Nossa repórter Kukua Dada foi cobrir a première de um evento transcentrado, ou seja, focado e com a temática centralizada em existências transgêneras, o Trava & Cia.
Segundo o organizador do evento, Matheus Sotero, o nome vem para trazer foco também à travestilidade, um segmento existencial específico de pessoas trans que têm sua luta na maior parte das vezes bastante invisibilizada.
“Porque dentro da população trans, as travestys são mais marginalizadas e, como uma pessoa transcentrada que sou, eu preciso resgatar, né… A autoestima das meninas. E, nada mais do que digno e justo enaltecê-las”, comenta Matheus Sotero.
Matheus sempre foi um amante de arte e cultura, de também forma acadêmica. Quando, em seu passado, namorou uma cantora, o mesmo produziu um pocket show para ela e tomou gosto na produção de eventos.
“Tenho um ano de transição, então eu tenho pouco tempo de transição… E para começar a aprender a lidar com isso e a enfrentar as pessoas cara a cara é muito… É um processo um pouco mais lento e individual… Tive que por essa parte até assumir e dizer assim: ‘não preciso fazer alguma coisa’. Porque eu sou uma pessoa branca… Tido como branca, mas sou indígena… Mas, com privilégios que outras pessoas trans não têm. Então, preciso fazer alguma coisa pela minha população e não querer crescer sozinho,” comenta Matheus.
Quando um evento é organizado por um ser humano com consciência política, de classe, de acessos, de oportunidades sem que a mesma consciência esteja deturpada por questões emocionais ou egóicas, como nesse depoimento de Matheus, o evento tem mais probabilidade de ser verdadeiramente inclusivo. E nossa repórter, Kukua Dada, comprovou isso cobrindo o evento.
“Foi muito bom ter me sentido bastante confortável numa festa noturna. Eu mesma disse ao organizador do evento. 'Foi a primeira festa assim que presencio, onde dava para contar nos dedos as pessoas cisgêneras (cisgeneridade), e não as pessoas trans (transgeneridade).'”
- Kukua Dada.
A ideia de Matheus é realmente expandir incluindo as existências similares a eles, homens trans, como por exemplo, Bernardo que tatuou pessoas durante o evento e, também, incluindo às travestys que ele afirma preferir se relacionar quando se afirma transcentrado. Pérola Negra foi uma das performers incríveis que prestigiou o evento com sua presença e lacre. Bruna Andrade, uma travesty com voz que alcança pós-margens, grande poetisa e performer, também, foi outra presença importante nesse evento. Por últimas, mas não menos importantes: primeiramente, a travesty DJ goiana com nome africano que nem o meu e que iniciou seu set trazendo uma vibe super aconchegante e incitando a galera a se socializar nas horas das danças interativas de Vogue, Odara Manicongo Laróyè e, segundamente e não menos importante, a travesty preta soteropolitana que vem conquistando seu espaço em várias festas boas em Salvador e é, inclusive, uma incrível rapper: Baddie Evylin.
Infelizmente, não foi um estouro de audiência de início (potencial enorme há para que estoure), mas o público que foi à festa foi essencial em cada uma de suas particularidades e individualidades. As quais, mesmo que diferentes em suas essências, se complementam no âmbito da potencialidade de diversidade e liberdade na estranheza que é a transgeneridade. Trava & Cia foi efetivamente uma transcentralização.
Foto de capa: Matheus e Kukua por @amaranttes.