DESTAQUE | DO ROCK AO HOUSE: A Jornada de DJ Smith pela Música Eletrônica

Explorando Raízes e Modernidade, DJ Smith Reflete Sobre Sua Carreira e a Evolução do Projeto VOXICODE

A música é uma jornada que começa cedo para muitos, e com DJ Smith não foi diferente. Desde os primeiros contatos com o rock influenciado por seus tios até a imersão na cena do hip-hop e a descoberta do house music, sua trajetória é marcada por uma paixão constante e uma busca incansável por evolução. Hoje, com uma carreira consolidada como DJ e produtor musical, ele revela como suas experiências moldaram o projeto VOXICODE, uma fusão entre o passado e o futuro da música eletrônica.

VOXICODE, é uma figura emblemática na cena da música eletrônica brasileira. Com uma carreira que atravessa décadas e estilos, desde o rock até o house e o techno, ele representa uma abordagem multifacetada da arte de discotecar e produzir. Inserido em um cenário musical que valoriza tanto as raízes quanto às inovações, se destacando pela sua capacidade de adaptar-se e inovar, sempre mantendo um pé firme na tradição e outro no futuro.

Nesta entrevista, VOXICODE abre o coração e compartilha detalhes de sua inspiradora jornada pela música eletrônica. Da influência dos primeiros discos de rock aos desafios enfrentados na busca por uma carreira como DJ, ele nos leva por um caminho de superação e paixão. Vamos conhecer as origens deste projeto, suas reflexões sobre ser um produtor multi estilos, e seus conselhos valiosos para quem está começando. Uma leitura essencial para quem deseja entender mais sobre a evolução da cena musical e o papel transformador que ela desempenha nela.

Como foi o seu primeiro contato com a música aos 6 ou 7 anos, influenciado por seus tios metaleiros? Você ainda possui alguns daqueles discos de rock?

Eu cresci ouvindo discos de vinil nos anos 70. Ainda criança eu ficava horas junto a esses meus dois tios que amavam Rock, então eu afirmo que essa foi a minha primeira “escola”musical que incluía também os LP’s de Disco, que estava em plena ascensão na época. Uriah Heep, Led Zeppelin, Pink Floyd, Alice Cooper, Black Sabbath foram as influências que entraram na minha mente. Esse encanto pelos discos e a familiaridade com eles acabaram me guiando depois. Eu ainda tenho alguns daqueles discos, acabei ganhando de um dos tios, já falecido.

Aos 11 ou 12 anos, você descobriu o hip-hop na estação São Bento, em São Paulo, e viu um DJ em ação pela primeira vez. Como essa experiência moldou sua paixão pela música e pela carreira de DJ?

Pois é, me lembro de um saudoso passeio por SP e esse meu tio (que me deu os discos) acabou me levando na estação São Bento do metrô, onde vinha acontecendo uma cena importantíssima do Hip-Hop Nacional. Acho que foi ali em 1985, eu nunca tinha visto nada igual, aquele movimento todo e fui absorvendo o que ocorria em termos de ritmo, música, dança, de repente eu olho e vejo um cara com um fone de ouvido e dois toca-discos. Acho que o tempo deve ter parado pra mim naquele momento (risos). Eu não queria sair ali de perto, meu tio me disse o que era: “um DJ”. Daquele dia em diante tinha entrado outra informação na minha cabeça de garoto, só que criei uma emoção gigante em torno daquilo. Senti vontade de fazer aquilo com os discos que estavam na casa da minha avó! (risos).

MIRANTE FM 92,1 - SÃO JOÃO DA BOA VISTA-SP, ONDE TOCAMOS NOSSAS PRIMEIRAS FITAS K7.

Aos 14, 15 anos, você descobriu a House Music e começou a criar seus próprios remixes em fita K7. Como foi esse processo e o que ele significou para sua evolução como artista?

Eu falo disso sempre lembrando e rindo. Era desafiador e divertido. O ano era 1988 e eu estava morando no interior de SP, em São João da boa Vista. Fiz uns amigos loucos por música e um deles,  Adriano, vulgo “carcaça” (risos) me apresentou um vinil de “HOUSE”. Eu nunca tinha ouvido nada a respeito. Naquela época outro amigo amava o hip-hop (na verdade chamavam de “break”) e a gente passava horas ouvindo e gravando fitas cassete do gênero, então a tal de “House”era novidade pra mim. Confesso que quando colocamos a agulha no disco minha cabeça deu um 360 graus…acho que era algo do Marshall Jefferson. Dali pra frente eu e outros amigos viramos uns obcecados por comprar discos e fazer uns “remixes” (risos) que na verdade eram feitos com 2 toca-discos desses domésticos, modulares (CCE, Cygnus, etc) que o Adriano tinha. Dava um trabalho danado pra gravar os pedaços, meio que umas “edições” que a gente gravava nas fitas cassete. Acabava ficando “aceitável” e a gente levava lá na rádio para tocar numa programação específica de House Music que rolava às sextas a noite. De vez em quando acabavam soltando no ar (risos). Essa fase foi muito marcante pra mim porque esses processos de comprar discos, gravar fitas, ouvir emissoras de rádio frequentemente me colocaram diante da figura do DJ novamente e acendeu uma chama pra manter o propósito. E nesse momento eu aprendi a gostar do lado underground da House e posteriormente do Techno, Acid House, Hip House, Jungle, Synth Pop. E a gente incorporou mesmo que éramos DJs, o meu “nome artístico”era “DJ Falk”(risos). Esse tempo foi uma definitiva reviravolta pra mim porque pela primeira vez eu pude sentir um pouco do que seria ser um DJ, envolvido com veículos de comunicação e com a música eletrônica.

