um verdadeiro CATACLISMA no setor de eventos em geral, mas como me aterei apenas à cena do tribal house ficará mais fácil de entender alguns dos pontos aqui citados. 

Vimos surgir uma infinidade de selos como pouco visto anteriormente. “Como assim Bial?” O que impedia o surgimento de novas festas nos tempos ditos normais? Lógico, a busca por HEGEMONIA E MONOPÓLIO. Bom, se isto é verdade, podemos afirmar que ambas foram quebradas? Claro que não, sabe-se que nenhum sistema bem estruturado termina pelo esgotamento da noite para o dia por si só, é comum vermos mudar apenas o slogan, o nome, as testas de ferro, até porque em linhas gerais quase sempre precisam ser vencidos e/ou superados por outro, porque apesar de todas as debilidades e contradições exibidas, seus feitos históricos ainda dão inveja a qualquer estreante bem intencionado. Basta olhar para a conjuntura das maiores forças econômicas mundiais. Quem hoje possui um conjunto de forças para superar ou substituir a China e/ou Estados Unidos?  

Esta é pergunta de 10 milhões de dólares, que, às que antes chamadas de clandestinas, optaram por copiar os antigos formatos de consumo com pulseiras VIP no custo, e o tradicional “open bar” – afinal, para o momento, “quando não tem tú, vai tú mesmo”. Ou seja, estes eventos conseguiram atrair um público bastante diversificado, em certo momento onde não existia nada. Sendo possível afirmar que pouca gente fez carão para as novidades, que diga-se de passagem reuniu todas as classes sociais. Afinal a COVID 19 teria permitido a outras espécies de aves sonhar com voos antes inimagináveis. 

Passados cerca de 18 meses, e com a flexibilização das medidas de controle da pandemia, presenciamos a retomada de atividades pela agora ditas seguidoras “de todos os protocolos da OMS”….

Apoiadas pelo jargão, “Estes 18 meses foram difíceis para todo mundo” começam a eclodir verdadeiras maratonas de eventos, assim como novos formatos e um casting de DJs vastíssimo. Eu não sei você sabe…recordo-me que quando comecei a ver alguns DJs tocando nas ditas clandestinas, cheguei a postar que estes não deveriam ser chamados para tocar em momento algum no futuro, e vi que não faltaram pessoas a defender o “Block List”. No entanto, graças a Deus, a minha ausência de EMPATIA me fez recorrer ao Google para buscar o significado desta palavra, e sem qualquer pretensão de fazer apologia ao fato, pensei: Não estaria a cena voltando ao contexto dos clubs undergrounds de Chicago, frequentados por negros e homossexuais? Transgredir não estaria no DNA dos movimentos que deram origem à cena eletrônica? Já pensaram em algo mais transgressor que isso? A aeromoça do avião já dizia, antes de ajudar os outros a respirar, você precisa garantir que você esteja respirando.

Segundo o site significados.com, empatia significa “a capacidade psicológica para sentir o que sentiria outra pessoa, caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. A empatia também ajuda a compreender melhor o comportamento alheio em determinadas circunstâncias, e a forma como outra pessoa toma as decisões.” Trocando em miúdos, minha mãe já dizia: Só quem calça é que sabe onde o sapato aperta.

Não demorei muito a pensar o quanto eu estava sendo egoísta, boa parte da população entre eles muitos membros da minha família não tinham os mesmos privilégios que eu, e com os profissionais da noite não seria diferente. Não cabe a mim emitir um juízo de valor  sobre estes profissionais, tão pouco sobre este ou aquele selo ou empresa de qualquer segmento, que assim como eu não foram empáticos com os seus tão importantes parceiros. Me coube somente acreditar que todos tenham sido tratados como humanos e recebido das pessoas mais próximas, inclusive dos seus patrões de anos, ao menos a atenção merecida que convém as regras mínimas de civilidade inerentes às mais superficiais das relações.  Não demorou muito a eclodir nas redes sociais as dificuldades dos profissionais da noite e um número excessivo de lives. Como a arte sempre imita a realidade, assim como parte da população agonizava sem oxigênio, com pouca ou nenhuma atenção das autoridades, muitos profissionais da cena também sofriam com a dificuldade de respirar enquanto ecoava a ideia de que todos estavámos ou estamos no mesmo barco. Nunca nada me pareceu tão descolado da realidade. Faria sentido afirmar que experienciamos a mesma tempestade em alto mar com agasalhos e barcos diferentes.

Dito isto, vendo se configurar pedidos de extinção do VIP tradicional, dadas as devidas proporções e considerando as diferentes trajetórias de cada selo, tal iniciativa talvez possa desconstruir o conceito de “Farinha pouca meu pirão primeiro”. Será? Pois sem entradas grátis, e menos lista de consumo, desde que sejam aceitas pelo público, o incremento na receita, certamente repercutiria nos cachês de todos, ou até mesmo um adicional para deslocamento – até porque pagar para trabalhar não rola, sem contar que o momento requer mais união e menos exploração. Principalmente agora que aprendemos que ninguém deve colocar todos os ovos no mesmo cesto, assim como todas as suas habilidades em uma única profissão, pois não importa o que você faz, cem reais tem basicamente o mesmo poder de compra no Brasil inteiro, ainda mais agora.

