REVELAÇÃO | DJ LEK: Representatividade, Ritmos e Resistência na Cena LGBTQIAPN+

De suas raízes musicais na Zona Norte de São Paulo à cena LGBTQIAPN+, DJ LEK mistura ritmos e quebra padrões na discotecagem

LEK é mais do que uma DJ. Ela é uma força que transforma pistas e constrói pontes entre ritmos, histórias e identidades. Nascida na Zona Norte de São Paulo, sua trajetória reflete a riqueza da música brasileira e a busca constante por inclusão.

Com influências que vão de MPB a Funk, LEK conquistou um lugar especial na cena LGBTQIAPN+, destacando-se por seu carisma e sets únicos. Como mulher lésbica e desfeminilizada, ela enfrenta desafios com coragem, levando representatividade e diversidade para cada festa em que toca.

Nesta entrevista, a DJ REVELAÇÃO fala sobre suas raízes, desafios na cena musical e planos para o futuro. Prepare-se para conhecer mais sobre a artista que não apenas agita as pistas, mas também quebra barreiras e inspira novas gerações.

Para começar, conta pra gente como a música entrou na sua vida desde cedo. Quais foram as influências musicais que marcaram sua infância na zona norte de São Paulo?

A música faz parte da minha vida desde antes de eu nascer! Minha mãe sempre conta que, quando estava grávida, adorava ouvir CDs e, sem saber, já estava me introduzindo ao universo musical. Cresci ouvindo muita MPB, Samba, Sertanejo Raiz e trilhas sonoras de novelas, que eram as paixões dela. Minha família é do interior de São Paulo, e meu avô tocava viola, o que explica a forte presença da música caipira na nossa casa. Lembro que, quando criança, eu gostava de pegar os livrinhos com letras que vinham nos CDs para cantar junto. Isso me ajudou a perceber detalhes das melodias e das composições. Influências como Cássia Eller, Cazuza, Djavan, Marisa Monte, Sérgio Reis e Zeca Pagodinho marcaram minha infância. Já na adolescência, o Funk, o Pop e a música eletrônica começaram a entrar no meu repertório, trazendo uma mistura que foi muito enriquecedora para minha formação musical.

“Abaixo, tem 2 fotos minhas quando criança. Na primeira, estou brincando com o piano da casa da minha avó materna. Na segunda foto, estou com a minha família fazendo música. No fundo é meu avô paterno tocando violão. A minha família tinha esse hábito de se juntar para cantar e tocar instrumentos juntos.”

Como essas influências tão diversas moldaram sua visão musical ao longo dos anos?

Cada gênero musical que eu ouvia trouxe algo único para minha percepção da música. O Samba e o MPB me ensinaram sobre ritmo e melodia; o Sertanejo Raiz me mostrou histórias profundas nas letras; e o Rock trouxe intensidade. A diversidade de estilos no Brasil é algo que sempre me fascinou. Aqui, cada região tem seus sons e suas particularidades, o que torna a música brasileira incrivelmente rica. Essa variedade foi essencial para moldar minha visão musical e, hoje, como DJ, eu tento trazer essa mistura para os meus sets. Amo brincar com diferentes ritmos, mesclando elementos de gêneros que marcaram minha vida com outros que ainda estou descobrindo. Isso não só enriquece minhas apresentações, como também cria uma conexão genuína com o público.

E na adolescência, quando Funk e Pop ganharam mais espaço no seu repertório, como isso influenciou suas primeiras experimentações na música?

O Funk e o Pop trouxeram um elemento mais dançante e animado, algo diferente dos estilos que ouvi na infância. Quando comecei a discotecar, esses gêneros foram os primeiros que explorei porque sempre senti uma energia muito forte neles. Mas, com o tempo, percebi que podia ir além, misturando elementos de Funk e Pop com os ritmos que me influenciaram desde pequena. Essa mescla virou uma marca nas minhas apresentações e trouxe algo único para os meus sets. Quando consigo surpreender a pista com essas misturas, sinto que estou entregando uma experiência completa, que conecta minha história pessoal à energia do momento.

Essa é a foto do grupo com quem fiz a Oficina.
Após a pandemia, em 2022, você decidiu fazer uma oficina de discotecagem no Senac. O que te motivou a dar esse passo e o que descobriu sobre si mesma?

A pandemia foi um período difícil, e acabei me distanciando da música, que sempre foi minha paixão. Eu sentia falta de me conectar com ela, então, quando vi a oportunidade de fazer a oficina no Senac, percebi que era o momento de voltar. Essa experiência foi transformadora, porque, além de redescobrir meu amor pela música, tive a chance de aprender algo novo: a arte da discotecagem. Foi incrível perceber que eu podia contar histórias por meio dos sets. Também foi um momento importante para socializar e conhecer pessoas novas, algo que eu precisava muito depois de tanto isolamento.

Como foi sua primeira grande experiência como DJ? O que ela representou para sua carreira?

Minha estreia na Festa Fancha em 2023, especialmente na edição Fanchapalooza, foi um divisor de águas. Lembro que fiquei sabendo da oportunidade por uma amiga que me indicou, e ainda pedi para várias pessoas me ajudarem a chamar a atenção da organização. Quando recebi o convite, fiquei muito feliz, mas também nervosa, porque sabia que era um público maior e mais diverso.

Você sente que existe um espaço único de acolhimento no público LGBTQIAPN+. Como isso impacta suas apresentações?

