DESTAQUE | DJ CAU BARTHOLO: Do Acre para o Mundo

Uma Jornada de 22 Anos Transformando as Pistas de Dança e Empoderando Mulheres na Música Eletrônica

DJ Cau Bartholo, uma verdadeira pioneira da música eletrônica na Amazônia, compartilha sua notável jornada de Rio Branco ao mundo, celebrando 22 anos de carreira. Com uma trajetória marcada por conquistas internacionais e um compromisso constante em empoderar mulheres na cena eletrônica, Cau revela como sua paixão pela música começou na infância e se transformou em uma carreira inspiradora, repleta de desafios e triunfos. 

Sendo um grande DESTAQUE na cena musical amazônica, a DJ celebra pouco mais de duas décadas de uma carreira vibrante e pioneira na música eletrônica. Originária de Rio Branco, Acre, Cau tem se destacado tanto nacional quanto internacionalmente, levando a riqueza cultural do Norte do Brasil para as pistas de dança do mundo.

Nesta entrevista imperdível para a Colors DJ Magazine, Bartholo revela detalhes fascinantes de sua trajetória musical, desde as primeiras influências até suas conquistas internacionais. Conheça a história inspiradora de uma das primeiras DJs da Amazônia sul-ocidental, seus desafios ao longo da carreira, e a transição para a produção musical, integrando elementos culturais do Acre em suas faixas. Cau também compartilha a importância de empoderar mulheres na música eletrônica e suas experiências transformadoras no exterior. Não perca esta conversa que tivemos com a Cau que vem se destacando como artista e que está revolucionando a cena eletrônica com sua autenticidade e paixão.

É um prazer tê-la aqui com a gente na Colors DJ Magazine! Para começar, você pode nos contar um pouco sobre sua trajetória e como a música se tornou parte essencial da sua vida?

É uma alegria imensa receber este convite da Colors DJ Magazine. Sou muito grata pela oportunidade de compartilhar minha história com vocês e com todos os leitores da Colors. Meu nome é Claudia Bártholo e desde 2010 uso o nome artístico de Cau Bartholo, sugestão de Cris, uma grande amiga e responsável pelos meus primeiros lançamentos através da Navegador Música lá de BH. Em setembro completo 39 anos de idade, e 22 deles são dedicados à carreira de DJ, sou natural de Rio Branco, Acre, mas há vinte anos estou pelo mundo, perseguindo meus sonhos na arte. Minha formação na verdade foi em teatro na SP-Escola de Teatro, em São Paulo. Estou na música desde os meus 15 anos, quando comecei a cantar profissionalmente MPB em barzinho. Na verdade, a música faz parte da minha vida desde sempre, venho de uma família musical. Meu pai e meu avô eram músicos, embora não vivessem da música. Meu irmão tocou em bandas de rock pela cidade por muitos anos, e eu sempre o acompanhava. Já do lado materno, tenho tias e primas musicistas também. Isso é bem coisa de família mesmo.

Você consegue se lembrar do primeiro momento em que a música capturou sua atenção durante a sua infância? E qual foi a experiência que mais a marcou?

Tem um momento desse encontro com a música que eu nunca vou esquecer, a primeira vez que fui em uma matinê na extinta boate Via Expressa, devia ter uns 9 anos de idade e ao adentrar aquele lugar escuro com música “dance” e luzes piscando. Fiquei hipnotizada! 

Como foi sua experiência de crescer no Acre e de que forma isso influenciou sua história com a música?

Crescer no Acre foi crescer com experiências incríveis, subindo em árvores, brincando com amigos e primos na rua. Quando criança, eu tinha os vinis infantis clássicos da época, como Xuxa, Balão Mágico etc. Depois vieram as fitas K7, e eu adorava fazer minhas próprias mix tapes. Ouvia muita rádio, gravava músicas e traduzia as letras em inglês com a ajuda de um dicionário. Pedia para minha mãe me inscrever em concursos de canto e dublagem. O que aparecesse. Fato é, que a minha geração passou por todas as formas de se ouvir e consumir música, e isso é muito foda. Na era dos CDs com 14 anos, eu ia na única loja de CD da cidade, a Discardoso, e com a mesada que minha mãe me dava, eu escolhia algumas coisas. Nunca esqueci do primeiro CD que comprei. Era o GALA, lembra “Freed From Desire”? Então a Dance Music foi paixão à primeira ouvida.

