COLUNA | AUDIOVISUAL, ARTE PSICODÉLICA E LIVE STREAMING:

Como as raves tem sobrevivido ao distanciamento social

Trabalho em digital art feito por Felipe Underraga, aka Gesh, para o Festival Ojos del Cielo, evento virtual de live streaming em homenagem a Munsmawa Chiumampi.

As raves sempre foram relacionadas a eventos para todas as tribos, raças, nacionalidades, orientações sexuais sob a bandeira PLUR (do inglês: peace, love, union and respect) e sempre foram uma celebração à liberdade e à contracultura. Esses encontros sempre contaram com arte exuberante, line ups de longa duração e festas open air.

Diante da pandemia de coronavírus, o setor ficou completamente desassistido. Embora estejam acontecendo diversas festas clandestinas Brasil afora, os profissionais bem conceituados em geral têm optado por não participar em vista da pouca valorização e exposição negativa associando suas carreiras a eventos sem responsabilidade social e empatia. Entretanto, a grana vai ficando curta, os boletos começam a vencer e a dispensa vai esvaziando.

Esta situação que jamais esperávamos vivenciar em pleno século XXI vem tirando o sono de diversos profissionais sérios e dedicados. Não podemos dizer que exista uma “zona de conforto” para quem vive da arte, mas com certeza os desafios se multiplicaram. Para esta coluna de estreia eu entrevistei artistas de renome e que tem conseguido se reinventar apesar do momento. Dentre os nossos entrevistados, estão:

  • Ariel Bessa Lessa, VJ Ariel, designer, projetista, malabarista e pai do Joaquim;
  • Beatriz Bonanato, ou Djane Witchmind, artista da Urban Antidote Records, de Portugal;
  • Bruno Azalim, idealizador dos projetos Onionbrain e Atropp, além de co-autor no duo Nargun e sócio-produtor do Pulsar Festival, em Ipoema-MG;
  • Bruno Guimarães, também conhecido como Electric Gene, projeto de psyprogressive, designer e pai da Aurora;
  • Junior Caus, ou DJ Caus – Padang Records, ou ainda DJ Stereophonic – Resina Records e sócio e professor na Enxame Records, escola de mixagem e produção musical baseada em Vila Velha, ES;
  • Thiago Del Torto, idealizador do projeto Del Torto e co-autor nos duos Karavel e Mrs. Troffea e mentor do canal Del Torto Music no Youtube.

Perguntamos a nossos entrevistados sobre como o distanciamento social impactou suas carreiras e seu processo criativo e a resposta foi quase que unânime em dizer que o setor foi extremamente prejudicado, visto que foi um dos primeiros a parar e que será também um dos últimos a voltar, considerando o caráter de entretenimento. O fato das festas rave já serem estigmatizadas e open air ainda aparecem como agravantes para que o setor tenha sido duramente atingido.

Entretanto, em relação ao processo criativo geral, tivemos boas notícias. Thiago e Bruno Guimarães conseguiram alavancar projetos paralelos na área do ensino de produção de música eletrônica. Azalim também nos surpreendeu tendo iniciado estudos em novas áreas do conhecimento, tendo aprendido mesmo que superficialmente sobre digital art, modelagem 3D, aprendeu um pouco de programação que foi suficiente para programar 2 ensembles para Kontakt (uma famosa ferramenta computacional para manipulação de arquivos de áudio e produção musical) e engines de games. Confessou ainda ter encontrado no aprendizado uma poderosa arma contra o desânimo e a depressão.

Ariel se dedicou como nunca ao live streaming, inclusive somando experiências internacionais trabalhando na live da Merkaba Music, um selo gringo de chill out music. Construiu parcerias sólidas e que provavelmente renderão excelentes frutos assim que pudermos voltar às atividades presenciais. Junior dirigiu diversas sessões de live streaming e conseguiu desenvolver o hábito do estudo em produção de e-music, tendo feito uma colaboração que originou sua primeira faixa autoral.

Beatriz, que ainda estava recém contratada pela Urban Antidote Records, teve sua carreira bastante alavancada no meio virtual, participando de eventos de grande proporção com a live session da Xibalba Records em âmbito internacional, e também no coletivo feminino Ohm Ladies, entre outros trabalhos de grande expressão.

