Naska Regina

ENTREVISTA | NASKA REGINA: “Linhas que se destrincham em muitos caminhos como serpentes eloquentes”

Nazca são geóglifos pertencentes ao Sul do Peru. E, como toda figura é feita por linhas, sejam elas retas ou não, quando se destrincham se tornam linguagem. 

Hoje, a Colors DJ, em parceria com o Papo de Trava de Kukua Dada, estará entrevistando ela, Naska Regina, uma existência transfeminina digna de ser tópico da seção I.D. por ser multipotente e multivariada. Uma gata nata que ama serpentes.

Sobre quem é Naska, como a mesma surgiu, quais seus desafios vividos e interseccionalidades e visões. A Colors está ansiosa em te mostrar um pouco do mundo dessa Nassska, vamos lá?

Naska, venha cá. Conte a Colors sobre esse nome que lembra Alaska? Ele tem conexão com sua trajetória artística e musical?

Acredito fortemente que o nome Naska tem conexão com vidas passada: passei dois anos da minha vida procurando um nome que fosse único e agênero (apesar de hoje só querer ser tratada pelo pronome feminino que é o que sou) escolhi “Nasssska” por ter uma entonação que remete às cobras, pois sou fascinada por elas. Depois de um tempo, um uber me questionou se eu sabia o significado da palavra e me explicou que existem linhas misteriosas no chão do Peru que se chamam “linhas de nazca” são mais de 140 desenhos, acredita-se que os geóglifos encontrados foram criados entre os anos de 100 a.C. e 300 d.C. Ninguém sabe exatamente como isso foi parar ali, o mais curioso é que umas das formas é uma cobra. Talvez, eu não descubra o significa disto nesta vida, mas fica o questionamento… Regina é uma homenagem a minha mãe, Dona Regina, precisava de um pedaço dela comigo. 

Linhas de Naska, figura mostra uma cobra de duas cabeças, pronta para devorar dois seres humanos./ Foto: Universidade de Yamagata / BBC News Brasil.

O início de Naska, quero que você destrinche de forma resumida como nasceu essa potência artística que é você hoje.

Sempre soube que para mudar a realidade da minha vida precisava me esforçar bastante, pois não nasci privilegiada. Desde cedo, comecei a me inscrever em cursinhos na área de moda e com muita persistência e insistência acabava ganhando bolsa, através dos conhecimentos adquirimos formei meu brechó (@rendasebrecho), onde fazíamos o styling e saiamos pelo centro de São José dos Campos, minha cidade natal, para produzir e vender nossas peças, claro que isso só foi possível pois tive ajuda de amigues. O brechó por si não rendeu lucro nenhum, mas me deu portfólio para pessoas que eu amo de SP me notar e me dar uma oportunidade como assistente de figurino no cinema nacional, que é a principal profissão que exerço hoje. 

Naska Regina./ Foto: Divulgação.

Quais são os trabalhos que você mais se orgulha de ter feito? E quais são os trabalhos que mais marcaram seu início de carreira?

O primeiro a gente nunca esquece: foi o “Todxs Nós” da HBO direção de Vera Egito e os figurinistas que mais amo no mundo: Aline Canella e Bruno Correia. Esse job foi um marco, pois foi ali que aprendi tudo do começo e me apaixonei pela profissão. Já, o “Manhãs de Setembro” da Amazon Prime 2° temporada (que lança dia 23 de setembro) tem a outra metade do meu coração, foi lindo ver um set formado por sua maioria mulheres trans e travestis. Fora que Liniker, Linn da Quebrada e Danna Lisboa são perfeitas como profissionais e pessoas, nunca foi tão gostoso trabalhar. 

Sobre sua carreira como figurinista: como você se sente em relação ao mercado e às oportunidades de trabalho?

O mercado precisa ser mais inclusivo, pois existem poucas de nós ainda exercendo esta função… É necessário que nos dêem um voto de confiança, pois devido às nossas vivências e experiências temos outras visões de mundo para oferecer e novos conceitos a serem explorados, afinal, nós somos o futuro. Quando o sistema nos dá uma oportunidade, ele nos tira da marginalidade e faz com que possamos viver de forma digna aumentando assim nossa expectativa de vida, que ainda infelizmente segue sendo pouca no país que mais mata travestis e transexuais no mundo, 35 anos. 

Agora, Naska, nos responda: quais são suas maiores dificuldades por ser uma pessoa trans em relação a questões profissionais?

O sistema ainda consiste muitas vezes em nos colocar num lugar de marginalidade, mas, felizmente hoje, estamos criando forças e potências para conquistar espaços e desconstruir essa imagem. A maior dificuldade é conseguir a oportunidade… Eu demorei muito tempo para conseguir meu primeiro emprego devido a meu estilo nada discreto, mas como nunca fui de ficar parada, ia atrás de cursos para poder me capacitar e realizar meus sonhos. Nunca foi fácil, mas desistir não era uma opção. 

Naska Regina./ Foto: Divulgação.

Você é residente de uma festa em São Paulo já, nos conte sobre isso e também sobre quais outros lugares você gostaria de tocar?

