Não é de hoje que as Drags vêm conquistando todo o mercado de entretenimento no Brasil e no mundo. Já faz um tempo que o talento desses artistas deixou de estar limitado ao escuro da boate e ganhou o devido destaque sob os holofotes da TV, cinema, teatro e música. E por falar em música, se as pistas de dança já foram conquistadas através do microfone, agora é a vez de dominar as pick ups com a nova geração de Drag DJs!
“E em alguns lugares, acontecia algum tipo de situação desconfortável: alguns olhares de estranhamento das pessoas tentando entender se eu era homem ou mulher, mas com o tempo isso foi diminuindo..” Eva Maruana.
Simpática e carismática, Eva Maruana, é natural de Goiânia – GO e, com apenas 24 anos de idade, já tem no currículo apresentações em inúmeras festas por todo Brasil. Hoje, com pouco mais de 4 anos atrás das CDJs, já é uma das grandes revelações na cena alternativa e eletrônica regional e nacional.
Vamos descobrir juntos, como a Arte Drag e a música se encontram nas mãos dessa artista tão plural e como ela lida com o mercado atual e as dificuldades da noite.
Vamos falar da vênus de Eva. Como a Eva Maruana surgiu? Quem veio primeiro, a DJ ou a Drag?
Então, primeiro veio o meu lado DJ e depois o lado Drag, mas ambos com um espaço de tempo bem curto de um para o outro. Como DJ, tudo começou numa brincadeira, um amigo meu DJ de pop me ensinou a tocar o básico em uma festa temática que tinha em uma boate aqui de Goiânia. Foi tudo mega improvisado porque eu não sabia mexer em nada. Um produtor de outra boate me ouviu tocar e gostou das minhas músicas e me chamou pra tocar em uma festa que ele faria. Eu, muito desaforada, fui, mesmo sem saber o que que estava acontecendo e sem saber mexer em praticamente nada, mas fui porque queria ter contato com as CDJs. Eu sabia que aquela seria a oportunidade de ter contato com o equipamento e aprender a usar. E foi tocando nessas festas no início, sem cachê nenhum, só com consumação, que eu comecei isso tudo. Eu sei que lá pela terceira vez que me chamaram pra tocar era em uma festa com temática de Drag e o produtor me sugeriu de tocar montado, porque eu tinha me montado muito recentemente pela primeira vez. Ele falou ”por que você não toca montado nesta edição de Drags?’ e eu topei de ir, daí acabou que foi tudo acontecendo, eu fui recebendo outros convites para tocar montado de novo, e de novo e foi daí que nasceu a Eva DJ.
“… quando aconteceu de eu tocar a primeira vez, eu tive a sensação mais incrível de todas, de ter me encontrado.” Eva Maruana.
Você tem apenas 24 anos e já rodou muito esse Brasil. Com que idade você sentiu vontade de ser DJ?
Eu acho que eu senti vontade de ser DJ de verdade no dia que eu toquei a primeira vez, porque antes disso, eu tinha todo o meu ”molde de vida” planejado, e quando aconteceu de eu tocar a primeira vez, eu tive a sensação mais incrível de todas, de ter me encontrado. Eu percebi que eu queria fazer aquilo. Foi como um estalo na minha cabeça, de que era aquilo que eu queria pra mim. Daí eu larguei tudo que estava fazendo pra poder me dedicar a isso. Eu fazia faculdade de psicologia na época e larguei, eu tinha um emprego fixo e pedi demissão. Larguei tudo pra correr atrás daquilo que eu tinha sentido de que era o que eu queria pra mim e acabou virando um sonho.
Você sempre associou isso à sua Persona Eva ou essas duas coisas foram se encontrando?
De cara, não, elas foram se encontrando. Como foi muito curto o espaço de tempo de uma coisa pra outra, virou uma característica minha de tocar em Drag e virou o meu diferencial. Porque além de ter amado a experiência de tocar, desde que eu comecei a conhecer mais sobre o mundo Drag, eu fui amando muito tudo aquilo. Eu assistia muito conteúdo sobre isso, via séries, era amigo de várias Drags e aquilo foi gerando uma curiosidade de experimentar como era me montar.
Ultimamente a cena eletrônica tem dado mais espaço para Drag DJs e DJs Trans, mas ainda existe muito preconceito. Você já sentiu na pele o preconceito no seu espaço de trabalho?
