COLUNA I UM VERDADEIRO PAPO DE TRAVA: Os primeiros soldados & sua mãe travesty

Um filme que resgata, com emoções verdadeiras e afloradas, uma visão-vivência das primeiras pessoas a contraírem o vírus HIV no início dos anos 80

O início do filme “Os Primeiros Soldados” é no final de 1982 e o nome do Estado é Espírito Santo, na capital, cidade de Vitória. É um filme de quebra-cabeça, articulado com cenas que de início parecem aleatórias, mas conforme o filme passa se torna possível encaixá-las no orí e lhes dar sentido.

Eu não li sinopses, eu, na verdade, nem tinha entendido o nome do filme em seu contexto até vê-lo. Eu fiquei feliz porque uma atriz nele presente foi premiada como melhor atriz no CCXP Awards. Dá um enorme orgulho ser travesty e ver uma outra sendo reconhecida pela cisgeneridade. Me senti não apenas obrigada, mas também, ansiada e ansiosa para ver as obras dela.

A cisgeneridade atuou muito bem representando a si própria em questões de orientação sexual: as cenas de afeto homossexual envolvendo alguns dos tais primeiros soldados foram bem cabíveis e bem fluidas. As cenas de afeto e conversa entre mãe e filho: uma delas na qual a mãe percebe similaridade energética do filho com seu irmão assumidamente gay.

 

Meu peito dói até agora e acabei de ver o filme. A realidade da personagem vivida por Renata Carvalho, Rose, é uma realidade não apenas de Vitória, não apenas dos anos 80, mas de hoje. A conexão produzida entre a personagem travesty com o gênero real da atriz em conjunto com a bela e natural atuação que a atriz travesty muito demonstrou é estonteante.

Dói porque a única que não se envolveu foi uma travesty como eu. E, num rompante emocional depressivo, o protagonista cis branco debocha da capacidade espiritual energética da personagem. Diz que ela apareceria no jornal ou com o nome não retificado, ou nem mesmo identificada, como indigente… É assim que rola na realidade. Sofremos, não recebemos afeto como os cisgêneros gays, lésbicas e bissexuais e, no final, esses mesmos, que também dissidem, nos apontam, nos isolam de alguma forma quando o “Cistema” os pressiona babado. Só quem sente e percebe de verdade é quem é transgênera, nem preciso mencionar isso. Um filme tão real que chega arranha e arde o peito. Pensar que todas as minhas similares que vieram antes sofreram desesperançosas naquela época por conta desse vírus e da cisgeneridade que apontava elas como causa é tão duro como vários cortes no peito.

Um filme muito bem produzido não apenas pelo elenco e questões transgêneras (as quais foram na realidade pouquíssimo mencionadas), mas pela sutileza na qual trouxeram a questão do vírus HIV. Para quem não leu a sinopse, nem nada pesquisou antes sobre o filme, quis ver na cara, assim como eu, só fica extremamente elucidado que a questão principal é sobre a AIDS após a metade do filme. Existe um enfoque emocional dos personagens e desdobramentos dramáticos até tal nome surgir, até tal questão ser demonstrada. Achei que tornou a obra além de mais verídica, mas fácil de se ver. Não é como um documentário chato que só mostra o sofrimento para meter medo em adolescentes que querem fazer sem guanto.

Foram os primeiros soldados, sim, esses personagens. Todos os exames, medidas de peso, análise de marcas feitas, datadas e anotadas. Se não fosse algo akuendado, teria um avanço para a cura bem mais rápido a meu ver. A travestilidade como foi mencionada numa cena homoafetiva não consegue se mascarar como a cisgeneridade. Fingir o que não é. É por isso que as que de verdade abriram caminho, foram as que não tinham opção de esconder quem eram: as travestys. E, como disse Rose, personagem de Renata: “se a peste é gay, a mãe dela é travesty”.

Já foram ver esse filme babadeiro, bonekas?

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Kukua Dada

Editora, Colunista e Repórter

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