Laryssa Braga ou Larysss é DJ e produtora cultural atuante na cena de Belo Horizonte desde 2018. Começou a discotecar em 2019 e integra os coletivos AYÔ e Discothèque.
Sua sonoridade é baseada nos sons com que teve contato desde criança, com grande influência da musicalidade dos anos 80, 90 e 2000 sendo principalmente na música negra onde ela encontra a inspiração para criar sets dançantes, felizes e cheios de groove, com canções que passam pelo soul, funk, disco, house, techno, afrohouse e seus subgêneros.
“Se olharmos de modo geral a representatividade feminina na música eletrônica ainda é sim muito baixa…” Larysss.
Confira agora a entrevista que fizemos com a Larysss:
Hoje você é uma DJ e produtora consagrada na cena underground de BH. Larysss, como você descobriu que seguiria essa carreira?
Eu trabalhava com produção de eventos já tinha um tempo e era grande frequentadora das festas da cena techno e house de BH. Fui ficando cada vez mais conhecida por estar sempre no front, divulgando os rolês e fazendo after (kkkk). Daí meus amigos mais próximos começaram a me incentivar a tocar, já que eu sempre comandava o som dos afters.
Na época que comecei a aprender, eu estava num período muito complicado emocional e profissionalmente. Foi aí que um grande amigo muito querido resolveu me ensinar a tocar e o resto é história. Lancei meu primeiro set dia 01/11/2019 e desde então tornei a discotecagem uma forma de expressar minha arte e de trabalhar.
Você iniciou sua vida artística em BH. Quais foram os desafios de ter começado a tocar em uma cidade onde o techno tem crescido bastante?
O desafio primeiro foi interno. Eu ficava com medo de decepcionar meus amigos DJs, meus amigos da cena. Ficava com receio de errar. Mas aí fui conversando com pessoas que eu admirava, pegando dicas e fui ficando mais segura.
Na cena o maior desafio com certeza é lidar com alguns comentários e opiniões que eu nunca pedi, mas é a vida. Ser mulher não é fácil em nenhum rolê, imagine nesse.
Levando em consideração sua experiência em produção, conte um pouco como é sua relação com produção e como começou a produzir seus próprios sets!?
Eu trabalho com produção artística e de eventos desde 2015, quando tinha um projeto voltado para o cinema. Depois comecei a trabalhar com eventos voltados para arte e quando vi já estava produzindo pequenos eventos de música eletrônica. Nesse tempo fui conhecendo cada vez mais DJs e pessoas que me incentivaram e, como contei mais acima, um amigo botou fé em me ensinar e aqui estamos.
Sabemos que o coletivo AYÔ é um estalo do movimento negro para colocar mais representatividade na cena eletrônica de BH. Conte um pouco da importância desse coletivo e como é participar dele.
Eu fui convidada a participar da Ayô antes de ser DJ, quando trabalhava só com produção. É uma iniciativa fantástica porque, como sabemos, o techno e o house tem origem preta e é absurdo pensar em uma cena forte como a de BH sem um coletivo preto. De 2018 pra cá a gente foi crescendo e evoluindo o coletivo, colocando cada vez mais artistas, dando apoio e suporte aos que estão começando. É um alívio se ver entre os seus e saber que você tem um lugar. Nós somos conectados pelas nossas dores e pela nossa ancestralidade, mas também pela nossa vontade de fazer da festa e da dança a nossa forma de lutar.
Certamente você conquistou um público na sua carreira como DJ, conte como é a relação com eles.
Eu brinco que tenho minha fiel fanbase hahaha…, mas basicamente as pessoas que já gostavam de me ver no front, nas festas, que elogiavam meus looks são as que me dão força como DJ. É incrível o carinho que a galera tem por mim e, às vezes, eu acho que nem mereço tanto, mas amo e tento sempre fazer algo pra eles dançarem, gritarem, beijarem e se empolgarem ali na pista. Como a gente diz por aqui: meu front, minha vida.
Fale um pouco das suas grandes inspirações e referências na vida como profissional e também no pessoal.
Acho que minhas maiores referências em tudo que eu faço na vida são meus pais. Eles são falecidos, mas no tempo que tive com eles em corpo presente sempre tive uma relação de muita proximidade e amizade, tanto com minha mãe, quanto com meu pai. Cresci numa casa com muita arte, literatura, cinema, teatro, mas especialmente com música. Meu pai era um apaixonado por música e discos de vinil. A coleção dele chegou a ter mais de 400 volumes, fora CDs e DVDs. Lembro que todo domingo era dia de ouvir música enquanto minha mãe fazia o almoço e eles iam em explicando sobre as músicas, as bandas, a época que foi lançada, o que representava para eles. Então cresci muito próxima a esse universo.
Acredito que sonoramente falando os anos 80 e 90 foram minhas primeiras influências por ter a ver com esse universo musical deles, mas com o tempo incorporei muito da música do início dos anos 00 aos meus sets, especialmente o pop, o hip-hop e o R&B.