Quando você percebeu que queria seguir na carreira como DJ? Houve algum evento ou artista específico que a inspirou a seguir esse caminho?

Na verdade eu tinha zero entendimento do trabalho do DJ, até o dia em que apertei o play. Eu estava com 17 anos, o start da coisa se deu a um convite de 3 amigas; Mayra, Jackie e Lídia, elas organizaram uma noite em um bar chamado BLT. A ideia era convidar sempre alguém que não fosse um profissional para discotecar antes da banda começar, eu fui a primeira convidada e nunca mais parei de tocar. Nesse dia levei meus CDs numa caixa de sapato que eu customizei com recortes de revista, meu set anotado num papelzinho, no palco tinha um par de CDJ-100s da Pioneer e um mixer. Na hora de me apresentar o DJ residente da casa me deu alguns comandos de como manusear volume, play, passar de música etc. A partir daí, passei a receber convites de outros bares e festas. Assim fui seguindo, buscando entender melhor o trabalho, melhorar repertório, estudando técnicas, foi um processo natural, segui o fluxo e nunca mais parei.

Quais foram os eventos mais significativos nos quais você se apresentou no início da sua carreira, além da Virada Cultural em São Paulo e da Fosfobox no Rio de Janeiro? 

Ao longo da minha trajetória, morei em diversos lugares e conquistei oportunidades significativas. Em São Paulo, toquei em locais renomados como o Sonique, Container e Hot Hot. Em 2017, tive a honra de ser convidada para me apresentar na Virada Cultural, tocando em dois dias e em palcos diferentes. No Rio de Janeiro, participei do Sofar Sounds, fui residente no Ganjah Vidigal e realizei uma apresentação inesquecível na Fosfobox, um clube que sempre sonhei em tocar. Tiveram outras apresentações importantes. Algumas gigs na Irlanda, como o meu warm-up para a rainha do Techno, DJ ANNA em Dublin, e o Universo Paralello em 2023, na Bahia. Dois grandes sonhos realizados, abrir para uma ídola e tocar no maior festival de música alternativa da América Latina. 

 
 
 
 
 
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Quais desafios você enfrentou ao se estabelecer como uma das primeiras DJs da região Amazônica Sul-Ocidental?

Os desafios foram muitos, mas o principal foi a falta de valorização local. Ao longo da minha carreira, já rodei o Brasil, morei no exterior, toquei com grandes nomes da cena eletrônica e participei de eventos renomados, como o Universo Paralello. No entanto, em casa, ainda oferecem cachês baixos e consumação como pagamento, o que é desanimador. A cena eletrônica local não é efervescente e enfrenta dificuldades para avançar. Passei o último ano tentando fomentar essa cultura por lá, mas encontrei muitos obstáculos, embora a cena de lá já tenha vivido um certo auge que eu fiz parte há muitos anos atrás. E sobre ser uma das primeiras DJs da Amazônia, tenho muito a pesquisar para de fato me ver nesse lugar, mas ao levar meu curso de DJs para outro Estado, pude entender a grandeza do meu trabalho e da minha história. Refleti muito sobre meu papel como uma das DJs mulheres pioneiras do Norte do Brasil. No Acre, sou considerada a primeira DJ mulher acreana, e a cena depois de 22 anos ainda carece de mais representação feminina por lá. Continuo trabalhando para mudar essa realidade e aumentar a participação de mulheres na música eletrônica.

Você teve a oportunidade de tocar fora do Brasil. Como essas experiências internacionais moldaram sua carreira e influenciaram seu estilo musical?

Em 2019 resolvi arriscar mais uma mudança, dessa vez para o exterior, queria ter a experiência de morar fora e investi num intercâmbio na Irlanda, onde fiquei 3 anos. E além de trabalhar como garçonete em restaurante e bar, eu fazia meu network pesado para tocar em bons lugares. Tocar fora do Brasil foi uma experiência transformadora para minha carreira e estilo musical. Por exemplo, na Europa, o público é muito aberto a novas sonoridades e aprecia sets mais experimentais, o que me incentivou a inovar e sair da minha zona de conforto. Cada evento era uma oportunidade única de experimentar um som novo, de usar o melhor da minha pesquisa e vi o meu amor pelo Techno ser aceito na pista.  Essa entrega me levou a realizar um dos maiores sonhos da minha vida, que seria inimaginável no Brasil, fazer um warm-up para uma das minhas artistas favoritas, a DJ ANNA. Tocar para 900 pessoas em outro país, abrindo para headliners, minha ídola, todos os amigos na pista, essa noite foi insuperável até hoje. Esse foi o melhor set que já toquei na vida e está disponível no Soundcloud.