Ainda no ano de 2022, aprendi a tocar com minha amiga e multiartista, Gangrena. Logo, ganhei uma controladora feita por uma vaquinha de pessoas que eu amo muito e acreditam no meu potencial. Vimos que dali poderíamos fazer história na cena e montamos o coletivo que hoje podemos chamar de Festa Diagonal, a primeira edição foi tão memorável que seguimos realizando o rolê mensalmente, inclusive na rua, com performances, sets e ideias diferenciadas. É como se tivéssemos formado uma família e fico muito feliz e orgulhosa de ver que isso tem tomado uma grande proporção em apenas alguns meses de festa. Hoje, pretendo expandir meu conhecimento e pesquisas como DJ e sonho em tocar em festas onde eu iniciei meu movimento underground como Mamba Negra, Sangra Muta, ODD e, se não for pedir muito, em eventos internacionais.

Quem são suas inspirações musicais que auxiliam no seu processo criativo. E suas inspirações de moda? 

Posso dizer que existem gêneros musicais que auxiliam no meu processo criativo como o House, a famosa batidinha chique que vem ganhando cada vez mais notoriedade. A House music surgiu nos clubes undergrounds no final da década de 70 pela comunidade negra e LGBTQIA+. Hoje, existem várias vertentes de som da mesma. A cantora Azealia Banks é um ótimo exemplo disso: mistura seu rap com house, apesar do seu caráter duvidoso, a admiro muito como artista, assim como Kanye West. Entre outros músicos fora do mainstream como Eartheater, Virgen Maria, Arca, Sevdaliza e as mais conhecidas Charli XCX e Lady Gaga. Não posso deixar de mencionar que amo e toco muito o Funk, fico arrepiada quando solta o mandelão. É chocante como eles conseguem fazer com pouco recurso um som revolucionário que está tomando o mundo.

Por fim, sempre acreditei que a moda e a música andam sempre de mãos dadas, Lady Gaga foi minha primeira referência fashion. Lá em 2008, eu já queria ser ela. Hoje, me sinto a mesma só que na pele de Naska Regina. Minhas inspirações de moda são mutáveis, mas hoje sou obcecada por marcas como Margiela, Rick Owens, Mugler, Balenciaga, Diesel, Marc Jacobs e minha melhor amiga Guma Joana com a qual já assinei o style duas vezes para Casa de Criadores.

Naska Regina./ Foto: Divulgação.

Toda pessoa trans é naturalmente potente de ser multiapta: como é sua visão e como você se sente sendo uma mulher trans e estando inserida nesses meios artísticos da moda e da música?

Me sinto sortuda, mas sei que tudo que conquistei foi mérito dos meus esforços, pois eu nunca fiquei parada, sempre corri atrás dos meus sonhos e, mesmo com pouco recurso, eu criava, inclusive na pandemia onde eu ia para as montanhas do interior de bicicleta me fotografar sozinha. Uma hora alguém me notou, acreditou em mim e me cedeu uma chance. Fico triste em pensar que nesse mundo existem pessoas trans e travestis tão boas e esforçadas quanto que não tem as mesmas oportunidades, por isso que, assim como as irmãs e irmãos transexuais do passado que deram a cara a tapa e deixaram seu legado, quero fazer minha parte e fazer deste um mundo melhor e mais justo para a nova geração  trans que existe e está por vir.

Sua relação com sua família é boa hoje em dia?

Fui criada só pela minha mãe, Dona Regina uma leonina super protetora, que precisava deixar eu e minha irmã Bruvine sozinhas desde pequenas para poder nos sustentar, já que não tínhamos auxílio do nosso pai. Crescemos dentro de uma estrutura evangélica, mas apesar de sempre saber que não pertencia aquele lugar fui muito feliz na minha infância com brincadeiras simples junto com minha sis. A adolescência foi um tanto turbulenta, mas superamos. Hoje minha mãe é meu maior porto seguro, ela me protege, me ampara e me defende. Conseguimos ter uma boa relação, amo quando ela vai no brechó e me traz saltos que acha que são a minha cara. Minha irmã é minha preciosa, temos pouca idade de diferença, um ano e meio. Ela é inteligente e tudo que não sei fazer, peço ajuda a ela. Recentemente minhas tias e primas por parte de mãe têm frequentado mais nossa casa no interior, deixando as tardes de domingo mais agradáveis. Toda vez que viajo, elas fazem questão de ir me ver, me respeitam e me aceitam do jeitinho que sou, sou muito feliz com elas. 

E, para finalizarmos, nos conte sobre objetivos e perspectivas profissionais. Vem algum projeto por aí?

Com certeza, sim, recebi o convite para participar da equipe da revista Colors DJ e fiquei muito feliz e realizada. Artista que é artista se arrisca e faz acontecer de tudo um pouco. Eu amo aprender, sei que isso vai agregar muita coisa boa na minha vida e como falamos aqui mais de uma vez: preciso agradecer de coração por esta oportunidade que estou recebendo. Fora que esse ano ainda teremos mais desfiles para Casa De Criadores e eu estarei junto com minha maior Guma Joana, além do lançamento da segunda temporada de Manhãs de Setembro. Espero continuar fazendo tudo que amo e que não nos faltem jobs. Eu prometo que irei dividir toda minha vitória e conquistas com toda minha comunidade em prol de uma vida digna e melhor, pois nós somos o futuro.

Créditos das Fotos:

𝐩𝐡: @ot0lina
𝐛𝐞𝐚𝐮𝐭𝐲: @m431n4
𝐬𝐭𝐲𝐥𝐢𝐧𝐠: me y @ot0lina

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