A música negra de forma geral é minha base e eu me desafio sempre a colocar mais músicas de produtores negros, latinos e não-europeus nos meus sets. Acho que me remete a uma ideia de conexão e casa, de ficar à vontade com o que aquele som traz pra mim.
Como inspiração musical na discotecagem com certeza a minha maior é a Jayda G. Lembro quando vi pela primeira vez o Boiler Room dela e fiquei encantada porque consegui me ver ali. Não só porque temos uma semelhança física, mas uma semelhança de vibe mesmo. Além dela tenho muitas referências nos DJs Jyoty, Carista, Martinez Brothers, Kaytranada e em todos meus amigos DJs que sou fã demais!
A cena underground de São Paulo tem muito espaço e grande público, se tornando uma referência para muitos DJs e sabemos que muitos artistas de BH estão ganhando espaço ali. Você já levou seu som para alguma festa paulistana ou pretende fazer essa ponte BH / SP? Como você vê a cena underground de SP?
Eu ia tocar em lá na Veneno, em abril, mas acabou não rolando por causa da pandemia. Mas sim, conheço a cena de SP, inclusive estava ano passado por lá na Rua. Durante o isolamento eu fui convidada pra tocar na transmissão do Coletivo Elas Que Lutem, duas transmissões para a Veneno, que foram a Rádio SAL e a parceria com a FFW, e fui convidada a gravar sets paro o Coletivo Ninho e para a Label Disorder. Eu acho a cena de SP incrível e tô morta de saudades de aloprar na cidade grande hahaha… Eu brinco que quando vou pra SP eu fico perdida de tanta coisa, mas eu amo a cidade e tô doida pra voltar. Se você é produtor de festa e está lendo isso me chama no pós-pandemia.
Hoje sabemos que tem muitas mulheres seguindo a carreira de DJ profissionalmente. Como é essa questão para você e como e como enxerga a representatividade feminina na cena eletrônico?
Eu acho que pra iniciar essa resposta que vou precisar fazer um recorte. Se olharmos de modo geral, a representatividade feminina na música eletrônica ainda é sim muito baixa, mesmo com tantas DJs surgindo a cada dia mas, ainda assim, mulheres brancas têm tido cada vez mais espaço e isso é ótimo, mas não podemos deixar de pontuar a discrepância no número de DJs brancas e DJs pretas. Assim como DJs cis e DJs trans. Tem muitas camadas debaixo dessa representatividade e nada será suficiente enquanto TODAS as mulheres não estiverem ali: pretas, brancas, cis, trans, mães. É um caminho longo, que vejo que estamos trilhando, mas ainda tem muita água pra correr.
Nessa quarentena, muitos artistas passaram por muitos desafios, alguns DJs mudaram a sonoridade e outros fizeram longas pausas. Como tem sido esse momento para você?
Eu expandi muito meus horizontes em diversos aspectos, inclusive musicais. Perdi o medo de tocar coisas diferentes e principalmente aprendi que não preciso agradar ninguém. É difícil porque tem o público que cobra e pede sempre um set de house, uma “jogação”, mas me vi muito mais introspectiva e buscando inspirações fora do ambiente de pista, então aprendi a colocar outras sonoridades na minha pesquisa e no meu set. Fui convidada para diversos rolês online então me inspirei de muitas maneiras diferentes e aproveitei a falta de obrigação com a pista em si pra arriscar mais. De modo geral foi um período artisticamente intenso e rico pra mim.
Na sua visão, como serão as festas no futuro e o que espera para você?
Acho que serão iguais as festas do passado hahaha…
A alma da festa é a mesma desde as primeiras tribos que faziam rituais para diversos fins utilizando o festar, a dança, a celebração do corpo. Se vai mudar algo talvez seja para uma mudança positiva, com pessoas mais livres, com um pensamento de “e se acontecer uma quarentena de novo?”, com menos carão e julgamento e mais beijo na boca. Acredito numa expansão ainda maior da cultura clubber e das liberdades que temos em nossos espaços de celebração.
Se um dia fizesse um filme biográfico sobre você, qual seria uma ótima trilha?
Vou falar um antigo e um mais atual:
Atual – Black is King, da Beyoncé.
Antigo – Bad Girls, da Donna Summer.
E para encerrar, conte um momento importante de sua carreira que gostaria de compartilhar e deixe uma mensagem para os leitores.
Bem clichê falar isso, mas meu momento mais importante até hoje foi quando toquei pela primeira vez, na festa na Ayô Showcase, no Deputamadre. Foi uma onda muito grande de energia liberada e energia recebida e ali eu entendi o propósito do que eu estava fazendo o que eu estava fazendo. Dali em diante eu entendi qual seria o meu caminho e foi lindo ver meus amigos, muitos pretos e pretas, e estar num lugar que é meu segundo lar.
A mensagem que deixo é que nada nessa vida está posto. Você não TEM que ser algo só porque um dia você quis ser aquilo, e você também não é definido pelo que os outros pensam que sabem de você. Siga seu caminho, faça seus corres, siga seu coração. O que tiver que ser seu, será!