Além dos nossos maravilhosos convidados contando suas belas histórias de como se reciclaram e expandiram seus talentos e alcance virtual na pandemia, apontamos também para esforços em nome da solidariedade. No início deste mês de abril/2021 aconteceu o Festival Ojos del Cielo, uma iniciativa que contou com artistas de toda a América do Sul como homenagem ao grande xamã e produtor musical Jacinto Rosa, também conhecido como Munsmawa Chiumampi, nome de seus dois projetos de música eletrônica dentro da cena forest. No início da pandemia, o simpático boliviano de olhos amorosos reuniu um grupo de amigos para ajudar sua aldeia que passou por um terrível incêndio. Inicialmente foi feita uma vaquinha para ajudar os moradores.

Infelizmente Jacinto faleceu em meados de março, deixando seu pequeno filho Jaya, de 4 anos. O amor que Jacinto investiu em todas as suas ações se materializou em mais de 200 pessoas cooperando em torno da realização do festival virtual que foi exibido no portal twitch.tv entre os dias 02 e 10 de abril. O objetivo foi arrecadar fundos, inicialmente para os trâmites legais referentes à morte de Jacinto e também para iniciarmos uma poupança para o pequeno e amado Jaya. Houve ainda inúmeras manifestações filantrópicas em torno das lives e das raves, como por exemplo o projeto Fome de Arte, baseado em Vitória-ES, que já está chegando à sua 5ª tonelada de alimentos distribuídos para artistas em condições de dificuldade por não poderem exercer seu ofício, já que o ditado “O artista vai onde o povo está” já não é mais uma realidade neste momento. O projeto Fome de Arte é uma realização da DB Entretenimento, que dentre várias incursões no mundo eletrônico realiza também a rave Decibel, da qual inclusive sou residente.

Munsmawa, que no dialeto nativo boliviano Aymara quer dizer “Eu te amo”, traduz o sentimento de colaboração e unidade que permeia as ações destes coletivos e remete ao P.L.U.R. tão pregado pela galera raver, seja uma luz para aqueles que se encontram desanimados neste momento!

No mais, agradeço imensamente o convite desta produção e pretendo estar junto com vocês por um longo tempo! Mando aqui o meu grande abraço a todo esse belíssimo público e que esta coluna possa trazer um pouco de afago e inspiração nesses tempos difíceis! Namastê!

Um pouco mais sobre nossos artistas convidados:

Del Torto Manifesto 1

Del Torto: “Por volta de 2008/2009 comecei a frequentar algumas festas, ainda não necessariamente só de psytrance, comecei indo em festas de Electro, House, todas na verdade. Aquela época estava meio que descobrindo ainda esse mundo, então falou que tinha festa eu ia! Naquela época ainda estudava pra ser piloto de avião, tenho Breve até hoje de piloto de voos privados, mas nesse meio tempo, continuei indo em festas, através de amigos, acabei conhecendo o psytrance e comecei frequentar mais e mais, até que em 2011 já estava levando bem a sério a questão da música e entrei na faculdade de Produção de Música Eletrônica na Anhembi Morumbi. A partir desse momento, já tinha largado a aviação e estava me dedicando totalmente à música. Entrei no segundo semestre de 2011 e terminei no segundo de 2013.

A partir daí, comecei a me apresentar em algumas festas menores, já com um Live pronto. Comecei junto com um amigo que conheci na faculdade, de princípio fizemos um projeto de Full-on chamado 2.0 que nem se estendeu por muito tempo, pois em 2013 mesmo acabei indo para o Zuvuya (festival pioneiro da cena undergroud brasileira em Luziânia-GO) e lá conheci outras vertentes do Psytrance, como o Forest e Darkpsy e aí começamos a focar nesse estilo. Em dezembro de 2013 tocamos pela primeira vez o projeto Uttu. Esse foi em teoria o segundo projeto mas o primeiro que realmente levamos pra frente. Tocamos esse projeto juntos até mais ou menos 2016, até que em 2017 surgiu meu projeto solo Del Torto.”

Clipe Youtube:

Ectogasmics – Love and Understanding (Del Torto Rmx) 

 Del Torto & DarkWing – Ousadia e Alegria

Beatriz Witchmind foto by Junior Caus

Witch Mind: “Tive meu primeiro contato com o psytrance e desde então me senti em casa. A conexão com as nuances do som underground foi indescritível em minha vida, intensa, desde minha primeira festa. Passaram poucos anos fui me identificando mais e mais com a proposta que os produtores e DJs das vertentes noturnas trazem consigo; logo depois quis fazer parte disso também.

