Por gerações da nossa sociedade, a música vem sendo um dos principais elementos de conhecimento, de entretenimento e de trocas culturais. No ano de 2020, ela exerce o papel de protagonista na rotina de bilhões de indivíduos, funcionando como elemento de escape da realidade desafiadora que um planeta vivenciando uma pandemia pode proporcionar.
Para nossa sorte, fomos agraciados com uma quantidade de materiais de altíssima qualidade no cenário pop como não se via há anos.
Com o surgimento da realidade de um distanciamento social, a indústria musical vislumbrou a oportunidade de arriscar e se reinventar para conseguir atrair públicos, por meio de estratégias digitais de divulgação e interação remota.
Movidos por um sentimento nostálgico e bastante íntimo, grande parte dos artistas buscou no passado inspirações para suas criações, reerguendo e ressignificando gêneros musicais que marcaram antigas gerações.
E é impossível deixar de citar os grandes destaques deste ano, que influenciaram a reascensão de um movimento disco contemporâneo: Dua Lipa e The Weeknd.
Com seus respectivos álbuns “Future Nostalgia” e “After Hours”, aclamadíssimos pela crítica especializada e pelo público, eles se consolidaram como fenômenos por entregarem smash hits que viraram febre em plataformas como o TikTok, além de não saírem dos charts globais desde o lançamento dos seus lead singles “Don’t Start Now” e “Heartless”.
Dua Lipa virou figura nacionalmente conhecida através do Big Brother Brasil ao ser associada à trilha sonora do reality show e fazendo com que suas músicas pegassem as primeiras posições nos trends tupiniquins.
Enquanto isso, “Blinding Lights” de The Weeknd tornou-se a música de um artista pop masculino que mais se manteve no topo da Billboard em todos os tempos!
E o que pode explicar este sucesso colossal? Bom, uma das respostas pode estar no fato de que ambos entregaram projetos sólidos cheios de identidade e que se mantêm coesos em cada passo de suas divulgações.
Dua Lipa inspirou-se em um ritmo disco funk alto astral, incorporando elementos visuais coloridos em um clima atrativo para as pistas de dança enquanto falava sobre empoderamento feminino em letras poderosas e cativantes.
Já The Weeknd apostou em clima mais sombrio, utilizando-se de influências de um post-disco e synthpop para criar um ambiente semelhante às obras de terror dos anos 80, quando as mensagens de suas músicas tendem a uma melancolia e abordam explicitamente a temática da dependência química.
Talvez a boa receptividade da sonoridade dos dois álbuns não cause tanto espanto ao analisar que suas essências provêm do maior fenômeno da dance music de todos os tempos: o gênero disco.
O QUE É A DISCO MUSIC?
Com manifestação na década de 70, o disco andou lado a lado com a funk music no cenário urbano e noturno dos Estados Unidos. Conhecido pelo termo “four on the floor”, o gênero é basicamente composto por marcações rítmicas 4/4 em que instrumentos como o bumbo estão presentes a todo momento.
Sua flexibilidade é o elemento chave para a difusão do estilo mundo afora, já que sua métrica permite uma combinação dos mais diversificados instrumentos, como sintetizadores, guitarras, teclados e o clássico LinnDrum, uma das aparelhagens elétricas pioneiras na dance music, frequentemente presente nas músicas de Prince, grande disseminador das variações da música pop.
O surgimento do disco deu-se através da mescla entre influências afro americanas, latinas e ítalo-americanas e da comunidade LGBTQIA+ por intermédio de clubes noturnos e fraternidades. Felizmente estas raízes culturais permanecem vivas e atuantes em eventos, como em edições das festas cariocas V de Viadão, MORTA e Injustiçada, focadas no enaltecimento e preservação da cultura LGBTQIA+.
Destacam-se importantes artistas representantes deste estilo, como Donna Summer, Gloria Gaynor, Bee Gees e os imortalizados Michael Jackson e Whitney Houston, cuja versatilidade musical contribuiu para popularizar o mais dançante dos ritmos musicais.
A ININTERRUPTA INFLUÊNCIA DO DISCO
Diversos setores investiram na inovação a partir de uma onda cultural em ascensão. O mundo da moda e as produções audiovisuais começaram a caminhar cada vez mais próximos, adotando elementos inspirados nas pistas de dança de Nova Iorque e Philadelphia, com cores vívidas, iluminação artificial, elementos espelhados e muito glamour.
A propagação da disco music ao redor do mundo também proporcionou sua combinação com outros ritmos, abrindo espaço a variações como o já citado disco funk, garage house e disco house, impulsionados por uma horda de DJs que mantêm estas vertentes aquecidas até a atualidade.
Uma participação mais ativa nas cenas eletrônica, R&B e até no rock, a partir da década de 80, deu lugar a um momento denominado pós-disco.
Apesar da prevalência majoritária de gêneros como o rock nos anos posteriores, o disco sempre manteve um espaço no mercado musical.
Artistas como Daft Punk reacenderam as atenções ao gênero com seu retorno às principais paradas globais na década de 90 através da disco house.
Anos depois, Janelle Monáe e Bruno Mars, em outro caminho, mostraram-se ícones representantes do disco funk, onde a forte utilização do baixo na construção de tracks o tornou insubstituível na música pop.
A participação crescente do disco no cena pop junto com o resgate da vibe retrô fez com que, nos dias atuais, novos e já renomados artistas se destacassem mundialmente.
As faixas abaixo são alguns dos muitos exemplos de grande relevância:
“Juice” – Lizzo;
“Say So” – Doja Cat;
“SUPALONELY” – BENEE;
“I Feel Love” – Sam Smith;
“Midnight Sky” – Miley Cyrus;
“Ungodly Hour” – Chloe x Halle;
“The Other Side” – SZA & Justin Timberlake;
“Dynamite” – BTS;
“LA DI DA” – EVERGLOW.
No campo de lançamentos do ano de 2020, álbuns inteiros foram criados com a ambientação de uma discoteca do passado.
O resgate à cultura clássica do disco com a máxima coesão e requinte pôde ser ouvida em “What’s your Pleasure” de Jessie Ware, bem como em “Róisín Machine” de Róisín Murphy.
Divas pop de diferentes eras também puderam mostrar a essência de seus trabalhos com uma variação do disco numa releitura muito atraente. “Chromatica” de Lady Gaga e “DISCO” de Kylie Minogue marcaram o retorno glorioso do gênero às pistas de dança e conquistando de uma vez por todas as novas gerações de amantes de música.
A disco music nos presenteou com uma esperança de dias melhores em um ano tão difícil. Que suas letras e melodias positivas possam ser em breve vivenciadas fisicamente em um planeta que as pessoas re-experimentem o prazer da liberdade.
REFERÊNCIAS:
KUFFEL, Veronica. Recycled Disco Funk: the sound of the year. The Badger Herald, 2020.
HAVENS, Lyndsey. How Dua Lipa is Leading the Charge Toward Disco – Influenced Production. Billboard, 2020.
CD Baby. Music Trends 2020: Where is the industry headed? DIY Musician, 2020.
SPANOS, Brittany. Could Disco Pave Pop’s Future? Rolling Stone, 2020.
ARNOLD, Chuck. Kylie Minogue’s new album seals the deal: Disco dance pop is back. New York Post, 2020.
PRISCO, Luiz. Onda noventista e dance music são as novas tendências da música pop em 2020. Metrópoles, 2020.
OOI, Jensen. What makes The Weeknd and Dua Lipa’s Marketing Campaigns Perfect? Turntable Thoughts, 2020.