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao tentar iniciar sua carreira de DJ, especialmente com a oposição da família e as responsabilidades da vida, como faculdade e trabalho?

A história é longa mas em resumo minha carreira foi feita em várias etapas, como nunca deixei de ouvir de tudo (até discos de novelas e fitas cassete que lançavam em revistas) eu tentava achar uma fonte que me desse um “start” pra ser DJ, mas ainda era um adolescente e as várias mudanças de cidade (incluindo São Paulo) por parte da família me distanciaram disso. No entanto, houve um momento ali pelos 15 anos de idade que acabei conhecendo DJs em emissoras de rádio e a empolgação veio a mil. Eu praticamente “morava” numa dessas emissoras e todos os funcionários me conheciam, inclusive era louco pra trabalhar lá, mas nunca era aceito (risos). Nessa época eu falei com meus pais sobre essa profissão, mas recebi um balde de água fria do meu pai que disse que “isso era inadmissível, coisa de vagabundo”. Mesmo assim continuei com minhas pesquisas, comecei a comprar discos, me envolver aos poucos, só que decepcionado e sem apoio da família. Só mais tarde, no final dos anos 90 que outras coisas aconteceram a favor mas as responsabilidades com a faculdade e ter que trabalhar pesado não me deixaram ser DJ.

Em 2008, você finalmente conseguiu começar sua carreira de DJ de forma definitiva. Quais foram os projetos que mais marcaram essa fase inicial?

Eu já estava consolidado profissionalmente (não como DJ), casado, meus filhos já nascidos. Em 2006 encontrei oportunidade de aperfeiçoar técnicas que foram fragmentadas desde os anos 90, já que tive contato com vários DJs que tocavam em vinil. Essa “somatória” do que eu havia aprendido aos poucos nos anos anteriores culminaram em ter que aprender técnicas em CDJ. Eu não morava mais em São Paulo, tinha me mudado para Poços de Caldas-MG e busquei um professor. Acabei encontrando o Anderson Quintino, DJ Kents (in memorian) que me acolheu neste projeto colocando na minha frente os CDJs 100-S (risos). Fiquei pronto em 2008 e comecei a tocar nas festas regionais e conhecer um montão de gente do meio. Inicialmente focado no psy trance e Techno, logo em seguida tocando Minimal, House e depois criei um projeto em 2010 que inclui minha esposa e um amigo, ambos DJs. O projeto se chamava “Volt” e era focado no Electro e Fidget House. Propriamente dito o “DJ Smith” veio de 2008 pra cá. Teve um outro projeto que eu gostaria de citar que foi um convite que recebi em meados de 2010 pra fazer um programa de rádio numa emissora aqui na minha cidade. Aceitei de primeira e o nome do programa era “DJ 87”, na 87,9 FM Comunidade. Todos os sábados das 17h às 19h por 1 ano e o foco era a apresentação da música eletrônica e da figura do DJ, mixando ao vivo.  Geralmente eu abria a primeira hora e pra finalizar eu levava um convidado, era muito legal a programação! Isso realizou de certa forma meu sonho de adolescente de trabalhar em rádio! (risos).

Em 2019, você iniciou sua jornada como produtor musical. Como foi essa transição e quais foram as principais influências para o desenvolvimento do seu som?

Todo mundo vinha me falando “faz teu som”. Mas eu AMO SER DJ. Minha paixão é pesquisa, é o palco. A atmosfera das festas, os “afters” e toda essa coisa positiva e enérgica que é ser um DJ. Sempre fui muito resistente a ficar sentado em frente a um computador repetindo timbres várias e várias horas ao criar músicas. Só que eu fui amadurecendo a ideia de que era a hora certa pra de repente eu deixar meu pedacinho na história da música colocando minhas “escolas musicais” que adquiri desde a infância no mercado fonográfico. Sei lá, era pegar ou largar. Acabei me apaixonando por esse outro lado, o de Produtor Musical, adquiri paciência, montei meu humilde estúdio e assim venho desde 2019. As minhas influências mais fortes vem da House e do Techno lá dos anos 90. O VOXICODE se baseia em não perder esse rumo, preservar as raízes de certo modo e somar modernidade nas composições, sempre do lado underground.

Você já foi professor de DJs e atualmente ensina produção musical. Como essas experiências como educador impactaram sua visão sobre a música e a carreira de DJ?

