DESTAQUE | PERIGOSAMENTE TALENTOSA: Ella Nasser Reinventa o Pop e Conquista o Brasil

A história inspiradora de uma artista que superou obstáculos e conquistou o seu espaço brilhantemente

Perigosamente talentosa e inspiradora, Ella Nasser está conquistando o Brasil com sua música e história de superação. A DJ e cantora compartilha em entrevista exclusiva a sua jornada sendo uma artista multifacetada, superando obstáculos e se tornando um exemplo para a comunidade LGBTQIAPN+. 

Como grande representante da cena Open Format no Brasil, Ella traz uma versatilidade musical impressionante, e nos conta como transitou do pop ao tribal, conquistando o público com o seu trabalho e sua entrega, até como cantora.

Em uma conversa exclusiva com a Colors DJ Magazine, Ella fala sobre sua trajetória, desde a infância até os dias atuais, revelando os desafios que enfrentou e as conquistas que alcançou. Descubra como ela transformou sua paixão pela música em uma carreira de sucesso e como sua identidade como mulher trans, a impulsionou a ser uma voz importante para a comunidade LGBTQIAPN+ e se tornando uma DJ DESTAQUE.

Como foi sua primeira conexão com a música na infância? Havia alguma influência em casa ou você descobriu tudo sozinha?

Eu cresci dentro de uma casa onde as pessoas eram muito envolvidas com a música. Cada integrante com sua sonoridade. Meu avô, por ter vindo de uma roça no interior de Minas Gerais, escutava frequentemente seu sertanejo à moda de viola raiz todos os finais de semana. Uma das minhas tias com sua posição mais culta e séria amava MPB e tudo que ali estava para inspirá-la. Minha mãe amava as bobagens dos anos 90 como Mamonas Assassinas e É o Tchan. Meu pai por ser B-Boy (Break Dancer) já era obcecado pela cultura do Rap e Hip Hop que naquele momento estava crescendo muito forte dentro do Brasil. Mas minha identificação musical veio com uma outra tia que era fascinada pelas grandes divas dos anos 90 como Celine Dion, Mariah Carey e Whitney Houston.

Eu escutava todas aquelas músicas com vocais muito apurados e já na infância tentava imitá-las. Era muito difícil cantar uma música delas naquela época. Aquela sonoridade mais pop fez-me aproximar ainda mais dessa tia que trazia mais e mais daquele universo e eu, curiosa, passei a escutar muita rádio para descobrir mais sobre esses artistas que estavam presentes dentro da minha construção musical que como pode reparar, foi muito ampla.

Durante sua adolescência, quais artistas e movimentos musicais te inspiraram a mergulhar ainda mais nesse universo?

Os anos 2000, na minha opinião, foi o MAIOR E MELHOR MOMENTO da música pop, indiscutivelmente. Todos os artistas pop estavam com sangue no olho pra fazer as coisas acontecerem. As produções musicais eram geniais para aquela época! Foi ali que eu descobri Britney Spears que desde o seu primeiro lançamento trouxe momentos muito icônicos contribuindo com a cena de uma forma lendária. Já era época dos DVDs eu já tinha certa maturidade para entender o que eu gostava e não gostava mas certamente eu era OBCECADA por todas as artistas femininas que comandaram essa época. Eu gostava de assistir a todos os shows e fazer todas as coreografias de todas elas. Eu já consegui estragar um DVD das Pussycat Dolls do tanto que assisti! Era também o momento da ascensão da Rihanna com um dos maiores hits da história do pop: Umbrella. Aquele videoclipe me deixava fascinada!! Assistia diariamente a todos os canais de videoclipes dessa época e me alimentei disso por muitos anos sem entender que de alguma forma, tudo que vivi naquele momento foi um estudo para a construção da artista que sou hoje.

A transição de gênero coincidiu com o início da sua carreira como DJ. Como essa transformação pessoal e profissional moldou quem você é como artista?

