Sempre imaginei, desde pequeno, um mundo onde artistas expusessem suas idéias e conceitos de uma forma mais abstrata que concreta, mais indireta que direta – ou seja, mais conceitual que popular, cujo observador teria que “absorver”, processar e digerir, frente a forma simples de “ver e gozar”. Conforme fui crescendo, percebi que esse mundo existia: chamava-se Impressionismo, e era mais concreto do que eu imaginava, conhecendo Monet, Renoir, Van Gogh entre outros.
Mas, o que era o Impressionismo? Sendo movimento ou não, um grupo de pintores resolveu enfatizar mais a técnica do que a legenda, desconstruindo a ideia formal de retratar o real, com movimentos, pinceladas, contrastes de luz e sombra, e uso voraz das cores no plano complementar, para que a imagem formasse um “puzzle” ótico, mas que em algum ângulo, o observador “percebesse” a imagem integral. Resumindo: quando tiramos uma foto desfocada, percebemos o que tem nela muito melhor de longe que de perto; e quanto mais longe, mais percebemos o que está na foto desfocada, e quanto mais de perto ela se desconstrói.
Quando criança, a grande diversão era “apertar” os olhos vendo obras de Monet (Ponte Japonesa, Catedral de Ruão), Renoir (Duas Irmãs Próximo ao Lago) e Degas (Aula de Dança, O Absinto).
Este conceito-efeito também foi atribuído a música. Debussy e Ravel foram os primeiros “alvos”, porque estendiam seus acordes, diminuíam o tempo das composições e, principalmente, usavam os próprios instrumentos para fazerem efeitos para “simular” pássaros e água. Mas na música, essa relação de “impressão” é mais complexa; a maioria dos compositores chamados impressionistas, utilizavam os acordes e dissonâncias principalmente para sugerir uma atmosfera, que fosse romântica, que fosse dramática, medo, calor e frio. Mal sabe Beethoven, que se tornaria bem mais tarde um “impressionista”, com a abertura de sua Quinta Sinfonia, para sugerir mistério e suspense. Estava sendo criado a trilha sonora? Pergunte então a Lars Von Trier o porquê do uso abusivo do prelúdio de Tristão e Isolda de Wagner em seu Melancolia; depressão, orgulho, melancolia e grandiosidade permeiam uma trama que simplesmente narra destruição.
Para continuarmos, acho melhor mencionarmos um pouco de música Programática, precursora da música Impressionista, vigente no século XIX, mas que na verdade já seria a própria Impressionista rolando como conceito aberto; As Quatro Estações de Vivaldi é uma das peças programáticas mais famosas, que tenta retratar ventos gelados, insetos, camponeses dançando, tudo separado pelas estações do ano. Beethoven também fez programática (ele mesmo disse que sua Pastoral é mais sentimento paisagístico que música), assim como Wagner (considerado “multimidia”). Mas vale lembrar que programática é só conceito de música instrumental.
Conforme fui crescendo, ouvindo e absorvendo meus discos, detectei mais pontos impressionistas em tudo que ouvia (a evolução fusion / funk de Miles é um bom exemplo – expressionismo?), e já na música eletrônica, de 80 para 90, percebi que a facilidade de simular ou “representar” situações acústicas, com noises, timbres e samples, já era um universo real e concreto (Art of Noise). Montei um home studio e iniciei meu aprendizado digital, e em paralelo, a paixão e interesse nas originais soundtracks eram evidentes.
A era digital deixava cada vez mais evidente as possibilidades infinitas dessas representações impressionistas e os músicos produtores, famintos pelo “novo”, traziam o que se chamava de “esperimentalismo”, definitivamente para a apreciação pública.
O meu resumo até então seriam duas posições distintas desta chamada Música Impressionista: uma era a representação e simulação de sons reais, como vento, chuva, insetos, através da distorção e acordes mistos (As Quatro Estações, por exemplo); a outra era harmonização enfática, dramática, afastada da noção ocidental, mas estruturada em escalas maiores, dissonantes, etéreas como a música oriental, puxando para o imaginário, lúdico, triste ou alegre (peças que já tinham seus nomes apropriados, como sinfonia PASTORAL, prelúdio A TARDE de um fauno, BOLERO de Ravel). Ou seja, Música Programática e Música Impressionista são partes de um universo ainda maior de tentar chegar às harmonias não só aos ouvidos, mas também à alma.