ENTREVISTA | Andrea Dutra conta como a Boate Tunnel se reinventou durante a pandemia

Com mais de seis meses sem eventos muitas casas noturnas que a comunidade LGBTQIA+ acostumava ir estão se fechando e algumas outras se reinventando.

A Balada Tunnel, uma das mais antigas casas que atende principalmente ao público da comunidade LGBTQIA+, se reinventa nesta pandemia.

“toda casa noturna tem seus tempos de auge, pois, outras casas inauguram, o pessoal vai mesmo atrás de novidade.” Andrea Dutra.

Em entrevista especial para estreia da Colors DJ, Andrea Dutra, a dona, nos conta como foi possível permanecer em atividade. Confira:

Como surgiu a Tunnel?

A Tunnel surgiu em 1992. Na época era meu pai na gerência da empresa onde funcionava o Espaço Sampa, que era direcionado ao público “hetero”.
Nesta época já existiam algumas casas LGBTQIA+ em São Paulo, mas ainda não eram muitas. Através de uma assessoria de imprensa que o Sampa tinha, o Jerônimo conheceu a casa e trouxe a proposta de fazer dali um espaço “GLS”, pois era completamente diferente do que havia na época.
Houve uma grande reforma pra chegar nessa estrutura física que está nos dias de hoje, e também no quadro de sócios e funcionários, falaram que não continuariam trabalhando lá pois tinham família e era uma época ainda com muito preconceito (1992).
Meu pai seguiu ir em frente, abraçou a proposta e, em vinte e três de julho de noventa e dois (23/07/1992), o espaço foi aberto como TÚNEL DO TEMPO… Uns quatro anos DEPOIS, se tornou túnel com dois N’s, porque a marca registrada Tunnel do tempo já existia.
Estamos com vinte e oito anos e, mesmo em tempo de pandemia, a gente comemorou o aniversário da casa nesse formato de restaurante que é o que nós podemos trabalhar atualmente.

Sempre foi a mesma gerência?

Então… Meu pai ficou por dez anos no cargo de gerência e administração e aí em dois mil e dois (2002) eu vim pra cá cuidar da parte administrativa.
E gerentes já tivemos vários. Da época do meu pai, eu não me recordo nomes, mas tínhamos o gerente do dia e o gerente da noite.
Da minha época, foram o seu Pedro, o Cláudio e eu também no comando. Ajudando mesmo na noite, mas sempre fui mais direcionada pra parte administrativa.

Você vê diferença entre o público heterossexual e o público LGBTQIA+?

Olha, tem muita diferença de se trabalhar com um público heterossexual e o público “GLS”. Primeiro pela delicadeza, sensibilidade e fidelidade do público “GLS” e segundo que é um ambiente muito mais tranquilo. Por exemplo, eu preciso trabalhar com menos seguranças que por sua vez ficam com as funções de organizar fila de entrada e saída e se tem alguma discussão, etc… 
Aqui lidamos principalmente com o público gay masculino, embora a boate esteja aberta a todes…
Esse nosso público é muito fidelizado.

Como a pandemia te afetou e como tem se virado?

A pandemia afetou todo o mercado de eventos… Imagina pra quem trabalha com público, com a aglomeração, com eventos fechados? É tudo que um ambiente não pode ter nesse momento de pandemia e foram esses os primeiros a encerrarem suas atividades e serão os últimos a retomar.
As dificuldades são imensas, pois num momento você tinha tanto por mês de faturamento e agora simplesmente não entra nada.
Eis que começamos a trabalhar com alimentação, primeiramente por delivery e posteriormente foi liberado atendimento em mesa. Nós tivemos que nos reinventar mesmo, mudar totalmente, embora nas atividades principais da casa nós já trabalhávamos com algumas refeições.
Agora, estamos trabalhando com espeto bar de 6ª feira, das 17h às 22h, que é o horário máximo permitido. Aos sábados, temos nossa feijoada, que já tá aí, fazendo uns dois meses funcionando das 15h às 22h. E aos domingos, a nossa matinê é o Espetubar, funcionando das 14h às 20h, e, graças a Deus, tem dado supercerto.
A gente mudou a direção do público alvo, mas enfim, foi dessa forma que a gente tá conseguindo atravessar diante dessa dificuldade da pandemia.

Imagem de divulgação.
Imagem de divulgação.

A política de hoje beneficia os empresários que trabalham com esse público?

Eu acho que hoje em dia ficou muito mais fácil. Não existe mais aquele preconceito como era antigamente. Então, isso facilitou porque você vê que hoje existem pessoas lá no cenário político que são do público “GLS”, que são pessoas que já estiveram na casa, que são pessoas que trabalhavam com transexuais e eles estão inseridos lá, isso tem ajudado muito mais.

Quais inovações?

Inovações a Tunnel sempre apresentou… Em estrutura de som, de iluminação, de informatização, de estrutura física, nos shows e nos artistas.
Todos os anos a gente apresenta essas melhorias.
A grande inovação da casa foi ter mudado pra essa atividade de atender como restaurante,  que é descontraído, onde as pessoas ali começam  a dançar do lado da sua cadeira ao som do DJ convidado.
Tudo isso, obviamente, atendendo aos protocolos de segurança.
Acredito que nesse momento a grande inovação é trabalhar nesse formato.

Quais as perspectivas?

Das pessoas estarem imunizadas, estarem também tranquilas, mais confiantes pra sair e aí a retomada da atividade total.
A gente percebeu que tudo muda de repente e muito rápido, então, não dá pra ficar preso em uma só atividade. A Tunnel é um espaço lindo, a localização é muito boa… Acredito que dá pra fazer muita coisa aqui.
Estruturando bem a equipe, acredito que a gente tem possibilidades imensas. É só se sentar mesmo, organizar, ver parcerias, patrocínios e enfim, acreditar e tudo é possível.

Situações inusitadas que aconteceram na Tunnel?

Ah numa casa de tem muita coisa engraçada, são muitas histórias, né?
Ver o público retornando e falando: “meu relacionamento começou aqui…”
Ou então: “eu vim na inauguração da casa.”
Na noite você vê muita coisa… Desde uma Drag Queen arrancando a peruca da outra, depois as mesmas saiam abraçadas e rindo.

Algum Perrengue?

Olha, perrengues… estamos passando por um neste exato momento parados há sete meses com nossas atividades de rotina.
Este foi o maior desafio em toda minha administração, mas toda casa noturna tem seus tempos de auge, pois, outras casas inauguram, o pessoal vai mesmo atrás de novidade. Contudo, a Tunnel tem história e um público fiel como todo público “GLS”, então, a gente sempre manteve bastante público na casa, mas com certeza 2020 está sendo o maior desafio.

Qual mensagem a Tunnel gostaria de mandar aos seus clientes e aos leitores da Colors DJ?

A mensagem, principalmente nesse ano de 2020, é pra dar continuidade as atividades e acreditar, muito!
Não entregar fácil. Eu sou uma pessoa que sempre lutou não me importando com o resultado, importa que eu tenho que fazer isso pela casa e não iria entregar a casa assim tão fácil… Lógico que tiveram vários fatores que colaboraram, desde a da equipe, que mesmo sem saber o que iria acontecer, também acreditou que iríamos atravessar essa situação… do imóvel que é alugado, mas a proprietária foi supercompreensiva.
Então a gente teve um conjunto de situações que colaboraram também para que a gente pudesse continuar.

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