A partir da minha transição eu pude entender todas as barreiras que são impostas para a vivência do meu recorte. Confesso que muita situação me abalou justamente pelo não entendimento da estrutura social que se formou ao longo do período em que não tínhamos artistas trans em evidência. Para além disso, veio o peso de ser pioneira na cena dentro do âmbito nacional. Ser a primeira DJ trans do Brasil trouxe ainda mais significado e também a resiliência de aguentar o que fosse preciso para conseguir levar minha arte adiante. Sabemos que pessoas que estão fora do recorte padrão precisam se empenhar 15 vezes mais que uma pessoa que tem facilidades e não foi diferente comigo. Precisei me cobrar demais e estudar ainda mais para que eu fosse respeitada e reconhecida pelo meu trabalho e não apenas como uma novidade no mercado. Dentro disso, estudei todas as possibilidades e também percebi tudo que eu sentia falta em eventos para encaixar dentro do escopo de artista que hoje eu tenho. Mas no começo não foi fácil. Lidar com a desinformação das pessoas com relação à transgeneridade foi realmente um grande desafio.

Seu primeiro set como DJ foi completamente inesperado. O que você lembra daquele momento e como foi perceber que estava no caminho certo?

Esse dia foi memorável! Era agosto de 2014 quando eu dei o meu primeiro play profissionalmente, mas já havia tocado outras vezes com amigos. Tudo começou quando numa casa noturna em que trabalhava como co-produtora houve um imprevisto: um dos DJs não poderia se apresentar na noite e avisou em cima da hora da festa deixando toda a produção de mãos atadas. Lembro de receber essa notícia tendo ficado muito ansiosa pois a gente não espera que isso aconteça dessa forma, na hora do evento. Eu sempre andei com meus pen drives de música pop onde tinham os meus garimpos mais preciosos com diversos novos artistas para além do mainstream que estávamos acostumados. Amava achar um remix legal com sonoridade mais eletrônica! Fazia esses pen drives para escutar nos carros ou em lugares em que estivesse com meus amigos. Pensando nisso, eu fui ensinada rapidamente em como mexia no equipamento e dei o meu primeiro play profissionalmente.

Tinha cerca de 1500 pessoas no local. Meu estômago embrulhando de nervoso pois nunca tinha subido num palco sendo focada daquela forma mas lembrei o quanto eu me divertia escutando as minhas músicas. Obviamente não fiz nada muito técnico como mixagens perfeitas porque no pop as técnicas funcionam diferente. Os cortes são mais secos e os drops bem diferentes. Me diverti demais tocando! Dancei, cantei e me fundi com o público de tal forma que parecia estar tocando pra mim! Foi um momento único que ao final, diante de tantos aplausos, fui convidada imediatamente para ser residente do local. A partir daí não parei mais!

O funk e o trance são gêneros que marcaram fases importantes da sua carreira. Como essas culturas influenciaram sua sonoridade e identidade?

Tanto o funk quanto o trance são muito conhecidos por suas batidas envolventes, seus sintetizadores únicos e baterias que trazem um grave mais forte à tona. O público das duas vertentes é justamente a galera que gosta de ficar grudada na caixa de som e eu sei bem qual é essa sensação. Nós DJs estudamos e trabalhamos todas as sensações que o som pode te proporcionar e com isso construí minha identidade dentro desse aspecto de drops mais fortes e sintetizadores que fogem do habitual. Isso fez com que eu me apaixonasse pelo tribal que atualmente tem trago muitas similaridades de construção musical dentro das outras duas vertentes.

Você pode reparar que o público do trance em rave é o mais animado do mundo! O público do funk é o que mais dança e rebola seu bumbum. No tribal temos a junção desses dois ritmos se tornando o som mais envolvente que temos. Tento incorporar tudo isso no meu set e tem dado muito certo! O público tem curtido bastante!

Após sua estreia, como foi a experiência de abrir shows de grandes artistas nacionais e conquistar espaço no cenário?

O fato de trabalhar em uma grande casa noturna me trouxe a oportunidade de estar no mesmo line-up com grandes nomes da música brasileira! Conheci muitos desses artistas e até hoje tenho uma amizade mais íntima com alguns desses grandes nomes. Quando eu comecei era o começo da ascensão de Anitta e Ludmilla, surgimento das nossas drags incríveis como Pabllo Vittar, Gloria Groove e Lia Clark trazendo consigo Pepita, nossa primeira grande artista pop trans no Brasil. Tive a oportunidade de abrir não só um mas vários shows de todas essas artistas ao longo de todos esses anos que, querendo ou não, essa experiência traz um peso pra nossa marca.

