Alguns erros não se justificam.
Nessa última semana, veio a público vídeos com cenas chocantes de violência praticadas pelo DJ Ivis contra a sua ex-esposa, Pamella Holanda.
Eu não conhecia o DJ Ivis. Hoje fiquei sabendo que ele é compositor de um hit, que já ouvi algumas vezes, principalmente nos vídeos do Instagram.
Infelizmente, a sua fama aumentou após a divulgação dos vídeos de agressão em comento – de um dia para o outro, DJ Ivis ganhou mais de 100.000 (cem mil) seguidores no Instagram.
DJ Ivis agredia Pamella por diversas vezes em frente a sua filha, uma bebê.
Em algumas das cenas percebe-se a presença de outras pessoas no local, onde ocorriam as agressões – sendo uma delas, a mãe de Pamella. Contudo, nada fizeram ao assistirem à imensa violência.
Por mais chocante que seja, tal situação não é incomum no dia-a-dia da mulher.
“A cada minuto, 25 brasileiras sofrem violência doméstica”[1], conforme dados fornecidos pelo IPEC, em março de 2021.
Foi constatado que 13 milhões de brasileiras afirmaram ter sofrido violência física, psicológica ou sexual, em 2020. Os números, que já eram preocupantes, aumentaram nos dois últimos anos, em virtude da pandemia.
Ressalta-se que esse número considera apenas as denúncias. Ou seja, existem várias mulheres que sofrem abuso e não levam tal fato ao conhecimento das autoridades, por medo ou vergonha.
Nunca esteve tão perigoso ficar em casa.
Essa violência é consequência do poder de propriedade que os homens pensam que ainda têm em relação às mulheres. Digo “ainda”, porque antes de 2001, conforme artigo 6º do Código Civil de 1916, as “as mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal”, eram consideradas relativamente incapazes, comparando-as a pródigos e silvícolas.
As mulheres não tinham poderes para decidir sobre os seus bens ou até sobre a sua carreira profissional (entre outras coisas), sendo necessário a expressa autorização de seu marido.
E mais, essa autorização poderia ser revogada.
Em resumo, a mulher casada pertencia ao seu marido. Se não era casada, em virtude do patriarcado cultural, a mulher era propriedade do pai.
Ocorre que, isso permanece, de diversas formas, mesmo que mascaradamente, em nossa cultura.
A violência é uma forma de controlar e dominar o outro, de anular o seu direito, de tirar a sua dignidade e de humilhação mais profunda.
Quando existe uma situação de conflito, não sendo possível de um indivíduo sobrepor a sua vontade à da outra pessoa, muitas vezes parte-se para a violência.
No contexto ora abordado, quando o homem não consegue controlar a vontade e atos de sua esposa (ex) ou companheira/namorada, ele utiliza da agressão como uma maneira de manipulação daquele relacionamento.
Essa violência vem de diversas formas: seja através de agressão física ou ainda de torturas psicológicas. Tudo para demonstração de domínio, de poder e privilégio do homem pré-estabelecido pela sociedade.
Para quem critica o feminismo, é importante lembrar que todos os direitos conquistados pelas mulheres decorrem desse movimento.
Pondera-se que o feminismo nada mais é a busca da aplicação dos Direitos Humanos às mulheres, baseando-se na igualdade formal em relação aos homens. Basta ler rapidamente a Declaração Universal de Direitos Humanos, para concordar com o que digo.[2]
“Convencida de que a máxima participação tanto das mulheres como dos homens em todos os campos é indispensável para o desenvolvimento completo de um país, o bem-estar do mundo e a causa da paz”, a ONU proclamou, em 1967, a “Declaração Sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher”, na qual reconhece universalmente a igualdade entre os gêneros.[3]
Não sou eu que está dizendo que homens e mulheres possuem os mesmos direitos, é a ONU.
Daí, vem a minha pergunta: Por que o homem, em pleno 2021, pensa que tem o direito de agredir uma mulher? Por qual razão ele imagina que a mulher é sua propriedade?
