Conheça Nicole Lukiys, apaixonada pela técnica da mixagem, constrói sets marcados pela dinâmica e harmonia. Ela é a revelação do techno desta edição de maio.
Misturando vertentes como hard techno, peak time, techno rave, industrial, e influências do breakbeat e trance, a DJ cria uma atmosfera densa, analógica, com kicks quebrados, batidas marcantes, melodias hipnóticas e elementos excêntricos, que fazem de cada track um momento único em sua construção.
Carismática e mística, faz com que você sinta que a música se conecta.
Fundadora da Ciclo Label, e co fundadora de projetos da cena independente de CWB, atua há mais de dois anos como artista da música eletrônica, carregando experiências incríveis das pistas de Curitiba e São Paulo, com passagem por clubs como Club Vibe(CWB), Clube Inbox (CWB) e The Year (SP).
Formada como DJ e produtora musical na escola AIMEC(CWB), e residente de coletivos locais como blackindustry, secretinhonoazeite , desertheat, zians e cybercave.
Como você começou e qual foi o ponto para querer se tornar DJ?
Bom, a música é uma paixão minha desde muito nova, por volta dos 3/4 anos eu já criava shows e músicas para apresentar para minha família em cima de um banquinho rosa.
Essa paixão me acompanhou, meu pai praticamente só ouvia música eletrônica, um cara que vivia de walkman explodindo nos foninhos! Ele foi minha grande referência pra essa conexão tão forte com a música, me apresentou muito, e só eu sei o quanto o gosto musical dele foi uma base muito rica para moldar o meu. Sempre levando cantores como inspiração, referência, estilo, sempre gostei de conhecer muitas músicas, de ouvir sem parar.
Aos 14 comecei a compor minhas primeiras músicas, um violãozinho “meia boca” que eu tinha e fazia bom uso. Cheguei a gravar uma delas num estúdio uma vez, depois de tentar projetos com amigos, tentativas de bandas, mas no fim, essa vida é complicada né? Principalmente sendo novo, menor de idade, pouca grana, pouco incentivo, difícil ter incentivo para ser artista né, mas levei essa paixão nos detalhes, no dia dia, nos fones de ouvido, marcando meus momentos, meus ciclos.
Quando fiz 17 comecei a frequentar uma balada de hip hop, eu realmente só consumia black music então me encontrei demais naquele local, comecei a me interessar DEMAIS pela discotecagem. Não se via mulheres tocando naquela época, eu acho que nunca vi uma tocando por lá, tentei pedir algumas vezes para amigos ensinarem a tocar, até comentava com a minha mãe, mas na época isso não era tão acessível pra mim, os amigos que disseram que ensinavam, era meio difícil estabelecer essa relação homem-mulher de uma forma clara / pedir um favor e enfim, eu segui a vida, trabalhei na balada por alguns anos gerenciando a equipe dos promoters do club, e tive que escolher uma faculdade. Na época, fiz metade de um tecnólogo de produção em multimídia, sai, e fiz um curso de design, o que me manteve por anos e me mantém hoje na pandemia.
De um pulo pro outro, lá pelos 20 anos já na metade da segunda faculdade (de psicologia dessa vez), depois de perder meu pai há quase 2 anos, meu namorado começou a trabalhar no ramo de música eletrônica, comecei a frequentar mais ali por 2016/17, quando 2018 entrou, tive uma grande crise de não estar fazendo aquilo que eu realmente queria fazer, tinha entrado no teatro musical, me apaixonado, aprendido muito mas tive que sair por falta de grana e também, como a psicologia, eu amava muito o teatro musical, sabia que estava mais próxima do que eu queria, mas no fundo sabia que eu ainda não tinha sentido meu coração bater forte de verdade, dali pouco tempo eu me encontrei no mundo eletrônico, muita referência do que meu pai ouvia, me aprofundei e aí decidi largar a faculdade e investir a mensalidade da facul, que já tava apertada, num curso de DJ, fui pra AIMEC, onde fui muito bem instruída pelos mestres Vini Ferreira do Drunky Daniels, Jayboo e outros grandes músicos da escola.