Para além da bolha LGBTQIAPN+ eu também tive a oportunidade de abrir o show dos mais diversos MC ‘s do funk e trap nos anos 16/17/18 que foi de Matuê e MC Kekel à Valesca Popozuda e Tati Quebra Barraco. Nesse período fiquei conhecida como a Rapunzel do Baile Funk, pois usava tranças muuuuito longas brancas e isso ficou muito marcado dentro da minha carreira. Furar essa bolha e colocar uma travesti dentro desse meio abrindo o show desses artistas foi algo que me deixou muito orgulhosa do meu trabalho e me dando a certeza que eu poderia ir cada vez mais longe.

Ser a primeira DJ trans no Universo Paralello foi um marco histórico. Qual foi o impacto desse momento na sua vida e na sua trajetória artística?

Nunca foi uma ressalva para o festival levar uma artista trans para os palcos. Acontece que até então não tinha uma DJ trans. Além de ser a primeira do festival, eu também sou pioneira da cena no Brasil e ter o meu primeiro festival no currículo sendo o Universo Paralello foi algo que todos a minha volta olharam com espanto, inclusive eu. A gente sempre espera que iniciaremos em festivais menores da nossa cidade, sabe? Mas aconteceu diferente. E a partir disso muita gente me olhou com outros olhos. Foi uma experiência incrível e que pretendo repetir em breve.

Durante a pandemia, você migrou para o Tribal House em uma situação desafiadora. O que essa mudança representou para você e como foi a recepção do público?

Se tem uma coisa que eu amo mais que a música é um desafio! Eu sou ariana, né?! Sempre fui DJ Open Format, então fazer um set de um gênero que na época eu não entendia NADA tecnicamente falando foi algo que me fez brilhar os olhos. Assim que recebi o convite do Thales Sabino para integrar a live promovida pela Victoria Haus, fiquei muito feliz e pensativa sobre como eu faria para conseguir desenvolver esse projeto em 7 dias pois era o tempo que faltava para a gravação. Em 7 dias precisei estudar sobre a cena, pesquisar as músicas, entender sobre a técnica de mixagem e treinar na prática. Claro que eu tive ajuda de vários amigos, principalmente os que são artistas da cena como o Tommy Love e o Tits. Eles são minhas referências dentro do meio e assim pude desenvolver isso de uma forma mais leve sem me desesperar.

Sempre sou muito grata pelos meus amigos que estão ao meu lado e fizeram isso acontecer. No dia da gravação eu estava muito nervosa mas consegui projetar isso da melhor forma e levei um set alegre, leve e com batidas super envolventes. A recepção do público foi super calorosa e recebi dezenas de feedbacks, todos positivos sobre esse set nas minhas redes sociais. Nesse momento eu entendi que precisava fazer essa transição do pop para o eletrônico e tem sido muito divertida essa minha caminhada!

Como foi integrar a Lainer Company e representar o Tribal House em um nível nacional e internacional?

Assim que eu recebi o convite para integrar o elenco da agência que conta com grandes nomes da nossa cena, fiquei lisonjeada! Foi inesperado, ainda mais sendo o começo da minha carreira dentro da cena. Apesar de ter uma vasta bagagem enquanto DJ, entrar no Tribal ainda era muito recente, mas me deu uma virada de chave muito importante principalmente no que diz respeito a produção musical e tudo que eu gosto dentro de um set. Dia desses eu abri os insights do meu último set lançado no Soundcloud e quando vi que ele tinha sido reproduzido por um mesmo usuário 47 VEZES em 1 mês de lançamento (até aquele momento) tomei um susto! Logo depois pude notar que também foi reproduzido em diversos países e em todos os continentes!  Entender que meu trabalho ultrapassa fronteiras é algo que me deixa muito feliz mesmo! E não é só isso… A partir da agência tive a oportunidade de viajar para todas as regiões do Brasil levando meu trabalho sempre com muita paixão pelo o que eu faço e esse sentimento não há dinheiro no mundo que pague. Sou muito grata pela história que estamos construindo juntos!

Você também é cantora e acaba de lançar “PERIGOSAH”. O que te motivou a revisitar esse clássico e transformá-lo em algo tão vibrante?

