São tempos inéditos para todos os artistas, onde pela primeira vez se viram proibidos de exercer seu trabalho em meio ao caos do Covid-19. Vivemos momentos de grandes mudanças no mundo e no meio da música e, para ouvir um pouco de como vem sendo essa transformação, vamos entrevistar um grande nome do psytrance nacional, Kitty, que compartilhará a sua experiência durante a quarentena e também sobre a evolução das pistas de dança e do seu público.
Este papo tem como principal objetivo, saber todas as transformações do atual momento na carreira, novidades e opiniões e pontos de vistas sobre as minorias na cena psytrance.
Com mais de 10 anos de carreira, fundadora e idealizadora no núcleo Electrance desde 2005, encantou o Brasil e o mundo com sua música. Confira agora mais sobre essa DJane que representa muito bem a mulherada nos palcos pelo mundo.
Kitty, fala um pouco da sua trajetória como artista, vi que já tocou no Japão. Conta como tem sido esse caminho e as sensações de poder levar sua música para as pessoas.
Quando comecei a tocar não imaginava a repercussão. Logo no primeiro ano de carreira fui convidada a fazer parte de uma gravadora super conceituada de Psytrance de Israel, onde artistas como Vibe Tribe, Ananda Shake e Phanatic faziam parte e comecei a representar essa gravadora exclusivamente no Brasil. Foi aí que tudo mudou, fiquei conhecida internacionalmente, fiz muitas amizades no meio musical do psytrance ao redor do mundo. Depois fiz parte da gravadora Mandala Rec da França e, além disso, lancei meu último EP pelo IONO rec da Alemanha. Minha música já foi lançada em compilações de Ibiza com Astrix, Ace Ventura e muitos outros, além de fazer parte de um dos melhores VAs da Índia. Somos família, levamos música, alegria e abertura de consciência para as pessoas ao redor do mundo.
Com tantos anos trabalhando com isso e vivendo um estilo de vida noturno, onde os finais de semana estão sempre cheios de eventos e acontecimentos, a quarentena veio para sacudir tudo isso e mudar por completo a rotina de todos no mundo, mas principalmente dos músicos, artistas e todos que trabalham no setor de eventos, que ainda seguem com muitas incertezas sobre esse setor. Como tem sido a ressignificação e adaptação a esse novo normal?
Meus últimos 15 anos foram exclusivamente dedicados a música, seja como DJ, produtora musical, produtora de eventos ou agência. Realmente dar um “stop” em tudo isso foi um choque, mas vejo sempre o lado positivo de tudo e realmente essa parada se fez necessária para o planeta, onde todos nós tivemos que nos reavaliar e ver as coisas por outra ótica. Eu passei a valorizar mais minha saúde, ter mais consciência, me cuidar mais, buscar me autoconhecer melhor e valorizar o que realmente faz sentido. Pra mim essa pandemia está sendo um divisor de águas, um despertar imenso, sou uma nova pessoa.
Com toda essa mudança, o que você sente mais falta dos eventos ? E como foi a adaptação ao modo Live de apresentação?
Os eventos de Psytrance são bem família, geralmente acontecem em praias, sítios, fazenda, sendo a maioria deles em meio a natureza. Sinto falta dessa conexão, de encontrar os amigos, de trocar energia com a pista de dança, de tocar mesmo, subir no palco e levar essa vibração pra vocês e ver cada carinha curtindo o som. As lives vieram pra salvar e minimizar a saudade, mas não é a mesma coisa que estar próxima ao público. Mas com certeza pudemos manter a interatividade e movimentar a cena toda. Estão acontecendo muitas lives incríveis de muitos artistas maravilhosos. Vejo como uma nova forma de trabalho e contato com o público, mesmo que virtual. Esse é o novo normal !! rsrs
Vimos muitas pessoas indo em busca de novos caminhos para lidar com toda a situação. Você descobriu algo novo talento ou decidiu focar em algo novo durante a quarentena?
Como esse bombardeio de lives tivemos oportunidade de ter acesso a muitas informações e cursos gratuitos que antes todos guardavam para si. Profissionais de todas as áreas resolveram contar seus segredos e compartilhar seus conhecimentos. Essa é uma das ondas positivas da pandemia . Eu sou muito ligada a espiritualidade e a quarentena pra mim está servindo para buscar ferramentas que me permitem o auto conhecimento. Yoga, Reiki, Meditação, Mindfulness, Thetahealing, que são técnicas ancestrais e hoje estão mais acessíveis para quem quiser aprender e ter mais qualidade de vida, se alinhar com o Universo.
Grande maioria das pessoas ficou com bastante tempo livre para descobrir coisas novas. Descobriu algum artista ou track especial que merece ser compartilhada com a gente?
Gente, eu toco Psytrance a muitos anos e minhas inspirações musicais sempre vieram por ciclos. Toquei Full on morning durante 7 anos, então resolvi abaixar os BPMs e fui para o Progressive por pura intuição. Agora, durante a quarentena, me veio uma inspiração de acelerar os BPMs de novo. Estou escutando muito Full on com elementos psicodélicos e em minha última live fiz uma apresentação de Full on, inspiradora e muito elogiada. Um artista que me chamou a atenção agora nessa fase foi o Brain Cell.