Há diferenças notáveis entre a cena eletrônica internacional e a do Brasil?

A diferença mais notável é o fato de que lá fora você alcança coisas pelo seu talento, sua bagagem é apreciada, valorizada. Já no Brasil, infelizmente ainda temos muito o tal do QI (Quem Indica), uma quantidade enorme de gente que só toca pois é amigo do dono da balada etc.

Recentemente, você começou a se aventurar na produção musical. O que a motivou a dar esse passo?

Nos dias atuais a Produção Musical se faz absolutamente necessária para que você chegue mais longe, alcance coisas diferentes. Mas para isso acontecer eu tive que mudar tudo na minha vida e acreditar que seria capaz de viver só da música. Para usar todo o meu tempo, para aprender sobre tudo o que envolve produzir, lançar, mercado, marketing etc. Então, a motivação é alcançar novos lugares e pessoas com a minha música e tem dado certo.

Como você descreveria o seu estilo como produtora e quais são suas principais influências?

Nesse primeiro trabalho autoral quis testar diferentes gêneros que gosto para sentir qual meu público mais se identifica comigo. Que sons conversam com as ideias que tenho na cabeça. Então temos Deep House, House, Melodic Techno e Techno. Venho estudando para trazer um som autêntico com influências de instrumentos e histórias do Acre. Achei nisso uma forma de me conectar com a minha ancestralidade e de homenagear o meu Estado. Enaltecer as minhas raízes é o meu caminho como artista. Sobre as minha principais influências, seja na produção ou na discotecagem, são: Anna, Blancah, Aninha, Eli Iwasa, Maceo Plex, Victor Ruiz, Wehba, Pan Pot, Layton Giordani, Joris Voorn, German Brigante e claro, meu diretor musical Zeo Guinle, que me ajudou a executar esse EP.

 
 
 
 
 
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Você está trazendo uma perspectiva autêntica do Norte do Brasil para a música eletrônica. Pode nos contar um pouco sobre como você integra esses elementos culturais em suas produções?

Minha pesquisa vem através de material de audiovisual que encontro sobre o Acre, as conversas em casa com a família e encontros com amigos que conhecem a história da música acreana. Utilizo tudo ao meu alcance como fonte de inspiração para minhas criações originais. Por exemplo, meu primeiro single, “Baque”, foi inspirado após assistir diversos documentários e encontrar a voz de Dona Zenaide, uma figura significativa por trás da música “Baque”, em um vídeo no YouTube. Foi imediato para mim que algo especial deveria ser criado a partir daquilo. Obtive autorização dela, recortei sua voz do vídeo e a incorporei de forma contextualizada. Além disso, fiz uma pesquisa detalhada sobre os instrumentos e sons típicos do seringal, onde os seringueiros, trabalhadores do extrativismo da borracha, viviam. A combinação desses instrumentos e a narrativa de Dona Zenaide, parteira e mestra da cultura popular, deram origem à minha primeira produção autoral, “Baque”. Já minha segunda faixa autoral, “Caraxué”, é um techno de 131 BPM que incorpora sons de pássaros nativos do Acre em suas transições, oferecendo uma conexão única com o ambiente local. E a minha terceira track, que se chama “Sonho de Chico”, presta homenagem ao renomado seringalista Chico Mendes. Inspirada em uma carta que ele deixou para as gerações futuras.

Sabemos que você ministra um curso para mulheres que querem se tornar DJs. O que a inspirou a criar esse curso e qual é a importância dele para você?

Na verdade eu sempre ensinei a quem me procurou, seja com aulas, dicas, mentorias etc. Em Dublin, dei aulas particulares, pude ensinar uma galera e foi bem legal. Ensinar mulheres foi o universo me colocando em situações propícias. Fui tocar no Carnaval em vários eventos nas cidades de Porto Velho e Rondônia. Lá eu recebi um feedback muito grande das mulheres, dizendo que adorariam aprender a tocar etc. Essa semente foi plantada no meu ser e não descansei enquanto não tinha uma turma fechada só com mulheres. Consegui 15 mulheres incríveis na primeira turma, o retorno foi extremamente positivo. Eu criei um método para a pessoa sair tocando em 3 dias e foi muito satisfatório ver isso acontecer na prática. Dar uma nova ferramenta e olhar para essas mulheres que estavam ali para conhecer, aprimorar, tentar algo novo. A troca foi muito válida e nesse encontro entendi que além de seguir meus sonhos como artista que eu tinha outra missão na vida, trazer mais mulheres para a pista.