Acho que todo mundo deve ter se assustado quando viram que para além de tudo eu também cantava, né? Até hoje recebo inúmeras mensagens das pessoas incrédulas perguntando se sou eu mesma cantando pois achavam que eu tinha apenas produzido a música em collab com Tommy Love e Ennzo Dias. Mas confesso que assim que recebi o convite do Tommy e do Ennzo para fazer parte desse projeto colocando os meus vocais para regravar oficialmente essa obra que foi composta pela lendária Rita Lee, meu coração quase pulou pra fora! Ter a sua primeira música lançada com a ficha técnica que carrega “PERIGOSAH” é de uma responsabilidade sem tamanho!

Repaginamos o hit dentro do tribal de uma forma que ainda ficasse pop e atualmente estamos trabalhando no remix de funk dessa música que conta com grandes nomes da nossa cena underground nacional e que eu não vejo a hora de poder compartilhar com vocês!

Com tantos marcos na sua carreira, qual você diria que foi o momento mais desafiador e como você o superou?

Temos que concordar que todo momento sempre é desafiador dentro da carreira de um artista. Sempre um leão por dia. Às vezes vem leão e gorila junto, mas juntinho de Deus vamos vencendo! E sem sombra de dúvidas o momento mais desafiador da minha carreira aconteceu esses dias atrás onde eu tive que subir pela primeira vez no palco para apresentar “PERIGOSAH”, ao vivo, ao lado de Tommy Love, DE SURPRESA, em Brasília, minha cidade natal. Amo cantar num karaokê desinibidamente mas cantar para um público de mais de 1000 pessoas não tinha passado pela minha cabeça nesse momento. Tive diversas crises de ansiedade durante a preparação desse momento, que contou com dancers, ensaios vocais e de coreografia. Além de tudo, Tommy pediu que eu cantasse “Shake It Out”, um de seus maiores hits junto com “Perigosah”. Isso aconteceu logo após eu me apresentar em outra festa que também precisava de muita atenção.

Lembro da primeira vez que se apresentou como DJ e senti a mesma sensação do meu estômago querendo embrulhar de nervoso. As primeiras vezes sempre são assim, né? Mas entrei no palco na força e na coragem e quando eu soltei um “Vocês acharam que eu não ia estar aqui hoje? BORAAA” e o público GRITOU VIBRANDO, tudo passou e fiquei muito confortável em poder cantar e performar minha música pela primeira vez, ainda mais sendo na minha cidade com o público que tanto amo e que torcem por mim. Agora pode vir leão, gorila e baleia: ELLA ESTARÁ PRONTA!

Olhando para o futuro, quais são os próximos passos para Ella Nasser como DJ, cantora e artista multifacetada?

Se eu fosse te falar que o desejo da Ella é ser a melhor do mundo seria o mais apropriado para o que almejo para o meu futuro. E apesar de parecer ambicioso demais, sempre tive dentro de mim que se eu não sonhar alto eu nunca vou superar os meus próprios obstáculos e por isso coloco o sarrafo lá em cima para poder a cada dia me superar mais e mais, sempre na cabeça que eu posso e vou alcançar meu objetivo.

Tenho diversos planos para a minha arte e para tudo que a Ella representa dentro desse cenário atualmente. Espero conseguir alcançar com o apoio de todo meu público que me acompanha e que sou muito grata pois se eu cheguei até aqui nesse momento, foi por causa dessa galera! Inclusive queria deixar aqui o meu MUITO OBRIGADA por sempre estarem ao meu lado sempre! Ainda tem muita coisa por vir e tô com muita vontade de fazer acontecer!

Que mensagem você gostaria de deixar para artistas LGBTQIAPN+ que estão começando agora e se inspiram na sua trajetória?

A vida artística não é fácil e as coisas não vão acontecer de um dia pro outro. É preciso ser forte, resiliente e paciente para conseguir chegar nos seus objetivos. Mas apesar disso a arte revigora quem precisa de vida e apavora aqueles que não são de verdade! A arte salva vidas! Se joga de cabeça no que você quer fazer sempre com muito estudo e humildade para entender os seus momentos! Se você confia e acredita em você mesmo, você vai chegar lá!

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DIH AGANETTI

Editor-executivo e Repórter
Edição de texto: Orly Fernandes

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