Ela é uma artista que se entrega e faz tudo com toda sua verdade, trazendo em seu projeto solo, uma atmosfera contagiante com sonoridades que transitam entre o techno, electro, house e breakbeats. Em 2021, entrou para a editora Diversall Music, na qual sua parceria com a Ella De Vuono ficou ainda mais evidente, realizando vários lançamentos e entrevistas em revistas como DJ Mag, Alataj e Music Non Stop. Também realizou lançamentos em gravadoras como a Under Division Records e Hotstage Records.
Iniciou como produtora musical e, posteriormente, como DJ em 2018 se apresentando pela primeira vez no palco do FAU, no Rio de Janeiro e conquistando cada vez mais espaço se apresentando em locais como D.Edge Club (São Paulo), Cave Club (Santos) e no coletivo Noise Jumpers. Atualmente, ela faz parte do projeto Toralina, de Campinas, uma comunidade LGBTQIA+ fundada por seus amigos para a criação de eventos que abrange músicas eletrônicas em geral, não apenas o que acompanha em sua carreira solo, mas o pop, funk e hip hop. Pianista há mais de uma década, além da carreira solo, possui um projeto musical em parceria com a baixista Krys Freitas intitulado “Mandala Vermelha”.
Elisa Audi conta para a gente nessa entrevista todo o trabalho que foi feito ao longo desses anos para alcançar o reconhecimento como produtora e DJ da cena eletrônica. Fala também sobre a sua relação com o piano, início de carreira, projetos musicais, seu processo criativo, e também, fala um pouco da dificuldade de ser mulher no seu ambiente de trabalho.
‘’…eu me toquei que tem pessoas que gostam do que eu faço, mesmo eu achando que não estava bom’'
- DJ Elisa Audi.
Como foi o início da sua carreira de DJ? Conta pra gente como tudo começou e como foi a experiência de tocar pela primeira vez para o público.
Tudo começou com o meu irmão dizendo “você vai ser DJ”, mas na época estava focada em passar na faculdade, então eu lhe disse: “você não sabe do que está falando”. Saía com meus amigos para algumas festas e festivais, foi quando fui para a Tomorrowland no Brasil em 2016 e me dei conta de que eu queria mesmo ser DJ, porque também queria entregar às pessoas esses momentos prazerosos, porém quando percebi isso, eu tinha acabado de passar no vestibular em uma universidade que eu tanto almejava, a Unicamp. Então, comecei a tocar em algumas festinhas da faculdade e de amigos e também gravava sets pelo Virtual DJ, meus amigos me aconselharam a postar esses sets no Youtube, mas eu tinha relutância em fazer isso, pois eu não sabia mixar, fazia apenas por hobby, até que um dia resolvi publicar e teve uma grande repercussão, e, a partir daí, eu me toquei que têm pessoas que gostam do que eu faço, mesmo eu achando que não estava bom. No terceiro ano da faculdade, eu entrei em depressão e com o apoio da minha família, pude trancar o curso para focar apenas na música. Em 2018, entrei na AIMEC, em Campinas, fiz o curso de produção musical e posteriormente de discotecagem, ao me formar participei de um concurso para DJs no qual o vencedor faria o warmup para o Festival de Ativação Urbana no Rio de Janeiro e, então, eu ganhei e essa foi minha primeira gig (primeiro trabalho sendo DJ). Estava muito nervosa e ansiosa, mal conseguia dormir e estava super feliz em tocar durante 3 horas, foi uma experiência bem legal.
Sabemos que você é pianista há 10 anos, o que te levou a querer aprender a tocar piano? Qual é a relação que você observa entre ser pianista e DJ, você acha que as duas coisas estão conectadas?
Meu pai era fanático por música, um dia levou um teclado para casa e meu irmão começou a estudar esse instrumento, eu com 7 anos, gostava de ver ele tocando, então comecei a fuçar o material dele e ele me ensinou todas as notas musicais, me apaixonei pelo instrumento. Sete anos depois, comecei a tocar sozinha e a fazer aulas. Acho que tem relação, pois tanto tocar piano, como a arte da discotecagem envolvem em você depositar ali o que você está sentindo naquele momento, colocando notas mais fortes ou mais leves no piano, com bastante ou pouca expressão e colocando efeitos na mixagem, de virar uma música com a outra no momento certo.
