DESTAQUE | DO GOSPEL AO OPEN FORMAT: DJ Felipe Ferr e a história da música em sua vida

Um bate-papo com o artista que está conquistando o coração da comunidade LGBTQIAPN+ e que une fé e festa nas pistas

De um altar de igreja para as pistas de dança mais quentes do país, a história musical de Felipe Ferr é uma verdadeira inspiração. O DJ e produtor revela como sua fé, sua paixão pela música e sua conexão com a comunidade LGBTQIAPN+ moldaram sua carreira.

Quem disse que DJ não pode ouvir gospel? Ferr quebra paradigmas e mostra que a música não tem limites. Com uma sonoridade única que mescla house, afrobeat e funk, o DJ carioca conquista cada vez mais espaço na cena eletrônica brasileira.

Confira neste bate-papo exclusivo, o que ele fala sobre sua trajetória, seus desafios e seus sonhos. Descubra como um jovem que cresceu ouvindo gospel se tornou um dos principais nomes da cena open fortmat brasileira e como ele utiliza sua música para promover a diversidade e a união.

Felipe, conta pra gente como foi seu primeiro contato com a música e como o Gospel influenciou seu início nesse universo.

Meu primeiro contato surgiu em casa. Meus pais são apaixonados por música e são muito conectados devido a religião, pois são pastores de uma igreja evangélica, então o Gospel foi o primeiro e um dos únicos estilos que ouvi por anos. Eu adorava cantores e bandas de Pop-Rock como Diante do Trono, Nívea Soares, Hillsong, Fernanda Brum, etc, e também Soul/Black Music, como Kirk Franklin e Mary Mary.  Confesso que até hoje ouço alguns dos artistas que eu adorava na época de igreja (risos) me julguem, mas eu não me julgo, já resolvi isso em terapia (risos). Gente eles fazem parte da minha infância e adolescência, não tem como apagar isso (risos).

Você mencionou que vem de uma família musical. Como esse ambiente te motivou a aprender instrumentos como bateria e violão?

Meus pais adoram cantar, são super afinados. Meu pai toca bateria, e devido a necessidade de músicos na igreja, ainda novo comecei a fazer aulas de bateria, depois violão e teclado, mas confesso que sou muito melhor na bateria (risos). E hoje na família meu irmão mais novo é um multi-instrumentista, tocando violoncelo, violão, bateria, teclado e também canta. Somente minha irmã do meio é mais tímida para cantar, mas adora música também.

Como foi a experiência de liderar uma banda na igreja e até criar músicas próprias? Isso te preparou de alguma forma para o que viria depois?

Na igreja do meu pai surgiram alguns grupos de música, com adultos, mas não vingaram. No período que estava aprendendo violão, comecei a ter oportunidade de cantar e tocar, e com isso algumas pessoas queriam cantar também e fizemos um grupo (a maioria era bem desafinada e eu ficava com muita vergonha alheia, maaaas seguimos). Com o tempo a galera foi renovando e chegaram os músicos e cantores. Eu e outro amigo nos tornamos os líderes do grupo, eu falei com ele sobre qual seria a essência do nome e ele surgiu com o nome: “LIVRATO” (livre+ato), uma ideia de liberdade e libertação. Começamos a escrever algumas músicas, e era demais. Imagina um grupo de jovens com espaço, estrutura e instrumentos disponíveis para ensaiar e deixar a criatividade acontecer. Tudo isso me ajudou a ter uma melhor noção musical, de repertório e feeling, três bases para todo DJ.

Quando você deixou a igreja, o que te levou a sentir falta da música e decidir que queria ser DJ?

Foi um período difícil para minha vida, tive que aprender a andar sozinho em um mundo que eu desconhecia. Gente eu só ouvia gospel, tá ligado? Mas os amigos da faculdade me ajudaram a me encontrar ou a me perder (risos). Fui conhecendo muitas pessoas, frequentando muitas festas, e comecei a trabalhar como promoter e hostes, mas realmente senti muita falta de mexer com música. Me tornei amigo de muitos DJs que eu ouvia, como Bruna Strait, Nicole Antunes, Foxx, Victor Mencareli e Duda Oliver, e foi quando tive um insight: “Quero ser DJ! Assim volto a trabalhar com música.” E não parei mais!

Você compara o trabalho de um DJ a um guia espiritual. Como você enxerga essa conexão entre música e energia no que faz?

Nosso cérebro é muito sensível à música. Facilmente podemos ir do fundo de uma depressão até o pico de uma alegria incontrolável ouvindo um álbum, por isso acho que somos guias espirituais, pois temos a capacidade de direcionar as emoções da pista tanto para se tornar uma experiência péssima quanto inesquecível.

O que te inspirou a dar o próximo passo é se tornar produtor musical? Como foi lançar seu primeiro remix oficial com a Monifah?