Eu comecei tocando tech house, era o que eu mais conhecia das festas que frequentava como radiola e outras de Curitiba. Na última semana do meu curso, antes do desafio que rola na AIMEC de DJs, conheci o Amine Edge, por conta de um amigo que começou a trabalhar com ele na época, fazendo vídeos, o Jay Mariani, e a gente passou alguns dias saindo juntos, nós 3, antes da gig do Amine acontecer, a CUFF, festa da gravadora do Amine, na Usina 5. No auge da festa, às 4 da manhã, ele me perguntou se eu queria virar uma track, para um pistão imenso e lotado na usina 5, esse dia eu quase não consegui entrar, por conta do sold out, imaginem? Bom, não preciso nem falar né? Vivi um dos momentos mais felizes da minha vida, a pista mesmo sem ter ideia do que estava acontecendo, me recebeu com muita mão pra cima, e uma virada que me fez oficializar que era aquilo que eu ia fazer da minha vida, aquilo tinha ganhado todo o meu coração, eu vibrei para que um dia todas aquelas pessoas tivessem no comando da minha música. Dias depois aconteceu o desafio, classifiquei em 1° lugar na primeira fase entre uns 80 DJs, com nota 10 em todos os requisitos, mas acabei dando um vacilinho, meu adversário tocava fullon, e eu tech house, e na segunda fase, a final, fiquei em 2° lugar, mas foi delicioso e gratificante da mesma forma, recebi um convite pra uma live e outras gigs. Bom aí, nunca mais passei um dia sem pensar que tinha começado a melhor escolha da minha vida, demorei muito pra me ouvir e fazer o que eu amava, por conta da aprovação dos outros e desse mundo do capital, mas me encontrei ali atrás dos decks.
A conexão com meu pai começou a ficar cada vez mais forte quando eu tocava, é incrível sentir ele comigo. São experiências incríveis pra mim e vejo que consigo transmitir um pouco da felicidade de sentir todo esse amor, pra pista ou quem ouve meu som.
Bom, ainda teve alguns episódios com o Amine, quando ele veio para Curitiba uma outra vez, me colocou pra tocar com eles na jovem pan junto com o Tim Baresko, e uma outra vez, me chamou pra virar uma track no air rooftop em São Paulo, imaginem essa pista?! Foram momentos que me deram muita força pra continuar, esse incentivo fez toda diferença, tanto pra mim quanto pra minha carreira em si, muita gente me conheceu nesse começo e me acompanhou transitar, evoluir minha técnica e meu som até o que toco hoje.
Essa transição aconteceu conforme eu fui estudando mais, conhecendo mais estilos, meu som começou a tendenciar para elementos e kicks mais pesados, de repente meu som já estava engolindo sets de tech house, comecei a frequentar mais festas independentes de Curitiba. Até que fui numa 4×4 e vi a Nati M tocando, já com referências como Anna, e Nina Kraviz, a Nati foi uma referência com os pés no chão e me deu coragem pra me jogar no techno, sabendo que tinha espaço pras mulheres por ali, a forma que ela se movimentava, foi uma identificação à primeira vista, depois disso só me mantive no techno, meu som só começou a subir de BPMs e a ganhar cada vez mais a minha cara, me reencontrei de novo, hoje gosto mesmo de tocar por volta dos 145 até 150 BPMs.
Em julho, completo 3 anos de profissão! 3 anos que canalizei minha energia com meu eu interior.
Qual é o seu estilo musical atual e quais são as suas referências?
Olha, complicado definir um estilo só, mas a primeira definição seria techno né, claro, mas se fosse um resumão, eu diria hard techno. Na verdade eu faço um grande mix de vertentes, gosto de trabalhar o peso do techno, mas o que eu toco são estilos variados/ou com referência fortes em: hard techno, peak time, raw/ hypnotic, industrial, ebm, break beat, electro, trance, techno Detroit, acid. Uf acho que é isso, hahahaahahaha…
Se eu tivesse uma necessidade de pegar mais leve eu tocaria um indie, um electro e minimal dub, algo assim, acho que conversa bastante com meu som também.