Você é uma DJ que toca Techno, Electro, House e Breakbeats. O que te levou a querer tocar essas vertentes da música eletrônica?
Quando iniciei essa profissão, eu era apaixonada por techno melódico, posteriormente ao ir frequentando festas como a Bicuda e a Mamba Negra percebi que outras vertentes como o electro e o breakbeat condizem mais com a minha identidade. Passei também a me encantar por sonoridades com o grave mais pesado, como no techno industrial e com vocais como ouvimos no house. Esssa mudança de gosto musical fez com que eu pesquisasse cada vez mais músicas nessas vertentes para fazerem parte da minha vida e consequentemente do meu trabalho.
Boa parte dos artistas tem influências que vêm de outros artistas, as referências musicais influenciam totalmente na formação do artista em si. Quais são suas referências musicais nacionais e internacionais, e qual a influência dessas referências na sua carreira?
São muitas as referências, a maioria delas devido a sua história de vida como Elza Soares, Anitta, Nina Simone, Chiquinha Gonzaga que foi uma mulher consagrada no piano no século 19, a DJ Natora e o Cherno Byel – que criaram o projeto Toralina da qual faço parte hoje – pelo convívio também, me trouxeram muitos ensinamentos, a Beyoncé que canta e dança junto durante horas, é sua própria empresária, cria músicas incríveis e além de tudo é mãe. Já o Martinelli que além da sonoridade, me inspirou a fazer live performance, trazendo novamente o piano na minha vida após 5 anos sem estudá-lo, a Ella De Vuono me faz ver que é possível atingir sonhos, a Krys Freitas – que faz duo comigo no projeto Mandala Vermelha – me ensina diversas coisas também, entre tantos outros artistas.
''O processo de criação na verdade são apenas ideias que surgem, melodias que, às vezes, vêm com o que estou sentindo e vou testando e modulando o som até ficar da forma como gostaria que soasse…’'
- DJ Elisa Audi.
Como foi citado antes, você além de DJ também é pianista. Como funciona o seu processo de criação? Você utiliza o piano para poder produzir seus sets?
Sim, como citei antes, além de DJ também estou estudando e montando minha live performance na qual uso o piano para criar a parte melódica e harmônica. O processo de criação na verdade são apenas ideias que surgem, melodias que, às vezes, vêm com o que estou sentindo e vou testando e modulando o som até ficar da forma como gostaria que soasse, imaginando às vezes como seria se estivesse tocando ela numa pista ou, até mesmo, no cenário de um filme ou video-game.
Fazer lançamentos em gravadoras é o sonho de muitos artistas, mas sabemos que essa é a realidade de poucos. Como foi para você fazer lançamentos em duas gravadoras incríveis como a Under Division Records e a Hostage Records? Como surgiu essa oportunidade?
A oportunidade surgiu através dos contatos que fui fazendo desde o início da minha carreira, inicialmente conheci o Spuri que fundou a Hostatage Records junto com o DJ Murphy. Na época, foi bastante gratificante ter tido meu trabalho reconhecido por eles e por ter recebido o convite para participar do álbum Gasoline vol.1 ao lado de artistas que eu admiro como o Silenzo e a Monic. Com a Under Division também fiquei bastante feliz em lançar através da Raid Tapes, que é um projeto do mesmo coletivo, uma das minhas músicas criadas durante a pandemia a convite de Murilo e Paulo Madazio, criadores do projeto.
''Além disso, é visível essa luta quando ainda nos deparamos com os line ups de festas e festivais mainstream tendo uma porcentagem muito maior de homens do que de mulheres em todo lugar do mundo”
- DJ Elisa Audi.
