COLUNA | ARTHUR VALLETI: Carta para Madonna

“A passagem da Madonna no mundo causa excitação há alguns anos, claro que a vinda dela ao Brasil não seria só um show. Infelizmente por conta de uma gastroenterite tive que assistir de casa, cantando Fever’ e sentindo febre, e pensando um bocado na vida. Resolvi escrever uma cartinha pra ela. Se vai chegar eu já não sei. Mas tô escutando ‘Express Yourself’ e acabei parando aqui. Espero que gostem!”

Oi, Madonna! Tudo bem? Espero que sim! Chegou tudo bem em casa depois do show no Rio? Espero que sim! Não consegui viajar no dia 4 de maio, então resolvi escrever um pouco para desabafar (porque isso foi uó) e contar o que uma pessoa que não estava em Copacabana viveu (e isso não é só sobre a febre de 40º que senti).

Quando nasci, você estava no ano de lançamento de “Na Cama com Madonna”. Apesar de crescer em meio a alguns discos de vinil, na minha casa a música pop ainda era desconhecida, e foi com o passar dos anos que te conheci. Seu cabelo, seu olhar, o batom vermelho e o sutiã by Gaultier foram as impressões instantâneas. Com meu vocabulário limitado, não entendia suas músicas, mas sabia que ali havia algo que me deixava excitado, imaginando uma espécie de heroína. E foi com o passar dos anos que percebi que, sim, você é uma pessoa que salva.

Há alguns anos, trabalho como DJ. Antes disso, estive em outras áreas de trabalho, mas de alguma maneira a arte estava conectada ou acontecia simultaneamente dentro de mim. Minha costureira me parou pouco após largar a máquina de costura à força. Desde pequeno, estava no meio de tecidos e revistas de moda (com certeza com alguma notícia ou foto sua pulando na minha cara). Adorava brincar de rádio, cantar, dublar, me vestir com alguns retalhos ou tecidos que as clientes deixavam por lá. Enquanto aquilo não se tornava um vestido que eu tinha dado um pitaco, eu fazia um moulage que com certeza ficava muito melhor do que havia oferecido para ela. Ali eu desfilava, interpretava alguma música ou simplesmente ficava me imaginando num palco. Tinha em mim uma vontade de ser e estar em lugares maiores do que aqueles que meu corpo cabia ou segurava. Não digo isso apenas por questões estruturais, mas é uma questão de sentimentos, como uma panela de pressão de desejos, no fogo alto, por alguns anos. Como uma criança viada, de uma cidade pequena e sem muitas expectativas, até que eu sonhava bastante, e isso é ótimo.

Não me tornei um costureiro, mas sempre atendi as ligações de minha mãe e irmã me pedindo opinião sobre suas roupas. Depois que saí de casa para viver em outro estado, levei comigo um pouco do que havia aprendido em um curso de DJ. Suas músicas e remixes sempre estiveram comigo. “Madonna, always Madonna”. Assim também fui me construindo e aprendendo mais sobre seu trabalho, sua expressão, suas histórias, as polêmicas que criavam sobre você e seu trabalho me mostrando cada vez mais a importância de não ligar para algumas coisas que vão acontecer na vida. O que não significa que somos fortes o tempo todo ou o bastante para suportar certas coisas, pois já bastam nossas histórias e lutas pessoais.

Acho que a vida tem um jeito muito peculiar de conversar com a gente, sabia? (se você estivesse aqui ao lado, iria oferecer um vinho). Lá, no fundo existe amor, mas quando a gente caminha por ela e se depara com algumas situações e pessoas, parece que o que a vida quer é f*der com a nossa. Mas aí, no mesmo momento, ela vem e te mostra que existe um caminho que pode ser cheio de carinho, de admiração, respeito, amor, reconstrução, realização e novas possibilidades. Infelizmente, isso nem sempre acontece na velocidade de um raio de luz, mas acho que quando a gente entende que não dá para controlar o que foi feito para acontecer, ela (a vida) alivia, pois é assim que ela quer que façamos. Acreditar é um processo por toda a vida que alimenta a fé, e vice-versa. E bom de escrever isso aqui é que posso ter mais uma fonte para relembrar de fazer isso quando as coisas não estão “me agradando”.

E foi isso que nos últimos dias, após seu último show da Celebration Tour, preencheu minha vida. Havia pensado em ir para o Rio para te ver. Na sexta-feira, comecei a passar mal. Acordei durante a madrugada com arrepios. No sábado de manhã, estava com dores no corpo e com uma febre em evolução. Além do incômodo físico, eu já sentia o emocional de perceber que definitivamente não poderia viajar até que me vi deitado, sentindo frio e com o corpo quente, enrolado, chorando e pingando de suor (ok, chega de white gay problems) enquanto você fazia elevar as vibrações tectônicas do solo e fundo do mar de Copacabana quando começou a cantar “Nothing Really Matters”. Sim, a partir daquele momento, não fomos mais os mesmos por aqui. Você provou mais uma vez o poder da arte, da música, da moda, do respeito, do amor. Reuniu os fãs mais incríveis que já vi. Misturou gente de todas as idades, classes, gêneros num caldeirão de bruxa. E fez ferver. A economia do Rio bateu níveis altos, pessoas realizaram sonhos, famílias se juntaram para te assistir, gerações mais novas se tornaram fãs, pessoas se encorajaram após escutar “Live to Tell”, levou a Pabllo pro palco, a Anitta, gerou memes, fez a família tradicional brasileira espumar mais um pouco a sua hipocrisia. O rebuceteio que a gente queria você fez. Infelizmente, num outro lado do país, acontecia uma das maiores tragédias que vimos nos últimos anos, e isso também fez parte da sua passagem com a reação da direita querendo cancelar você e seu show, antes e depois, com seus pensamentos falidos sobre costumes ou do quanto você recebeu para trabalhar. Logo com você e sobre você, mulher?

Gostaria muito de ter ido, sabe. Mas aceitei esse fluir que a vida me levou e assim vou esperar o que tu tá preparando aí para a gente. É assim que estamos esperando, viu? Já li em alguns lugares que vem uma nova biografia, documentário e um álbum. Aliás… Quanta coisa nessa vida, hein? Saberia me dizer qual foi a coisa mais linda que você já viu até agora? A mais contraditória sobre, você já sabe. Beijos, até mais!

Love,
Arthur.

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