Enquanto cliente, tenho visto os valores dos ingressos + custos de bebidas oscilarem para um aumento, acompanhando a tendência de alta da inflação dos alimentos e dos demais custos para “manter todos os protocolos da OMS” mas noto que em eventos de selos já consolidados, a qualidade de alguns serviços, aliada a pouca variedade de produtos nos bares, assim como a aparente ausência de treinamento de alguns contratados (que diga-se de passagem continuam a mesma coisa), não parecem justificar a relação custo benefício. É lógico que temos que dar um desconto para eventuais problemas de infraestrutura ou equipamentos de som, talvez anteriores à pandemia, afinal ficamos quase dois anos parados. Quantos aos novos eventos, que tem a música ruim como carro chefe, parecem seguir a premissa de que a prática é ouvir qualquer coisa em qualquer lugar, mas se os grandes fazem isso porque eles não? Mas o que dizer dos bares? Bom, acredito que meu brother Dante Alighieri em sua Divina Comédia descreva melhor o que eu vi, mas posso dividir com vocês, que somente por ter visto alguns rótulos o meu fígado está gritando socorro até agora. O resto eu deixo por conta da imaginação de cada um. Me pesa perceber que de certa forma os profissionais da noite continuam reféns e explorados pelas circunstâncias, apesar de saber que tudo é relativo, inclusive o conceito de qualidade da música. Então, o que pode ser dito sobre o que foi produzido durante este tempo?

Eu considero que as interações com novos ritmos façam parte da evolução natural da música em si, e que podem contribuir para o surgimento de novas vertentes, visando atender um público com maior acesso a música do que as gerações passadas. Se é verdade que a era do DJ educador foi extinta, não é de se estranhar que mesmo quem considere a mistura de uma Música Clássica com algo mais moderno como um Funk, pode não ter interesse em saber quem é Sebastian Bach ou MC João, assim como também não perceberia, ou não deseje saber a diferença entre música de After ou de Pool Party –  fazendo com que músicas requentadas com pouca criatividade e excesso de instrumentos povoem as apresentações com mais do mesmo com muito orgulho, já que barulho bom precisa ter pelo menos 12 horas de festas com 12 DJs new faces. Logo, a música deixou de ser a estrela principal, um bar variado não tem importância e o mínimo de higiene e organização são requisitos para gente fresca! Daí se conclui que sempre existirá público para todos, confiem na seleção natural, talvez agora as pessoas estejam somente com vontade de se aglomerar, talvez voltem a perceber a diferença entre jaca e jaboticaba. Isso só o tempo, que é o senhor e único oráculo da verdade, dirá.

 Eu acredito que o público espera ansiosamente por tudo que virá, não sei vocês, mas eu já recebi de início convite, para 32 horas de festa, Lounge Bar com rigorosíssimo uso de máscaras e distanciamento social para inglês ver, participação em rifas com promessa de VIP para 2022 e até clube de fidelidade através de pontos pagos mensalmente, que eu adorei inclusive. Se tudo isso e o que está por vir, de fato fizer da cena um lugar menos ingrato para os profissionais que dependem dela, e eventos com o máximo de esmero e boa música, para quem gosta terá valido a pena. Digo isso porque enquanto clientes, sempre nos será reservado o direito de exigir o melhor, e quem não faz isso é apenas mais um na multidão. Exija o melhor pedindo respeito e espaço para expor suas opiniões, já que no frigir dos ovos será você a pagar a conta e decidir que vai continuar a produzir eventos. Inclusive a ajudar nas lives em momentos críticos, e não esqueça se você paga a conta, defenda o seu direito à melhor lugar na mesa.

 De qualquer forma, se você ainda precisa de respostas, recomendo a leitura do existencialista dinamarquês Kierkegaard, que ao justificar ser além de factível e necessária a ironia socrática, trouxe para a história da filosofia a possibilidade de uma autorreflexão. Trocando em miúdos, vamos ao português mais usual de uma filósofa do nosso tempo, a querida Magda do programa “Sai de Baixo”, que dizia: Para um bom espremedor meia laranja basta.”

Poxa… obrigado a você que acompanhou a minha reflexão até aqui, mas lamento informar que o meu espaço nesta coluna não comporta a quantidade de caracteres necessários para aprofundar tantos temas em único texto, mas acho que podemos falar mais disso e de outras coisas em uma próxima vez.

José Erivam, (Vulgo, Wolve Logan)

Trabalha com Customer Experience em uma seguradora americana, estudou Filosofia e Gestão de Qualidade, lidera um grupo de Diversidade e Inclusão, signatário do Fórum de empresas de direito LGBTQIA+.

Nas horas vagas ouve e pesquisa sobre música eletrônica, além de consumi-las na academia, na balada, “na chuva, na fazenda e em uma casinha de sapê.” (Canção de Kid Abelha).

Citações da cultura popular:

“Farinha pouca meu pirão primeiro.” A Divina Comédia do poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) é uma obra que foi publicada no século XIV durante o período do Renascimento. 

Capa: Esboço da Virgin Money Unity Arena (Foto: Reprodução/Rolling Stone)

Site RollingStone

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José Erivam

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