Hoje em dia, temos muitas mulheres no cenário da música eletrônica, podemos ver que as mulheres estão tendo mais espaço cada vez mais e isso é incrível!!! Como você enxerga a cena da música eletrônica sendo uma DJ mulher? Você sente que os direitos são iguais independente de gênero?
Infelizmente não, acredito que essa é uma realidade muito distante ainda. E mesmo que tenham mais mulheres na cena hoje, é uma luta diária, pois há muito machismo em todo lugar, como se a mulher tivesse que provar o tempo todo que ela é eficiente, que ela tem sabedoria no próprio trabalho, que ela tem autoridade no assunto, sem contar quando ela é julgada de forma que a diminua simplesmente por estar falando de modo mais sério ou por estar se expressando da forma como desejar no palco ou por não se depilar, enfim, poderia fazer uma lista imensa sobre isso. Além disso, é visível essa luta quando ainda nos deparamos com os line ups de festas e festivais mainstream tendo uma porcentagem muito maior de homens do que de mulheres em todo lugar do mundo.
Sabemos que você tem alguns projetos musicais, entre eles estão o projeto Toralina e o projeto Mandala Vermelha. Fala pra gente sobre esses projetos e como eles surgiram na sua vida?
Em 2019, eu conheci a baixista Krys Freitas e a baterista Nathalia Miyai, e em uma conversa de bar decidimos criar uma banda, a princípio o projeto se chamava “Natchek”, mas posteriormente a Nathalia saiu, ficando apenas eu e a Krys passando a se chamar “Mandala Vermelha”. O projeto fluiu de forma incrível, estamos trabalhando no primeiro álbum há mais de um ano, sendo que o projeto ficou bastante parado durante a pandemia e, agora, estamos retomando e dando andamento para o término do álbum e dos ensaios. As músicas são uma mistura da bagagem eletrônica com o Rock’n Roll, tendo como instrumentos principais o piano, o baixo e uma MPC da Akai. O projeto Toralina foi desenvolvido na pandemia pelos meus grandes amigos Natália Ribeiro, Gabriel Correa e Bruno Castro, posteriormente fui convidada a fazer parte da organização por partilharmos do mesmo sonho de promover uma festa que agregue a comunidade LGBTQIA+ e dê oportunidade para artistas novos, além dos DJs organizadores que somos eu, a Natália e o Gabriel. A princípio, o projeto está se desenvolvendo através das festas universitárias mas pretendemos levar para o público da cidade de Campinas, e a decoração é inspirada no mundo de fantasias e conto de fadas, tendo como personagem, também criada por eles, a “Toralina” que demonstra a força dessa comunidade. A sonoridade engloba vários setores da música como o pop, o funk, hip hop, techno entre muitos outros.
Você acha que é importante para um DJ, ser residente de um club? De todos os lugares que você já tocou, em algum momento marcante da sua carreira que você vai levar para sempre na sua memória?
Acho que é importante, acredito que agrega bastante no trabalho do DJ e isso pode trazer bastante motivação para continuar nesse ramo. Tem muitos momentos, mas o que eu mais gosto de recordar foi quando toquei no D-Edge em 2019, não apenas por estar tocando nesse clube, mas porque foi a última festa que meu pai estava presente ali comigo. Outro momento foi quando toquei numa festa universitária em Ituiutaba–MG, chamada “Trava Bixo”, me trouxe várias aprendizagens e foi a primeira vez que toquei para um público grande.
Como você se imagina daqui a 3 anos? Tem projetos futuros vindo pela frente? Manda um recado para as pessoas que te acompanham.
Daqui a 3 anos, me imagino tocando em diversos lugares através do meu projeto solo, da Mandala Vermelha e outros que forem surgindo. O projeto “Toralina” ganhando cada vez mais espaço e reconhecimento e, também, produzindo músicas para trilhas sonoras de diversas categorias, seja para TV, videogames ou peças de teatro, esse é o meu maior sonho atualmente. O recado que eu deixo é para continuar persistindo nos seus sonhos, mesmo que demore para chegar lá.
Créditos foto de Capa
Foto: Krys Freitas no estúdio fotográfico RRM Fotografia e Design em Arealva – SP.