Quais artistas nacionais e internacionais te inspiram?
Poxa tenho uma lista grande de artistas nacionais que mudaram minha carreira depois que eu vi ou ouvi, mas atualmente, minhas maiores inspirações nacionais são, Tessuto, RHR, Cashuu, Valentina Luz, Gustav:s, Kelvyn Giller, Wendell Lopes, Alex Bueno, Dis:order, Six66, Nati M, Silenzo, Amanda Mussi, entre outros ícones brasileiros, aqui tem muita gente incrível, Gisele Guedes, está morando em Londres mas é brasileira e tá representando por lá também! Enfim. Amo essa galera.
De referência internacional, eu gosto muito de Rebekah, Spfdj, Vtss, Amelie, Charlotte, Anna, Nastia, Nina Kraviz, essas mulheres realmente me inspiram muito, além dos grandes nomes atuais do techno e hard techno né, Slomo, Hadone, AnD, Perc(!!!!!), DaxJ, Hioll, nossa são muitos nomes, gosto de muito artista, sabem como é né. Difícil escolher um.
Conte- nos sobre o seu coletivo, o Ciclo e a importância dele.
A Ciclo começou despretensiosa demais gente! Vou contar! Em 2019, eu tinha acabado de começar a me firmar no techno, então ainda não tinha praticamente nenhuma festa que me chamasse pra tocar techno, muitas vezes apareciam grandes oportunidades mas todas pra Warm up, ou festas que eu não conseguia tocar o que eu realmente queria na época.
A ideia de montar uma festa sempre foi muito ativa, trabalhei com festas desde os 18 anos e mais tarde, quando comecei a estudar sobre a música eletrônica, saber sobre a paradise garage na época e sobre toda a raiz do techno em Detroit, foi muito significativo pra mim e atrelei muito toda a ideologia à uma futura possível label.
No meu aniversário em novembro de 2019, eu resolvi criar uma festa num local que eu conseguiria tocar e colocar artistas que eu admirava na cena pra tocar junto, e que a galera pudesse ir pra curtir tranquilo, fosse acessível e ter um aniversário fazendo o que eu curtia mesmo, foi aí que surgiu a ciclo. Por ser minha virada de ciclo, o nome que já veio dentro de todo o meu conceito sonoro, fiz as artes, minha melhor amiga me ajudou a conceituar num texto, divulguei entre todos os amigos, os djs para seus amigos, e foi incrível! A primeira Ciclo teve o bar chamado Pilgrim como casa, foi um bar que me abriu as portas pra fazer a festa acontecer sem custos, decidimos não cobrar a entrada, e com o dinheiro que a festa deu de consumação, consegui pagar os DJs com a % que recebi nessa parceria linda, deu pra alugar um equipamento pra gente tocar dahora e no fim, a festa lotou, os DJs tocaram muito!
Um detalhe que quase ninguém sabe, foi que o sub estourou e ficamos praticamente sem grave da metade da festa pra frente(kkkkkkkk choros, os subs não nos aguentaram), mas isso não impediu ninguém de dançar loucamente até a gente ser obrigado a fechar o bar por conta do horário do alvará, as 5h da manhã, e acho que a maioria nem percebeu, kkkk.
Pelo sucesso da festa, fiz muitas conexões, muitas pessoas puderam me ver tocar, e comecei a ter muito mais festas pra tocar meu som real, perto de uma galera que eu admirava.
2020 chegou bem rápido né, antes de dar tempo de fazermos mais festas, comecei a tocar quase todo final de semana até março, quando toquei numa festa pela última vez, na pista menor do Club Vibe.