Em razão dessa disfunção cognitiva patriarcal, foi necessário criar algumas medidas públicas e legais, específicas “para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, como por exemplo a Lei Maria da Penha e a Central de Atendimento à Mulher (180).
É importante lembrar que as medidas de segurança contra a violência doméstica devem ser efetivas em relação a todas as mulheres, independentemente de serem cis ou não, assim como de sua orientação sexual.
Nesse mesmo raciocínio, ressalta-se que a violência doméstica é pratica não só pelo marido/companheiro/namorado, mas, por qualquer um que esteja no âmbito familiar, doméstico e relação íntima de afeto.
No que se refere ao caso do DJ Ivis, as provas de agressão à sua ex-esposa são mais do que evidentes, e, mesmo assim, este foi preso apenas em 14 de julho de 2021.
Mas, não é de se animar com tal medida, uma vez que esta decorre da pressão popular. Isspo porque, somente após Pamella “gritar” por socorro nas redes sociais, seu caso foi de fato ouvido.
DJ Ivis tentou justificar as agressões, afirmando que Pamella estava ameaçando de se matar e que este não “aguentava” mais.
Oi?
Imagina, toda vez que eu tiver algum conflito com alguém eu “descer” a porrada na pessoa, e me justificar depois: “ela estava me tirando do sério”.
Por que ele se sentiu à vontade de ir em seus stories no Instagram e dar tais justificativas ao público?
Daí respondo: Porque muita gente concorda com ele e pensa igual a ele!
Tanto é verdade que, ao invés de perder seguidores, ele ganhou mais de 100.000 (cem mil), depois do episódio.
Ademais, esse papo de que ele não “aguentava mais” não cola. Pamella é que precisava de ajuda! Ela estava totalmente fragilizada emocionalmente, com o psicológico abalado. Ninguém diz que vai se matar a toa.
Nas cenas publicadas por Pamella observamos duas pessoas omissas às agressões.
Será que a própria polícia daria ouvidos ao pedido de socorro de Pamella, sem que esta publicasse os vídeos em comento e a ocorrência da pressão popular?
Assim, nos faz refletir que ainda precisamos tornar público tais situações para que a Lei possa ser efetiva, infelizmente.
Quantos casos de violência doméstica você deve conhecer que “acabou em pizza”? Quantas mulheres têm medo de denunciar as agressões, uma vez que a justiça muitas vezes tarda demais, podendo estas chegarem a óbito, antes mesmo do julgamento da ação?
Ainda bem que existem as redes sociais para dar publicidade, né?
A penalidade do DJ Ivis veio, não só com a medida protetiva e sua prisão, mas, também, com impacto financeiro e profissional que este já está sofrendo.
Contratos e parcerias canceladas. As suas músicas foram retiradas das plataformas de streaming Deezer e Spotify.
Mas, por que essas empresas estão cancelando contratos firmados com ele?
Hoje, ninguém quer possuir qualquer vínculo com algum agressor, seja ele doméstico ou não, seja de qualquer natureza for. Isso fere a imagem da empresa.
Uma gravadora ou plataforma de streaming que seja vinculada a um agressor perde venda e reputação. E eu sempre digo isso nas minhas colunas – Olha o compliance aí!
Você consumiria conteúdo/produto de um agressor?
Se a resposta for sim, é porque você compactua com a sua conduta agressiva.
[1] camara dos deputados – Acesso em 14/07/2021
[2] “Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948” – Disponível em declaração 1948 – Acesso em 15/07/2021.
[3] “Declaração Sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher”- Disponível em direitos humanos – Acesso em 15/07/2021.
Denunciar e buscar ajuda a vítimas de violência contra mulheres (Ligue 180) – Disponível em gov.br – Acesso em 15/07/2021.
Lei Maria da Penha – Disponível em planalto.gov.br – Acesso em 15/07/2021
“Quem é Maria da Penha?” – Disponível em Instituto Maria da Penha – Acesso em 15/07/2021.