Nós da Colors DJ tivemos a oportunidade de conversar com a pré candidata a vereadora pela cidade do Rio de Janeiro, Monica Benicio.
Nesse bate bola rápido, em meio a agitação da campanha eleitoral, conseguimos conhecer um pouco mais da trajetória dela, bem como seus projetos para a cena LGBTQIA+.
“O atentado que tirou sua vida e a de Anderson me levou para o lugar de luta por Justiça, na qual estou imersa, 24h por dia, há 965 dias ininterruptos” Monica Benicio.
Confira agora a entrevista especial que fizemos:
Para muitas pessoas você é a viúva de Marielle. Quem é Monica Benicio além de Marielle Franco?
Cria da favela da Maré, 34 anos, feminista, sapatão, arquiteta formada pela PUC-RIO e mestra em urbanismo. Uma mulher que ama a cidade do Rio e deseja que ela se torne um lugar melhor para todas, todos e todes.
Em grande parte das entrevistas e documentários nos quais apareceu, você sempre aparentou ser uma pessoa mais reservada. O que mudou de lá para cá? O que te motivou a tomar a frente e se candidatar a vereadora?
A noite do 14 de março de 2018 me arrancou muitas coisas, a começar pelo grande amor da minha vida, companheira de todas as horas e lutas. Até esse momento eu tinha claro que seguiria minha militância na Academia, enquanto Marielle estava na vida pública. O atentado que tirou sua vida e a de Anderson me levou para o lugar de luta por Justiça, na qual estou imersa, 24h por dia, há 965 dias ininterruptos. Num primeiro momento essa militância me levou a cobrar das autoridades públicas, em reuniões com elas, mas também em congressos Brasil e mundo afora. No momento posterior eu recebi muitas mensagens de grupos, coletivos e pessoas me pedindo para topar o desafio de enfrentar a disputa eleitoral. Por elas eu estou aqui hoje.
“Não dá pra achar normal que em alguns territórios o Estado chegue apenas com seu braço armado.” Monica Benicio.
Você acredita que por ser mulher lésbica e cria da favela da Maré isso traz para você uma visão e vivência diferenciada e necessária para a criação de uma sociedade mais inclusiva?
Acredito que sim. Dentro da estrutura social machista em que vivemos sempre foi muito difícil assumir nosso condição de mulheres lésbicas. Eu sei o quanto é complicado estar nesse lugar e sou solidária a todas as pessoas que sofrem preconceito por serem LGBTQIA+. Quando era mais nova, achava natural que o Estado chegasse na favela pela polícia, muitas vezes com violência. Fui ver que não era quando comecei a estudar, com uma bolsa, na PUC. Também percebi a diferença na qualidade do material empregado nos brinquedos da Lagoa e aqueles usados nas favelas. Acho muito importante que uma pessoa que ocupa um cargo público tenha essa noção, e que isso não deve ser naturalizado jamais. A gente tem que mudar essa cultura. Em primeiro lugar: fiscalizar a aplicação dos recursos destinados aos equipamentos públicos nos diversos territórios da cidade. Lutar para que as áreas que mais precisam recebam os investimentos de forma adequada. Eu sempre digo: queremos distribuir a riqueza produzida pelos cariocas. Não dá para achar normal que na Lagoa os brinquedos sejam emborrachados e nas favelas a gente tenha aqueles balanços de ferro carcomido sempre quebrados. Não dá para achar normal que em alguns territórios o Estado chegue apenas com seu braço armado. Se eleita, espero poder articular a implementação de políticas públicas que ampliem as oportunidades de estudo para as pessoas que vivem nas favelas, e que possam receber a mesma educação libertadora a que eu tive acesso.
“…porque uma vez que mulheres, lésbicas, negras, gays, trans, LGBTQIA+ de forma geral, adentram os espaços de poder, estamos evidenciando que este lugar é para todos e não apenas para o homem branco que se identifica como hétero.” Monica Benicio.
Qual a sua contribuição enquanto mulher lésbica ao debate da luta contra a LGBTfobia e por mais representatividade dentro do cenário político nacional?
Em primeiro lugar, mostrar que é possível que nossos corpos também ocupem os espaços de poder institucional. Sei que isso não é nada fácil, tendo em vista que uma das formas de operação ideológica dos conservadores é justamente a desqualificação das opções que divergem do padrão heteronormativo. Os que hoje estão no poder identificam os nossos corpos como perigosos, porque uma vez que mulheres, lésbicas, negras, gays, trans, LGBTIs de forma geral, adentram os espaços de poder, estamos evidenciando que este lugar é para todos e não apenas para o homem branco que se identifica como hétero. Por isso é tão difícil fazer compreender esta luta que, de fato, por ser interseccional, é uma das mais belas e nobres disputas que podemos apresentar no cenário atual.
Das suas pautas como pré candidata, quais considera mais essenciais nesse momento? E qual sua estratégia para conseguir colocá-las em prática tendo em vista o tão crescente conservadorismo no cenário político atual?