Depois do susto que levamos, depois de uns 3 ou 4 meses de pandemia, depois que processamos que não, as coisas não voltariam logo, decidi fazer uma live com os 2 artistas que viraram os residentes da Ciclo. No quintal da casa do meu namorado, montamos um cenário lindo, tive que criar o Instagram da ciclo do zero para começar uma divulgação para live, e assim ganhou a forma online de vez, a transmissão da live foi incrível, com muitas visualizações e novas oportunidades dentro da cena. A gravação da live foi feita pelo meu namorado, Yago Castanho, que hoje encabeça o coletivo junto comigo, ele é produtor de audiovisual , editor, fotógrafo, então conseguimos estruturar tudo que faltava pra ciclo aparecer online de fato.
Depois, surgiram mais parcerias da Ciclo em live streams onde eu tocava, o Yago fazia captação e edição, e isso foi dando um valor legal para Ciclo criando contatos e ajudando a galera a criar material.
Um take da primeira e única festa da Ciclo, eu passando a pista pro meu melhor amigo, Alex Bueno. Reprodução / Instagram.
Hoje, a Ciclo tem quase 10 artistas envolvidos, o que enche o meu coração de satisfação e amor, porque são artistas que fazem o que fazem por um amor indescritível à arte, sem esquecer o principal né? A situação pandêmica que ela nasceu, acabou unindo ainda mais e filtrando também, os artistas que querem seguir no ramo.
A importância da Ciclo pra mim hoje é praticamente toda possível, é o projeto da minha vida, que eu pretendo estender a muitas outras possibilidades. Dela, nasceu a Reciclo, uma produtora de audiovisual que criamos com os membros do coletivo para trabalhar com artistas produzindo material audiovisual.
Entre inúmeros outros projetos que já estão sendo preparados para estruturar a Ciclo cada vez mais e melhor, muitas novidades estão por vir! Muita arte sendo feita, pensada e criada pra galera.
Como você vê a inclusão das mulheres na cena, principalmente o techno? Existe algum desafio ou diferença nesse sentido?
Bom, esse assunto é sempre doido de comentar né, porque a diferença entre mulher x homem tá em absolutamente tudo, em qualquer lugar ou profissão que um homem esteja fazendo a mesma coisa que nós, ele tem a vantagem de passar uma tal credibilidade a mais por apenas ser, homem. No começo eu fui bem inocente, por muitas vezes não via situações onde me chamavam pra tocar só para cumprir uma mulher no line, (ou me ajudando com segundas intenções), eu realmente era uma das únicas na cidade tocando o estilo e ao mesmo tempo que me deixava triste, me dava uma força pra continuar incentivando mulheres a entrarem nesse mundo.
Sim, é um mundo dominado por homens e infelizmente isso atrela um pouco a alguns tipos de assédio, às vezes físico, mas muitas vezes verbal né, passam o limite do profissionalismo. Na minha opinião, não é só dentro do mundo eletrônico que as mulheres têm que passar por isso, então pra nós, não é nenhuma novidade ter que lutar pelo nosso espaço e ter que incentivar mulheres a começarem a fazer isso por que é mais uma profissão com muitos homens. As razões disso são bem óbvias né, a pouco tempo a sociedade aceita/acredita que uma mulher seja capaz de encabeçar os decks – e ter respeito, trabalhando na noite.
Acredito ter “perdido” bem entre aspas, porque nada se perde, as coisas sempre voltam quando se mostra um trabalho bom, mas por várias vezes, percebi que por ser mulher, eu era trocada, esquecida, para ocupar alguns espaços que eu sabia merecer ou ser capaz mas, por ser mulher parece que precisamos mostrar o dobro que somos capazes, as pessoas esperam muito para dar moral mesmo, a galera tem que “ver com os próprios olhos”, tirar provas reais. Enfim.
