Como uma boa canceriana, tenho uma memória de elefante. É resgatando minhas lembranças mais especiais que te convido para entrar comigo numa viagem (e que viagem!!), que conta um pouco da minha história com o universo das raves e festivais.
Certa vez fui convidada por alguns amigos para ir em uma festa em outra cidade, que acabaria só no dia seguinte.
Quando cheguei na festa, era tudo tão diferente e inusitado: a decoração – acho que nunca tinha visto uma luz negra antes- pessoas com roupas brilhantes, tinha um bungee jump no meio da festa!! Um clima de união com respeito a individualidade ao mesmo tempo, e, claro, uma música que eu nunca havia escutado antes. Logo fui absorvendo tudo que aquele transe causava, e lembro apenas de flashes da festa, mas guardo que no caminho de volta eu sabia que tinha ido a festa certa (e como!!), e que não me encaixaria em nenhuma outra tribo, ou estilo que não fosse o Psytrance.
Como muitos de vocês, eu nunca mais parei de ir, mesmo que já tenha se passado 20 anos dessa festa.
Quando recebi o convite para ter essa coluna, de repente passou um filme bem intenso na minha mente. Escrever sobre algo que gosto tanto me deixou entusiasmada e com vontade de falar sobre várias coisas, compartilhar experiências e percepções que tive ao longo desses anos e aproveitar para externar as “loucuras” que passam por essa cabeça (lisergicamente) pensante.
Então, nada mais justo que começarmos este diário público com uma apresentação breve para que assim você me conheça melhor.
Prazer, meu nome é Marcela Sant’Anna, tenho 35 anos, moro em Belo Horizonte. Hoje, moro há 10 anos com meu parceiro de pista, de camping, de perrengues, de descobertas, de vida, de tudo. Foi num desses 20 anos de rave que eu conheci o Bruno, a partir daí parece que eu fui apresentada a outra rave (foi como ir a um restaurante e de repente ser convidada a ir na cozinha e ver como a sua comida está sendo feita). Eu saí da pista e fui parar no backstage. Comecei a entender e viver todo o trabalho que acontece por trás daquela magia toda. E isso mudou totalmente a minha visão de algo que parecia tão simples e descontraído. Ao longo desses 10 anos, tive o prazer de realizar várias festas, alguns festivais, conhecer mais de perto artistas, viajar para muitos lugares, ter amigos em todo canto desse mundão e conseguir viver com essa sintonia e admiração constante ao cenário de contracultura da música eletrônica underground.
Nem tudo é glamour, como sabemos, e o underground tem suas glórias, as quais são recompensas de muito trabalho, dedicação e culminando em reconhecimento do público.
Quando resolvi fazer/trabalhar em festas, aí que tudo ficou mais intenso: antes festa era um lugar de relaxamento, de dançar até a perna ficar “doce” e de ter a mente livre para curtir o dancefloor. Realizar ou trabalhar numa festa/festival é como uma montanha russa. Festival então, tudo pode acontecer! E acredite, acontece! Você passa por alegrias, raivas, tristezas, cansaço exaustivo, descobre que você tem funções e sabe fazer coisas que nunca tinha passado pela sua cabeça, enlouquece e estabiliza umas 20 vezes ao dia, segura vários b.o. que na vida real você estaria chorando, mas você está lá numa corrente que não pode parar e você faz aquilo acontecer. Acaba que nunca dá pra curtir aquele artista que tanto quer ver, curtir com seus amigos, afinal, não dá pra ficar mais do que uma fugida estratégica na pista. Mas todo um outro lado pulsante e vivo acontecendo, como uma engrenagem que tem que fluir em harmonia para tudo dar certo. E quando o som pára e todo mundo vai embora e você acha que acabou…..Só está começando outra etapa.
E assim você continua, porque sabe que os momentos vividos numa rave, as conexões feitas no dancefloor (ou fora dele) e a energia que envolve tudo aquilo é extraordinária e gratificante!
O que me encanta nesse movimento cultural é que conhecemos pessoas de verdade num momento tão lúdico, cheio de cores, fantasias, sons alucinantes e experiências que marcam nossa vida. E nos sentimos uma grande família, que fala uma língua universal, que se conecta pelo olhar e tentamos deixar esse mundo mais colorido, psicodélico e barulhento, nem que seja por momentos.
Nesses longos anos, vi gerações novas chegando, debates novos, reflexões de como esse universo é gigantesco e plural. Vi a evolução das festas e festivais e reconheço que cada vez mais surgem crews conscientes e cuidadosas com o público, com o meio ambiente, com artistas e empenhados em preencher todos os espaços possíveis de se ter em uma festa, claro que com exceções!!
Acho que muitos de nós são vistos um pouco como “Black Sheep” na família!!rsrs… Talvez por termos um debate mais aberto, estilo de vida diferente, uma personalidade forte ou uma visão de coletividade diferente desse sistema que temos que enfrentar todo dia. Porém, até nesse mundo de contracultura que nos identificamos também tem suas batalhas e diálogos que nos ajuda a evoluir mais e aprender a falar todas as línguas, cores e realidades que a música ultrapassa e possibilita.
São tantas histórias, risadas compartilhadas, perrengues, descobertas e amadurecimento pessoal e profissional. Participar de um movimento que tenta ser o mais horizontal e transparente possível é enriquecedor e transformador. Afinal, me diz: rave é bom demais, não é mesmo?!
E essa coluna chega como mais um fruto das coisas incríveis que o Psytrance faz na minha vida. Das conexões reais que acontecem em um espaço muito curto de tempo muito louco!
Ganhar esse espaço para trocar experiências, reflexões e abordar questionamentos que são importantes e essenciais me faz muito feliz e agradecida de ter sido convidada para uma festa láaaa atrás que mudou minha vida para sempre. E olha onde eu fui parar!!
Com isso, meu objetivo é te levar numa leitura agradável, que vou trazer com muita verdade, dentro desse universo plural, alternativo, mágico, dançante e underground que é todo nosso. E ai, bora comigo?!