Os assim chamados direitos de quarta geração, no dizer do filósofo italiano Norberto Bobbio. Se observarmos bem, os países mais desenvolvidos são também os que alcançaram patamares mais elevados de respeito aos Direitos Humanos. Quero colocar esses temas em pauta também dentro da institucionalidade, tendo em vista que, se eleita, poderemos trabalhar projetos de lei e outras proposições legislativas que deem conta do enorme desafio que temos pela frente. Sei que a conjuntura atual é complicada, e por isso mesmo precisamos derrotar o bolsonarismo e seus aliados no próximo dia 15, porém a gente só vai começar a avançar se colocarmos em discussão os temas dos direitos humanos, a saber: direitos das mulheres, direitos da população LGBTQIA+, combate ao racismo, direitos de crianças e adolescentes, direitos das pessoas com deficiência, direitos da pessoa idosa, direito à memória e à verdade, população em situação de rua e diversidade religiosa.
Além desse bate papo também fizemos mais quatro perguntas, as mesmas que fizemos a vários candidatos LGBTQIA+ de todo o Brasil.
Nós tivemos acesso ao seu plano, mas acho interessante usar esta oportunidade para dividir com todos.
Quais são objetivos para o público LGBTQIA+?
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que desde o atentado contra Marielle e a saída de David Miranda para a Câmara dos Deputados não temos nenhuma representante LGBTQIA+ na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Representatividade importa e, se eleita, com certeza faremos um trabalho bastante voltado para este segmento da população. A começar pelo simbolismo que será a reapresentação do PL da Visibilidade Lésbica, que Marielle não aprovou por apenas dois votos. Uma das maiores demandas da comunidade diz respeito à falta de dados sobre a população LGBTQIA+ e, por isso, vou propor a criação de um mecanismo que seja capaz de monitorar e produzir informações confiáveis no município do Rio de Janeiro. Além disso, temos que discutir a empregabilida de da po pulação LGBTQIA+, especialmente das pessoas trans, que atravessam grande dificuldade para terem acesso ao mercado de trabalho. No pano de fundo está o preconceito, que é fruto de ignorância. Por isso, se eleita, quero propor um esforço de promoção da Educação em Direitos Humanos, para que todos aprendam a respeitar e a valorizar as diferenças. Proponho ainda o fortalecimento da rede de atendimento e orçamento para LGBTQIA+ vítimas de violência, bem como realizar campanhas de conscientização da população em geral contra a LGBTQIA+fobia. Os desafios são enormes e nossa vontade de mudar o Rio é do tamanho deles. Nesse sentido, queremos também as seguintes ações de promoção dos direitos da população LGBTQIA+:
– Campanhas de sensibilização e formação profissional sobre os direitos e atendimento às mulheres lésbicas, bissexuais e transexuais, nos serviços de saúde;
– Garantir o atendimento aos homens trans e todas as pessoas com útero, de forma humanizada e não discriminatória nos serviços de aborto legal
– Ações que promovam um espaço escolar democrático e plural, com a garantia dos debates sobre gênero, diversidade sexual e educação sexual;
– Política pública para expansão do acesso à saúde, implementação no âmbito municipal do Plano Nacional de Saúde da População LGBT;
– Promoção de políticas públicas que garantam o respeito à identidade de gênero e os direitos das pessoas transexuais.
Acredita que diante deste nosso cenário ainda muito machista e homofóbico (mesmo que velado) há espaço para ações em prol deste público?
Sim, acredito. Inclusive, se eleita, irei reapresentar o PL da Visibilidade Lésbica, que Marielle conseguiu levar à votação, mas foi derrotado pelos velhacos da legislatura passada. Acredito que este é um simbolismo muito importante para chamar a atenção para a violência estrutural contra a população LGBTQIA+. Há outras possibilidades de atuação, como a realização de audiências públicas, a fiscalização das ações do Poder Executivo e a possibilidade de apresentação de outras proposições legislativas em favor deste público.
Os trabalhadores informais têm aumentado significativamente. Tem espaço para eles no seu mandato? Explique.
As trabalhadoras e os trabalhadores informais precisam ser respeitados. Muitos estão nesta situação por falta de oportunidades no mercado formal, já que a crise do capitalista empurra cada vez mais pessoas para a margem do sistema. Com certeza, se eleita, iremos propor políticas públicas que contemplem essa parcela da população.
Diante desta bipolaridade política, qual suas estratégia para conseguir apoio na validação dos seus projetos?
Claro que seja fundamental que no próximo dia 15 a gente derrote o bolsonarismo e seus aliados nas eleições municipais em todo o país. Queremos entrar na Câmara ao lado de companheiras e companheiros progressistas, que enxerguem o perigo que a extrema-direita representa. Nossa premissa é o interesse público. Estou certa que, se eleita, teremos condições de apresentar nossos projetos nessas bases e conquistar os apoios necessários para que sejam aprovados.