Eu acho que dentro do techno, pelo estilo em si já ter uma raiz mais atrelada às causas das minorias, as mulheres têm sim mais espaço, tanto que os grandes nomes mundiais de DJs mulheres que conhecemos hoje, são do techno né, mas não deixamos de viver no mundo atual machista e acredito que até dentro disso, já se formou um estereótipo que vende e é padrão, mas as mulheres estão tentando reformar e falar sobre, temos tido cada vez mais coragem de nos colocar, mais espaço e representatividade também, o techno, pelo menos o que eu consumo e toco, bem underground, trabalha muito com o social, com a de binariedade, então é um local onde nos sentimos mais “seguras”, mas não no todo né, pois onde existe a relação homem x mulher, sempre vemos algum tipo de desigualdade ou histórias de assédio ainda, mas acredito que tem melhorado.
Vamos mudar isso de vez, né? A todos os homens que leem isso, fica aqui meu pedido, a gente precisa de vocês e da atenção de vocês pra mudar isso, priorizem mulheres, incentivem, paguem mulheres, acreditem no trabalho de mulheres, respeitem, nos escutem, a gente tem muito pra contar, nossa história e nossa voz foi apagada por muito tempo, talvez por isso seja difícil entender, mas temos muito potencial e estamos chegando.
Como você está lidando com o setor de eventos parado em razão da pandemia?
Nossa eu tive inúmeras fases, o começo da pandemia foi uma pura ilusão de que tudo voltaria em meses, depois que a ficha caiu, 3/4 meses depois, e comecei a produzir a primeira live, tive uma grande bomba de incentivo e inspiração, com meu namorado voltando a morar em Curitiba, por causa da pandemia e dos eventos parados eles tiveram que deixar de morar em São Paulo, e pude ter a chance de ter a mão de obra mais preciosa nesse momento que era audiovisual, produzimos o primeiro material que repercutiu muito positivamente e me abriu um leque de oportunidades legais, consegui mostrar um potencial bacana.
Na questão financeira eu tive que voltar a trabalhar com design, não consegui sair de casa, atendendo alguns freelancers, minha mãe teve que me ajudar com resto de contas enquanto não arranjava o suficiente, mas agora quase 1 ano depois, me estruturei com uma mini empresa onde sou designer e conseguimos ganhar um salário bom que paga minhas contas.
Trecho tocando no Alataj Lab. Uma super conquista desse ano. Reprodução / Instagram.
Na questão da minha carreira, tem uma enorme desvantagem não ter uma pista, quando 2021 começou eu tive uma grande crise, pensei de verdade em desistir pelo menos até o corona acabar porque não via mais a galera interessada em consumir lives e sets, mas me mantive firme criando meus conteúdos e começaram a aparecer oportunidades como Alataj que sempre admirei, um coletivo europeu me chamou para uma mix, depois um ao vivo, tenho conseguido manter minha carreira de alguma forma. Talvez eu não tivesse a oportunidade que estou tendo de atingir pessoas tão longe, ou talvez eu tivesse podendo viajar o Brasil tocando mas, a gente não considera algo fora da realidade né, então, no momento atual enquanto escrevo, a música não está sendo rentável de forma financeira mas estou conseguindo evoluir e concretizar minha carreira da forma possível atual, criando contatos e materiais, e enfim, não desistindo, fazendo por amor, e para transmitir energia, trocar, enfim.
Trecho da Gathering, live stream que a ciclo fez parte com mais 4 núcleos de Curitiba. Nessa live arrecadamos uma grana para abastecer a caixa d ‘água de um bairro de CWB que vive em situações muito precárias, dobramos a meta das doações conseguindo o valor para dois caminhões pipas para o pessoal da caximba que sofre sem saneamento básico. Reprodução / Instagram
Quais suas expectativas para o futuro?
Olha, eu gostaria muito de realizar o sonho de rodar o mundo tocando, depois que esse coronavírus, esse é meu maior desejo e acredito que toda minha expectativa para o futuro está em conseguir realizar isso, passo a passo, no tempo que for, com muito foco, muito trabalho, muito estudo, enfim.