O público LGBTQIAPN+ é muito acolhedor, e isso faz toda a diferença para mim como DJ. Sinto que posso ser eu mesma, sem precisar me moldar para agradar a padrões. Isso reflete na minha confiança e me permite entregar sets mais autênticos e criativos. Claro, ainda enfrentamos muitos desafios, porque a cena como um todo ainda é muito masculina e heteronormativa. No entanto, vejo mudanças acontecendo, com contratantes começando a prestar mais atenção à diversidade nos line-ups. Isso é fundamental para abrir espaço para mulheres, pessoas não-binárias e outras representações na música.

Além de se apresentar em festas LGBTQIAPN+, você também conquistou espaço em eventos universitários e colaborou com DJs renomados. Como essas experiências enriqueceram seu trabalho?

Trabalhar com outros DJs, como DJ Lorrany e DJ Percilia, foi uma experiência incrível. Cada colaboração ou troca no line-up é uma oportunidade de aprendizado, tanto técnico quanto criativo. Aprendo sobre mixagens, seleção musical e até como lidar com situações inesperadas durante as apresentações. Os eventos universitários também me desafiam de uma forma diferente. O público costuma ser muito diverso e eclético, o que me faz pensar em sets que conectem várias tribos. É um constante exercício de adaptação, mas que enriquece meu repertório e minha visão musical.

No seu set, você mistura Funk, Pop, Afrofunk e até MPB. Como você escolhe as faixas e cria a atmosfera ideal para a festa?

Minha escolha de faixas começa com muita pesquisa musical. Uso plataformas como Spotify, YouTube e Soundcloud para explorar desde hits do momento até clássicos esquecidos. Tento entender o perfil da festa e do público para criar um set que seja dinâmico e surpreendente. O mais interessante é que meu gosto pessoal sempre influencia as escolhas. Trago elementos que me marcaram, mas também busco faixas que trazem algo novo para a pista. Essa combinação entre nostalgia e novidade costuma criar uma atmosfera única, que faz o público se conectar comigo e com o momento.

Além de discotecar, você também tem um talento musical mais amplo, como tocar violão, piano e ukulele. Como esses conhecimentos moldaram sua jornada musical?

Esses instrumentos sempre foram um hobby para mim, e vieram antes da discotecagem. Eles me ajudaram a desenvolver uma conexão profunda com a música e a compreender sua estrutura, o que acabou sendo muito útil para criar sets mais harmônicos e criativos. Assim como um atleta que pratica outros esportes para melhorar na sua modalidade principal, tocar instrumentos amplia minha percepção sonora. Essa base me ajuda a trazer um olhar diferenciado para a discotecagem, explorando ritmos e nuances que enriquecem minha performance.

Para quem está começando agora, especialmente mulheres e pessoas não conformes com o gênero, que conselhos você daria para enfrentar os desafios da cena?

Entregue o melhor trabalho que puder e conecte-se com pessoas que compartilhem sua vivência. É desafiador manter uma constância de alto nível, mas a qualidade nas apresentações ajuda a abrir portas. Infelizmente, mulheres e pessoas fora dos padrões enfrentam julgamentos mais severos quando erram, mas construir uma rede de apoio faz toda a diferença. Cercar-se de quem entende sua trajetória traz força para seguir e ajuda a se destacar, mesmo em um ambiente ainda cheio de barreiras.

Como você vê a evolução da cena musical LGBTQIAPN+ nos próximos anos e qual papel você espera desempenhar nesse cenário?

A cena LGBTQIAPN+ tem crescido muito, e é inspirador ver contratantes mais atentos à diversidade nos line-ups. O público tem um papel crucial nisso: quando apoia e indica artistas para os produtores, cria-se mais espaço para vozes diversas. Espero continuar levando minha identidade como DJ lésbica e desfeminilizada para mais lugares, quebrando barreiras e inspirando outras mulheres a se expressarem sem medo. A representatividade ainda é baixa, mas acredito que podemos construir uma cena mais inclusiva e autêntica.

Foto da minha primeira apresentação em festa universitária: Festa Acro Fúria, da Bateria Fúria Vermelha, do Mackenzie.
Quais são os próximos passos na sua carreira? Você tem algum projeto futuro que os fãs podem esperar?

Quero expandir minhas apresentações para novos públicos e espaços, incluindo mais festas universitárias e eventos voltados para o público feminino. Estou sempre experimentando mixagens que combinem nostalgia e novidade, criando experiências únicas nas pistas. Além disso, tenho planos de lançar músicas autorais no meu Instagram. Compor e criar sempre foi uma paixão, e agora quero compartilhar esse lado mais íntimo com quem acompanha meu trabalho.

O que você gostaria que seu público lembrasse ao pensar na DJ LEK e em seu trabalho?

Quero que as pessoas lembrem que minha música vai além de animar uma festa; ela é sobre criar conexões genuínas e levar representatividade para onde ainda há pouco espaço para isso. Espero que minha trajetória mostre que, mesmo enfrentando preconceitos, é possível quebrar barreiras e conquistar seu lugar sendo fiel a quem você é. Se minha música e minha imagem ajudarem alguém a se sentir mais confiante para ser quem realmente é, já sinto que meu trabalho está cumprindo seu propósito.

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INDRA KÜSSER

Repórter Colors DJ
Edição de texto: Orly Fernandes e Dih Aganetti

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