Sabemos que o mundo dos eventos ainda é dominado pelos homens, mas nós, mulheres, estamos criando e dominando cada vez mais espaço na cena, coisa que há alguns anos atrás era mínimo. Qual a sua opinião quanto a esse crescimento no número de mulheres que atuam no meio das festas?
Quando comecei a tocar havia pouquíssimas mulheres tocando e no começo eu sofria bullyings de outros DJs por pura falta de respeito. Tive que mudar minha forma de vestir para ser mais respeitada como DJ e, infelizmente, isso aconteceu até eu me fidelizar no mercado. Tive que ter uma postura diferente, me vestia como um menino, pois só tocava com homens numa cena internacional. Não existia espaço para a sensualidade feminina como hoje em dia. Tive que suar a camisa para me firmar no meio e fico feliz em ver a evolução do mercado e a dedicação e profissionalismo de muitas DJanes, mas não esqueçam: Não basta ter apenas um look bonito, para se destacar precisa estudar muito, ter bom gosto e saber o que está fazendo. É todo um conjunto.
Ao longo dos anos muita coisa mudou, a sociedade vem se abrindo cada vez mais as diferenças e a mulher ganhando cada vez mais força, além de o público LGBTQIA+ conquistando mais liberdade e direitos. Para você quais as maiores diferenças dos primeiro eventos que tocou para os atuais?
Eu acho que respondi um pouco dessa pergunta na anterior. Hoje em dia temos mais acesso à informação e podemos nos defender muito mais, além disso existe mais união e as pessoas estão aceitando mais as diferenças, estão mais livres em expor o que realmente são. Essa é uma evolução planetária, onde todos somos um, somos livres. Esse movimento já não é de hoje. Se falarmos dos primeiros eventos me vêm à cabeça o WOODSTOCK que aconteceu em 1969 e que foi algo impressionante de se ver. Desde lá lutamos pela liberdade. Os eventos atuais já estão muito mais organizados mas o propósito é o mesmo, se divertir, ser livre.
Todas temos barreiras que precisamos quebrar por sermos mulheres, teve algum desafio enfrentado por ser mulher que tenha marcado você?
Esse lance do meu início de carreira, que comentei acima, foi o mais desafiador.
Esse ano foi bastante recheado de surpresa para todo o mundo, no meio de tudo isso o que mais te surpreendeu em 2020 no meio da música psytrance?
A união dos artistas e núcleos do mundo inteiro de Psytrance nas lives está lindo de se ver.
Poder tocar música para as pessoas dançarem é um sentimento surreal e acredito que ao longo dos anos você deve ter colecionando momentos icônicos e inesquecíveis. Vamos fazer um top 3 momentos que mais marcaram sua trajetória artística?
Nossa, são tantos momentos inesquecíveis que, quando eu digo, muita gente não acredita.
1- Quando eu comecei a tocar, eu dizia que meu maior sonho era tocar em frente ao mar e, em 2006, fui convidada a tocar no meu primeiro Universo Paralello. E adivinha!? Quando chego lá a pista que eu ia tocar era em frente ao mar. Nunca vou esquecer esse momento. Fechei o set com lágrimas nos olhos e a track Spiritual Healing, um hino do psytrance até os dias de hoje. Tem vídeo no Youtube.
2- Em algumas das edições da minha festa Electrance as pessoas falavam que era eu entrar pra tocar que saía o Sol e, impressionante, teve algumas vezes que estava nublado, eu começava a tocar e o sol saía mesmo. Até eu me surpreendia e não acreditava no que estava acontecendo, nessa magia que a música Psy Trance nos proporciona. Eu sou só um canal dessa energia. São momentos que nunca vou esquecer.
3- Em 2016, trouxe para o Brasil o Ozora Festival, da Hungria. Fiz uma edição aqui chamada Ozora One Day in Brasil e foi um dos eventos mais desafiantes que produzi e também uma das melhores apresentações da minha vida. A pista literalmente explodiu quando eu entrei, lindo de se ver e inesquecível.
Você, que sem dúvidas é um ícone da cena brasileira, tem aquela pessoa que considera seu ícone também? Quem é seu maior ícone na vida? E na cena Psytrance?
Ekanta Jake, mãe do Alok e do Bhaskar. Ela é precursora na cena PsyTrance no Brasil. Quando eu comecei a tocar ela já tocava, sempre foi minha referência e, além disso, nutrimos uma bela amizade.
Agora, olhando para frente, e todas as novas realidades que estão surgindo. O que podemos esperar da Kitty para os próximos meses e ano de 2021? Tem música ou compilações novas vindo por aí?
Estou super empolgada com esse retorno e totalmente renovada, cheia de novidades, doida de saudades para pegar uma pistinha e explodir. Pretendo sim fazer algumas parcerias que já estão sendo conversadas e lançar músicas novas para 2021. Mas fica no ar o suspense, aguardem. Quem será que vem por aí nessa parceria?
Nessa era de influenciadores, queremos ser influenciados por você. Deixa com a gente uma playlist especial só com as suas favoritas?
Algumas músicas que estou tocando no momento:
- Burn In Noise & Altruism – “Boom”;
- Shivatree – “The Rhythm”;
- Electric Universe & Burn In Noise – “The Future”;
- Lunatica & Hypatia – “Melt in Knowledge”;
- ManMachine & Shivatree – “Planet X”;
- Earthspace & Spinal Fusion – “Vision Illusion”;
- Electric Universe – “Om”.