Eu acabei encontrando a escola Over One no meio disso tudo, ali perto de 2009, 2010. Está situada em São João da Boa Vista-SP. Coincidentemente, eu voltei a estar atuando na mesma cidade que me deu um impulso definitivo. Fui convidado a ser um dos professores do curso de DJ em 2012 e fui até 2017, 2018. Em 2021, a escola achou necessário incluir o curso de produção musical e assim eu assumi a pauta. Ser educador nessa área é extremamente revelador de coisas na profissão que te fazem crescer muito, porque você tem a necessidade de ser maduro o suficiente não só em questões técnicas, mas também como um conselheiro, mestre, educador, guia. Quem chega na sala de aula merece muito mais atenção, conselhos que vão desde postura e ética até incentivo a pesquisa, marketing, networking, etc. Não é só saber tocar, existe um mundo enorme em volta da profissão que precisa ser abordado. O mais importante é que assumindo essa responsabilidade permitiu a escola me lapidar numa esfera muito ampla e coloco isso como outro marco elevado na minha carreira. Quem ensina acaba aprendendo muito mais.

CONECT.A - UBATUBA-2021.

O seu projeto VOXICODE é uma fusão entre o passado e o futuro da música eletrônica. Como você enxerga essa conexão entre sons e ritmos antigos e modernos nas suas produções?

Esse meu “apego” aos sons dos meus queridos discos que tive meio que viraram um processo natural na minha mente. Quando estou produzindo eu busco referências lá os anos 90 pra frente. Mesmo que eu ache “simples” uma faixa lá de trás eu tenho um gosto enorme por certos timbres, instrumentos, vocais, samples. No fim sempre eu jogo uma “pitada” desse tempero oldschool, nem que seja um pouquinho nas minhas faixas. Acho que dessa forma eu estou sendo justo com a caminhada da música eletrônica e sinto um conforto por manter esse legado. Não abro mão de sons das icônicas 303, 808, 909…Sintetizadores como Moog, Juno, Yamaha e samples clássicos de vocais ou outros sons que quem ouve e foi daquela época já se liga que a “parada é meio old”. Ao mesmo tempo, eu sou curioso com tecnologia. Tem coisa nova que é de muita qualidade e assim eu coloco no arranjo e essa junção é muito bacana de fazer.

 

Você tem explorado diferentes estilos dentro da música eletrônica. Como você vê as vantagens e desvantagens de ser um produtor multi-estilo versus se fixar em um único gênero?

Acho que a minha conduta como DJ de “não ter um rótulo” e saber tocar em qualquer pista acabou dando as cartas na minha carreira de produtor. Já produzi House, Tech House, Techno, Acid House. Isso é fruto de “acordar mais House ou mais Techno”(risos) naquela manhã, talvez. Isso tem uma enorme vantagem educativa porque eu aprendo várias faces da música, vários métodos de produção diante da estética de cada estilo ou vertente e dessa forma estou sempre pronto para assumir rumos diferentes. Mas tenho pensado bastante sobre um ponto: “QUEM É O VOXICODE?”. Essa questão me levará  em algum momento próximo a adotar um lado fixo da música, seja próximo da House ou lá encostado no Techno. Acredito que hoje ao ser “multi-gênero” o meu projeto não tem um público fiel ou fãs diretos que se identifiquem com ele, com a minha filosofia de trabalho. A identidade sonora que busco aperfeiçoar já existe em torno do que o projeto propõe, mas neste momento ainda não me fixei numa vertente. Acho que isso acaba impactando inicialmente no contratante que não sabe exatamente para onde estou indo. Outra consequência direta disso é não ter uma “bandeira” que eu possa levantar para um público que de repente seja meu “fã-clube” e que seja o consumidor e propagador do meu trabalho. Eu não gosto de rótulos mas dou exemplos como: quando se diz Stephan Bodzin, na hora vem a mente o Techno melódico…quando se diz Black Coffee, já está implícito o Afro House. Isso traz uma IDENTIDADE ARTÍSTICA , um RÓTULO e é nesse ponto que evidencio minha situação.

Quais são seus planos para o futuro e como você enxerga a evolução do projeto VOXICODE nos próximos anos?

Meu plano é continuar incansavelmente esse trabalho baseado nas minhas decisões (o que citei acima sobre fixar-me numa vertente). Essas decisões podem acertar muito o rumo e a evolução desse projeto. Estudar também é parte da rotina. Vejo que muitos produtores acabam por acreditar que “já sabem o suficiente”e ficam estagnados num ponto. Estou satisfeito com o que venho fazendo, mas nesse cenário o conhecimento sempre será um fator maior. O que não tem como eu abrir mão é o fundamento: buscar nas raízes os ingredientes para o projeto ser sólido.

 

 
 
 
 
 
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Uma publicação compartilhada por Voxicode (@voxicodelive)

Qual conselho você daria para quem está começando agora na carreira de DJ e produtor musical?

Nossa, são tantos, daria uma pauta só pra isso! (risos). Mas o principal seria: não tenha pressa, curta o processo, estude muito, seja original e tenha uma biblioteca vasta de músicas. E nunca ache que você é bom demais — sempre há o que aprender!

Repórter: Di Aganetti

Edição de texto: Orly Fernandes e Dih Aganetti.

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