Escutava uma boa seleção em casa e dava vontade de passar para frente tanta track boa e junto a elas a sensações que cada uma traz consigo.

Tive oportunidade de fazer parte lives maravilhosas, algumas delas, Ohm Ladies (coletivo), Urban Antidote (gravadora internacional), Clã (minha festa, rs), Xibalba (gravadora internacional), de sequências memoráveis, recheadas de artistas por quem possuo admiração.

Mal posso esperar para pegar uma pista e passar para o público todo aprimoramento que estou ganhando ao longo desta fase. Por mais que ainda tenha muita coisa para desbravar e um universo de novidades para conhecer, a evolução ganhada neste meio tempo é inegável. Eu me sinto feliz com o processo de crescimento da Witchmind”.

Links:

https://www.urbanantidote.com/

https://urbanantidoterecords.bandcamp.com/

Bruno Azalim Atropp Onionbrain foto by Lucas Caparroz

Atropp: Sobre Bruno Azalim, resolvi escrever de próprio punho. Aos 33 anos, a representatividade e pioneirismo deste artista na cena nacional são inegáveis. Um dos grandes responsáveis pelo estabelecimento da cena dark psytrance no Brasil, inicialmente com seu projeto mais progressivo Onionbrain, Azalim influenciou toda uma geração de jovens produtores brasileiros e latino americanos que hoje ganham o mundo com seu som gorduroso e obscuro. Além disso, é co-realizador de um dos maiores festivais do mundo no quesito dark psychedelic, o Pulsar Festival! Azalim, é uma honra ter sua colaboração na Colors DJ Magazine!

Links:

http://pulsarfestival.art.br

Electric Gene Paris
Electric Gene Orion Festival

Electric Gene: Bruno Guimarães é o produtor musical por trás do projeto Electric Gene.  O projeto segue uma linha experimental do psy-progressive trance. Iniciado em 2014, as músicas do projeto já foram lançadas pelas maiores gravadoras de psytrance do mundo do gênero. Está sempre presente nos principais festivais percorrendo mais de 18 estados do Brasil além de turnês internacionais em França, Portugal, Israel e Palestina.

 Também vem ministrando aulas de produção desde 2017 através de workshops/palestras, escola de produção, aulas particulares e agora conta com seu primeiro material on-line. Participante ativo também no meio da arte digital, através da criação de capas, logos, flyers e todo tipo de design para o segmento da música eletrônica com diversos artistas e eventos da cena nacional e internacional como clientes.

Documentário:

LIVE quarentena:

Junior Caus

Caus/Stereophonic: “Salve galera! Para quem não me conhece, me chamo Junior Caus, toco a aproximadamente 14 anos, profissionalmente, com o nome de Caus (Padang Records) e recentemente com meu novo DJ set, chamado de Stereophonic (Resina Records), onde sigo sonoridades noturnas do psytrance. Esses projetos no qual eu venho tocando, criando e levando a frente, eu levo muito a sério e me dedico de forma intensa neles, busco o melhor de cada estilo e tento me aprofundar de forma que eu consiga transparecer os meus sentimentos para a pista de dança, seja eles de forma sútil ou de forma densa.

Hoje eu faço parte de um estúdio/ selo/ escola de áudio, chamado de Enxame Records, onde eu compartilho meus conhecimentos com a música, em especial com o DJ Set.

Comecei a ouvir música eletrônica ainda muito novo, por conta do meu pai, que também foi DJ profissional.

Tive uma forte influência do rock’n roll, rock progressivo, blues/ jazz e da house music, onde no passado, fez com que eu conseguisse criar atração por sons psicodélicos, melódicos e com vocais.” 

Lives:

VJ Ariel: Ariel Lessa, 29 anos, é designer e começou a sua jornada no mundo das raves aos 14 anos, em meados de 2007. Sendo desde pequeno um artista multifacetado, começou aprendendo malabares e trabalhando com intervenções artísticas. Posteriormente aprendeu a mixar e durante um bom tempo levou às pistas ao delírio. Porém não era o maior serviço que poderia prestar à cena. Hoje, após ter se formado em design pela UVV, passou a investir em visuais – VJ, video mapping, vídeo- instalação, vídeo-arte. Hoje, neste momento de pandemia, distribui suas tarefas entre gerar conteúdo de mídias sociais, prestação de serviços em editais de incentivo à cultura (inclusive em colaboração do Thiago Del Torto, que deu origem a dois videoclipes nos links da matéria) e cuidar do seu pequeno filho Joaquim.

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