Vamos falar sobre seus lançamentos de tracks originais. Como tem sido a recepção do público e da crítica?

É um momento de apreciação total. É muito bom poder compartilhar minhas músicas com as pessoas que já seguiam o meu trabalho, mas também através das músicas agora, tenho novas pessoas me acompanhando nessa jornada e mais, chegam de todos os lugares, assim como a Colors me achou. As pessoas têm trazido feedbacks que eu nunca imaginei, é uma grande celebração ter esse trabalho lançado, esse novo encontro como artista. Tem algumas matérias saindo sobre o meu trabalho e é incrível como a música “Baque” atinge a todos em cheio. Desbloqueando novas emoções de tocar as minhas músicas autorais por aí e de ouvir outros DJ’s tocando elas.

Você recentemente se mudou para Curitiba. O que motivou essa mudança e como está sendo sua nova fase na cidade?

Há muito tempo entendi que minha casa é o mundo, eu trabalho muito o desapego pois se amanhã algo acontecer e eu tiver que mudar para outro lugar, vou sem medo. Já voltei da Irlanda pensando e agora vou para onde? A ideia era ficar no Acre para produzir o EP e depois o próximo destino. Já morei em Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo e a última aventura foi em Dublin, precisei refletir sobre qual lugar nessa nova mudança. Então, no ano de 2023, visitei todos os lugares de interesse, incluindo os novos como Campinas, Brasília e Curitiba. No final, Curitiba venceu pela cena cultural e eletrônica mais aquecida, pela cidade em si, alguns bons contatos e amigos para recomeçar.

Quais são seus planos e projetos futuros, tanto como DJ quanto produtora?

No momento o foco é divulgar meu EP. Fazer com que mais pessoas conheçam o meu trabalho e me inserir na cena nacional de uma vez por todas. Tenho feito meu network no Brasil inteiro e espero estar fechando boas gigs para esse semestre. Como produtora, tem uma inédita ainda a ser lançada e as novidades ficam para o ano que vem. O EP ainda tá fresquinho e o momento agora é de recomeço e divulgar “Baque”.

Onde você se vê nos próximos cinco anos e o que mais você gostaria de conquistar na sua carreira musical?

Nos próximos 3 (risos), pois já estou nesse foco intenso de trabalho há quase 2. Então, espero estar com uma agenda cheia, muitas tracks sobre o Acre e Amazônia ganhando o mundo. Espero realizar sonhos maiores como tocar em grandes festivais pelo Brasil e pelo mundo. O que desejo com a minha carreira é trabalho, é agenda cheia, é gente feliz na pista, sucesso, fazer com que mais pessoas olhem para a Amazônia. Que a minha música toque as pessoas, que a gente reflita sobre o futuro e como a gente pode agir hoje para colher uma vida melhor amanhã. Tudo isso dançando um “tecnão” amazônico.

Por último, que mensagem você gostaria de deixar para seus fãs e para quem está começando no mundo da música eletrônica?

Para os meus fãs, pessoas que admiram o meu trabalho, eu só tenho gratidão por seguirem comigo nessa jornada. Eu estou na música há 22 anos, mas pouco menos de dois que larguei tudo para focar exclusivamente na música, na produção musical. Eu sempre ouvi dos meus ídolos, sobre foco, perseverança e sabia que isso era a chave. Gente não é fácil, mas eu tenho aprendido que a gente é capaz de transformar tudo nessa vida. Eu amo o que eu faço e não viveria de outra forma. Eu só quero tocar, não há nada no mundo que me faça mais feliz do que conduzir uma pista de dança, as pessoas dançarem e sorrir. No mais, apoiem os artistas locais, os amigos de vocês, as pessoas que vocês admiram, mas que ainda estão na luta sem verba para chegarem mais longe. Escutem, compartilhem, divulguem, um play vale muito e eu não tô falando de dinheiro. Gratidão Colors Magazine por me dá esse espaço e a todos os leitores continuem dançando.

Reportagem: Di Aganetti

Editores: Orly Fernandes e Di Aganetti

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