Existe demais. Eu já passei por diversas situações nesses meus anos tocando relacionadas a isso, mas nada muito grave. Acho que até pelo fato de geralmente estar em uma posição de ‘’artista contratado’’ as pessoas acabam que tem um pouco mais de respeito, mesmo que não entendam de fato o que eu estou fazendo. Eu comecei tocando pop e funk e já viajava muito, tocava em vários eventos universitários, em eventos com o publico mais hétero e no meio gay também. Então, acabava que em alguns lugares, acontecia algum tipo de situação desconfortável: alguns olhares de estranhamento das pessoas tentando entender se eu era homem ou mulher, mas com o tempo isso foi diminuindo. Principalmente depois que comecei a tocar só tribal, porque acabei me distanciando muito do público mais ”fora da bolha” do começo. Mas também nunca me deixei abalar com nenhuma dessas situações não, quando elas aconteciam. Eu sou muito de me impor e, se alguém pelo menos pensasse em fazer algum comentário ou piadinha comigo, retribuía em dobro, então acabava que não tinha muito essa ”abertura” comigo.
Além do nervosismo natural de todo artista antes de entrar no palco, com certeza toda essa montação deve trazer mais uma preocupação na hora de mixar! Já aconteceu algo inusitado envolvendo sua Drag durante uma apresentação?
Nossa, diversas vezes. Eu já perdi a peruca na pista (porque alguém passava e puxava), o meu fone já puxou a peruca pra trás e ela descolou… Zíper da roupa já arrebentou, o meu salto quebrou. Eu já perdi as contas de quantos eventos inusitados eu já passei nessa minha vida. Acontece demais e acontece sempre, mas o lance é você saber lidar com eles, principalmente se eles acontecerem na hora que você está tocando, pra ninguém perceber e com o tempo você acaba se prevenindo mais pra que não aconteça nada.
Cada vez mais os DJs estão preocupados com sua imagem e, como toda Drag, sabemos que existe um investimento muito alto na sua produção. Você acha que os cachês praticados no mercado atual estão acompanhando esse investimento?
Então, realmente isso é uma coisa que com o tempo tem tido uma melhora (das pessoas terem mais essa percepção de que tem toda uma produção por trás), mas não vou mentir que isso ainda acontece, de alguns produtores acharem que o seu valor está caro em comparação com outros artistas, e querer nivelar valores com quem se apresenta desmontado. Quando as pessoas olham pra gente no palco, não imaginam o quanto foi gasto em tempo e dinheiro para que tudo estivesse no lugar. E custa muito caro ter várias opções de peruca, ter vários looks, vários figurinos, maquiagem e sapatos, em constante rotatividade, porque a gente precisa inovar em cada apresentação.
Se você pudesse descrever a conexão da sua Arte Drag com a Música, como o faria?
Eu amo música, então acaba que quase tudo do que faço sempre girou muito em torno disso. Desde muito novo sempre gostei de me envolver com dança, teatro e música. Eu fui criado na igreja, e comecei tocando violão lá, fazia teatro e dança contemporânea numa companhia de artes em Minas Gerais. No ensino médio aprendi a tocar trombone, então meu lado musical sempre foi aguçado e muito presente na minha vida. Quando eu me montei a primeira vez e vi que eu poderia ser outra pessoa, eu achei interessante juntar os dois, até porque eu era um jovem de 18 anos de idade que tinha sido criado a vida inteira na igreja evangélica, com tudo muito restrito. Estava doido pra conhecer o mundo e viver várias coisas que ainda não tinha tido oportunidade de anteriormente.
A noite carece de novas músicas, novas sonoridades. Como você busca trazer isso nos seus sets?
Eu sou um geminiano nato e, quando se fala de música, não seria diferente. Eu gosto de um pouco de tudo, realmente. Sempre tento tocar músicas que eu gosto, óbvio, e que passem uma mensagem. Eu acho que isso é muito pessoal de cada DJ, mas na hora que estou tocando é a hora que eu vou ter minha conexão com o público, que o público ouve a música, sente a música e se conecta comigo, então eu sei que tudo que eu tocar ali, vai ficar gravado na memória da pessoa, por causa da música, por causa da emoção e da experiência que ele teve ali, naquela noite; então, ter um bom repertório é essencial para que você faça um bom set e transmita aquilo que você quer transmitir.
Sua carreira deu um salto nos últimos anos e as datas estão cada vez mais frequentes. Quais são os próximos passos da Eva Maruana?
Bem, agora finalizando o ano e as coisas se normalizando por causa da pandemia, estou me mudando para São Paulo, que era algo que já estava nos meus planos há um tempo. Eu acredito e espero que o próximo ano seja bem movimentado, até pra compensar esse ano que a gente ficou praticamente trancada dentro de casa. As minhas expectativas estão bem lá em cima, porque a minha vontade de arregaçar tudo agora está maior ainda.