Mas também pretendo lançar tracks logo, concretizar uma rotina de produção para lançar sons autorais, tenho projetos e ideias para uma gravadora e inúmeras ideias para a ciclo crescer e se desenvolver cada vez mais, com mais artistas, esperamos conseguir voltar a fazer festas o quanto antes né, com certeza minha ideia é produzir muito evento e tocar no dobro hahahaha.
Acho que minha maior expectativa agora é quando esse coronavírus nos permitir voltar a se conectar nas pistas, acredito que teremos uma grande chance de tornar esse ramo da música eletrônica algo realmente ainda maior do que já era antes do vírus, cultural, sabe?
Caso esse vírus se estabeleça de alguma forma que a gente não possa mais viver como antes, minhas expectativas quase que seguem as mesmas dentro da possibilidade, começar a lançar tracks autorais e entender/ acompanhar como as pessoas vão consumir a música eletrônica, continuar fazendo o que eu amo, que é trabalhar com a música com certeza.
E para finalizar, conte-nos uma história, uma situação inusitada que tenha passado e queira compartilhar com a gente.
Vou contar sobre a virada de 2019 para 2020, acho que vale a pena compartilhar…
No final de 2019 eu fui para a Superagui, uma ilha que só chega de barco, dependendo do barco a travessia pode demorar umas 3 ou 4 horas. Ok.
Fui viajar com meus amigos no dia 20 e pouco e teria que voltar para tocar nos dias 30 e 31, então eu voltaria sozinha antes da virada, e até aí tudo bem.
Dia 29 eu comecei a conversar com o pessoal contratante da festa do dia 30 e acabei percebendo que eu tinha entendido errado, e a festa ia acontecer só no dia 30 de janeiro! Bom, como minha volta era sozinha e nem tinha ninguém na minha casa, resolvi mudar a passagem pro dia 31, quando eu REALMENTE teria uma gig para tocar, no caso uma super importante pra minha carreira, eu estava mega feliz com o convite na época.
No dia 31 acordei cedo, curtimos um pouco um cafe da manha, e logo comecei a me arrumar para ir embora, guardei tudo, levantei acampamento e fomos almoçar já com tudo que eu precisava pra ir embora, umas 14h eu não quis pegar um barco que estava saindo, porque ele faria a travessia em 50 min, era uma voadeira, e o meu ônibus para Curitiba era só às 19h. Foi aí que tudo começou: bom, depois dessa não apareceu mais nenhuma, por volta das 16h eu estava em completo desespero, não tinha o que fazer, descobri que lá não tem essa de horário, para fazer a travessia é a pura sorte de achar um barqueiro disponível. Tentei ir uma casinha do táxi náutico, ligar pra alguns que eu consegui o numero e nada, até que achei um menino, praticamente minha idade, também em desespero procurando voadeira, ele pediu pra não sei quem que disse que o filho viria nos buscar e conseguimos, na hora de entrar na voadeira, chegou mais uma menina, também praticamente minha idade, só cabia nós 3 na voadeira além dos dois barqueiros, sentamos juntos empolgados e começamos a nos conhecer. A princípio, os 3 jovens amigos estavam muito felizes, trocando muitas ideias percebemos que a gente fazia parte de praticamente o mesmo ciclo de amigos. Os barqueiros estavam tirando uma pira, a voadeira era pequena então batia no mar fazendo um barulho que parecia que o barquinho ia quebrar no meio a qualquer segundo, mas seguimos tranquilos.
Bom, daí a voadeira quebrou o leme em alto mar, do nada, o barquinho simplesmente parou, os barqueiros começaram a entrar num mini desespero, dizendo que o leme tinha quebrado, se a gente não tinha celular para chamar ajuda, (sinal no meio do mar para pedir ajuda, CLARO) respondemos que não e eles nos informaram que não tinham nada para sinalizar ou pedir um resgate.
Nesse momento um dos barqueiros quase pediu pra Amanda (a amiga do barco) tirar o colete salva vidas pra acenar kkkkkk, ela deu um outro que tinha atrás dela e eles começaram a acenar em alto mar com o colete na mão… gente (risos) eu não tinha mais ar, o Rafael, que era o amigo que conheci no barco também, simplesmente teve que dedicar um 5 min pra me acalmar, enfim.