Eu sempre quis mexer nas músicas que eu tocava, mas não sabia como fazer, então procurei um curso de produção musical. Outro fator foi o mercado, hoje ser apenas DJ não é suficiente, então ser DJ e Produtor Musical te coloca em um diferencial. Comecei a fazer meus mashups e remixes, e nisso tudo surgiu o convite para produzir meu primeiro remix oficial e para uma artista internacional, a Monifah que é um ícone do R&B americano dos anos 90. Sério, em um ou dois dias eu mandei a demo para eles e adoraram. Foi minha primeira experiência trabalhando na produção com uma outra artista famosa e foi maravilhoso!

Seu som tem uma mistura incrível de estilos como House, Afrobeat e Funk. Como você desenvolveu essa identidade musical tão única?

DJ que toca apenas um estilo pode ser bom, pois torna-se um especialista no segmento, mas também limita muito. Gosto de brincar no meu set, incluir outros estilos, fazer mixagens e mashups inesperados. Comecei tocando Funk, depois conheci o Afrobeat e por último o House, que são sonoridades criadas pela comunidade negra e periférica, e essa não é a única semelhança, pois há uma conexão sonora também, uma energia, uma vibração e uma força de celebração.  Sou do Open Format, mas não são todos os estilos. Eu só toco o que me identifico. Minha agência já propôs me inserir em outro segmento, mais rentável e tudo mais, mas eu não aceitei, pq para eu entrar em alguma coisa, aquilo precisa primeiro me tocar e depois vou pensar em dinheiro.

Você já tocou em diversas casas noturnas e labels icônicas pelo Brasil, além de eventos de marcas globais. Quais dessas experiências marcaram sua trajetória até agora?

Todas as casas que toquei foram muito especiais, inclusive quando toquei para a  Cielo e L`Oreal Brasil, mas nada se compara em ter tocado na abertura da Primeira Expo Internacional Dia da Consciência Negra em São Paulo. Gente o Gilberto Gil, Elza Soares se apresentaram no dia e eu ali sendo o DJ oficial da abertura. Um dia marcante.

Como DJ residente da Parada LGBTQIAPN+ do Rio de Janeiro e coordenador do departamento de DJs, qual o impacto desse trabalho na sua carreira e na comunidade que você representa?

Fazer parte do Grupo Arco-Íris, um grupo que está há 30 anos lutando pela cidadania LGBTQIAPN+ no Rio de Janeiro é poder contribuir ainda mais para minha comunidade, e melhor através do meu trabalho. Na coordenação junto com outros DJs conseguimos conhecer o trabalho de artistas de todo o Rio, de vários segmentos, novos talentos, outros com mais tempo de estrada, e darmos a oportunidade de tocar em uma das maiores paradas LGBTQIAPN+ do mundo. Isso é inspirador!

Nas redes sociais, você se destaca com seus mashups e remixes. Como é a relação com seus seguidores e o que você mais gosta de compartilhar com eles?

Eu tenho seguidores que falo todos os dias, mas que nunca conheci pessoalmente (risos). Esse é o poder das redes sociais! Adoro compartilhar tudo o que faço, desde produções ou um aftermovie até os biscoitos, e eles comentam em tudo (risos). Eles são incríveis, e muito conscientes. Às vezes aparece um ou dois falando merda, mas aí toma uma resposta, um blog e fica tudo certo. Mas realmente curto muito essa proximidade. Inclusive estou começando a pensar em fazer lives para termos uma troca melhor e mais próxima.

A música já te levou para várias partes do Brasil. Qual foi a maior surpresa ou aprendizado dessas viagens?

Cada Estado tem seu jeito de ouvir e curtir a música, e algumas vezes achei que não iria conseguir tocar e conquistar a pista, mas de verdade em todas recebi vários elogios do público e dos produtores. Então eu aprendi que preciso confiar mais em mim mesmo, porque estou preparado e tenho capacidade de fazer muito bem meu trabalho.

Você tem planos de levar sua música para outros países e grandes festivais. Quais são seus maiores sonhos nesse sentido?

Quero fazer minha primeira tour internacional e tocar em todos os festivais brasileiros (risos), principalmente os que já fui e adorei como Afropunk, Festival Batekoo, Rock in Rio, Rock The Mountain e Lolla, e também nos que ainda não conheci. Estamos trabalhando para isso e ano que vem chego lá. 2025 vem com tudo!

Além de produzir trilhas para comerciais e tracks autorais, você mencionou o desejo de produzir outros artistas. Como você imagina esse papel na sua carreira?

Seria outro passo de crescimento alcançado. Ter uma artista cantando uma música que eu produzi pra mim seria o ápice de verdade. Quando esse dia chegar podem ter certeza que estarei me achando muito (risos).

Para fechar, qual mensagem você gostaria de deixar para sua comunidade negra e LGBTQIAPN+ que acompanha seu trabalho e se inspira na sua trajetória?

Não desista do que você ama fazer! Se prepare, estude, mas também confie em você!

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DIH AGANETTI

Editor-executivo e Repórter
Edição de texto: Orly Fernandes

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