No último sábado, 12/03, aconteceu o showcase da Ciclo em um dos locais onde corpos diversos não tinham muito costume de estar, até então. O clube Vibe é extremamente renomado na cena eletrônica nacional, sempre foi conhecido por apresentar a seu público nomes de peso da música eletrônica mundial, porém sempre foi um local marcado pelo elitismo em certo tom de conservadorismo.
Quando o coletivo recebeu o convite do clube, apesar de muito contentes com o desafio, foi algo que gerou preocupação entre os organizadores do evento. A pergunta que ecoava era como aproximar o público que o núcleo conquistou com aquele espaço que nem sempre foi pensado para esses corpos.
Após conversas com a administração, algumas questões foram mudadas na casa. A presença de lista trans e drag, bem como ingressos em valores mais acessíveis que o geralmente praticado pelo clube. Além disso, foi nesse showcase que a pista da Vibe foi comandada pela primeira vez por uma travesti, Luna Tik que entregou tudo em seu set.
Com desafios pensados, ações comunicacionais elaboradas a fim de aproximação do público, o evento chegou.
A estrutura do clube foi levemente alterada para receber o showcase. Uma redoma de acrílico foi inserida na pista como palco para performance. Além disso, o logotipo do coletivo foi colocado em metal acima do palco.
De início, a festa já se mostrou um grande sucesso. Antes da 00:30 mais da metade da capacidade da casa já estava totalmente preenchida. O residente da Ciclo, RicK Sci-F1 abriu a pista com um set dinâmico onde passeou por diversas sonoridades, com foco no electro e batidas quebradas, ele caminhou para um final mais voltado a timbres analógicos apresentados numa estética sonora mais densa.
Após isso, tivemos um dos sets mais esperados da noite, Luna Tik chegou quebrando tudo, teve uma interação absurda com o público. Apresentando uma pesquisa extremamente voltada ao industrial, ela entregou diversos momentos de tensão, expurgo, brutalidade e explosão em sua apresentação.
Caminhando pela pista se via diversidade, era possível sentir uma energia linda. Pessoas emocionadas de sentir o que estava acontecendo ali, a troca pista x artista nesse instante foi um dos momentos mais emocionantes da noite.
A apresentação de Luna foi atravessada por outro momento histórico da noite, a performance de Jaiussa! Também residente do coletivo, artista performer, Jaiussa é a primeira pessoa NB a se apresentar na Vibe e entregou uma performance intimista, majoritariamente reflexiva e extremamente impactante. Com uma montação impecável, aflorou-se dentro da redoma usada para palco diversas sensações em quem acompanhava o que ali acontecia. Em determinado momento era possível ver sua emoção a ponto de estar chorando.
A essa altura a pista estava cheia e a capacidade da casa pela primeira vez tomada por pessoas que jamais tinham ocupado aquele espaço. Era lindo ver pessoas montadas se sentindo à vontade em um lugar que não era acostumado com isso.
Depois do set de Luna, tivemos Alex Buueno comandando o setup, o integrante da Ciclo chegou levantando a pista logo na primeira track, apresentando uma pesquisa energética e mostrou um set extremamente progressivo, agressivo e dançante. A apresentação totalmente voltada ao Hard Dance, ele garantiu a atenção e interação da pista durante todo o período em que esteve no palco.
Durante o set de Alex, a pista pode prestigiar a apresentação da performance de UMATHEUSA. Artista residente do coletivo, Deusa apresentou, assim como Jaiussa, uma performance introspectiva, porém com uma forma mais macabra de expressar isso. A fim de garantir a ideia de experimento, Deusa chega carregada até o palco de performance, envolta em diversas camadas de plástico e fluido de sangue falso, esse momento foi um dos altos da festa. Poucos sabem, mas Alex e Deusa tiveram várias trocas para formular uma apresentação conjunta que conseguiu traduzir visual e sonoramente um mesmo sentimento que envolveu a pista e deu um tom de extasiamento à pista.
Após essa interação épica, a noite ainda prometia muito. Veio um set que o público ansiava há algum tempo na cidade. O B2B de Nicole Lukis e Nati M. As duas são extremamente queridas e aclamadas pelo público curitibano, a união das duas rainhas techneiras foi um verdadeiro incêndio na pista. As pessoas pulavam, gritavam e se jogavam no set que das duas que deram aula de técnica e pesquisa. Com timbragem mais analógica, foi uma apresentação emocionante e marcada por uma sinergia única que as artistas apresentaram.
Durante esse momento, Jaiussa voltou e entregou uma performance voltada ao universo de marionetes, o que compôs perfeitamente a estética freak que a sonoridade estava ecoando.
A residente do coletivo GI.O. teve a difícil missão de assumir uma pista pegando fogo. Mas ela não deixou por menos! Chegou como um trator que passou por cima da pista de forma poética. Ela apresentou um set extremamente denso, mostrou um techno em uma roupagem mais analógica com percussões vezes retas, vezes quebradas. Ela conseguiu envolver a pista e manter a casa fervendo e cheia até o final do evento.
O coletivo busca viabilizar várias formas de expressão da arte, por isso trouxe com expositoras que apresentaram seu trabalho para expor e interagir com a festa. Thassia Anjos trouxe a Microdoses, uma marca de slow fashion com um direcionamento sustentável para expor e fazer customizações durante a festa.
Além dela, a makeup artist Marina Diniz, também conhecida como “m431n4”, trouxe sua experiência e referências para maquiar o público da festa.
Fernanda Vitachi trouxe para expor na festa sua arte mística carregada de ancestralidade e liberdade.
Contudo, o evento cumpriu o papel a que se propôs: aproximar o público do coletivo e um espaço que essas pessoas não costumam ocupar. Esse pequeno passo, tão comum e corriqueiro em alguns lugares, ainda era algo impensável para o clube que aconteceu. O coletivo Ciclo vem dando visibilidade à arte underground na capital paranaense e colocando vários tijolos na construção de uma cena mais inclusiva na cidade.
O evento foi lindo e as pessoas que lá estavam se sentiram confortáveis em ser quem são onde quiserem.
Foto de capa: Bia Alves.