Depois de uns 15 MINUTOS apareceram uns jet skis que vieram ver o que estava acontecendo, e logo chamaram uma lancha para ajudar a gente, era uma família a passeio e a senhora com uma postura de mãezona logo que viu a cara de nós 3, já começou a falar – meu Deus, venham meus queridos venham a gente leva vocês – mudamos da voadeira para uma lancha sinistra em alto mar, e os barqueiros ficaram lá com os jet skis.
A família levou a gente até a ilha mais próxima, ilha das peças e disseram que um outro barqueiro deles nos levaria até Paranaguá.
Chegando na Ilha das Peças, a gente já estava incrédulo com tudo que tinha acontecido, chegou a tal outra lancha que ia nos levar, ainda maior e mais linda, nossa, pôr do sol lindo… opa…. pôr do sol?! Meu ônibus era às 19h, já eram 18h30, perdi o ônibus.
Cheguei na rodoviária às 19:15h e o próximo só sairia às 21h,
Chorando, com insolação, coloquei meu celular pra carregar numa tomada que achei no banheiro e comecei a tentar chamar um blablacar. Tive que ligar pra um com um ponto de partida a 30km de mim, implorei pra ele desviar o caminho e muito gente boa, ele veio.
Cheguei em Curitiba o valor do Uber/99 estava altíssimo, já eram quase 22h.
Esperei um tempão ali, até que meu amigo/contratante perguntou onde eu estava e se eu precisava de carona, ele tava a 5 min de mim, com o headliner e uma amiga deles no carro.
Entrei morrendo de vergonha no carro e contando a aventura que tinha passado, no fim consegui ir pra casa.
Cheguei em casa, comecei a passar meus pen drives, já eram quase 23h45; quando saí do banho e a galera já estava meio desesperada atrás de mim por conta da virada, mas eu tinha passado por uma boa, estava cansada e fiz as coisas tranquilamente, quando deu 0h eu estava com um cílios colado outro na mão, e decidi subir correndo pra ver os fogos, fechei a porta da varanda rápido pro gato não sair e quando me dei conta, tinha me trancado pra fora da varanda, no 3 andar, no condomínio sem NINGUÉM, e sem celular…. hahahahaha… meu Deus!
Depois de gritar, fazer planos de me tacar de lá de cima, comecei a tentar quebrar o trinco, machuquei a mão, tentei chutar o trinco e no segundo chute, chutei o vidro e PRAAAAAA…, quebrei o vidro da varanda com o pé kkkkkk, comecei a chorar claro, tentei cobrir todo aquele vidro e ir logo pra festa pra finalmente acabar com essa longa ida até lá né?? Hahhahaha…
Uns 15 min depois a polícia interfonou perguntando se estava tudo bem, se eu tinha sido agredida, rimos muito juntos, pedi perdão por eles estarem ali às 00h15 do ano novo, kkkkk logo depois pedi um Uber e FINALMENTE cheguei na festa, hahaha eu só tocava às 7h da manhã do dia 1!! Hahahaha mas foi incrível, claro que tive que dar uma dormida leve no carro de um amigo pra aguentar, mas a gig foi completamente incrível, consegui tocar muito bem, fiz contatos muito legais, consegui mostrar um set bom, depois ainda rolou todo mundo tocando e eu fui pra casa só umas 9h da manhã….hahahaha não foi fácil chegar, mas valeu tanto e demais a pena! Aquela festa foi um portal, parece que ter passado tudo aquilo não foi nada comparado ao que essa festa me fez sentir, na verdade, tudo isso fez dela ainda mais especial!
2020 foi cheio de gigs importantes pra mim, até vir a pandemia, hahahaha… acho que quebrar o vidro da varanda com o pé direito me deu alguma sorte. kkkkkkkk..