ENTREVISTA | Álvaro Carias, a paixão pela música levada ao pé da letra

Foto de divulgação.

Até pouco tempo atrás, nem os DJs tinham a informação de quem era o autor das músicas, ou das letras.

Era divulgado apenas os nomes do produtor musical e, claro, da vocalista. O público então, tinha menos acesso ainda a essas informações. Felizmente, isso mudou. E hoje vamos entrevistar um dos maiores compositores do Brasil na cena eletrônica LGBTQIA+.

“As músicas com a minha voz tem uma história que eu vivi, uma experiência que eu passei” Álvaro Carias.

O carioca Álvaro Carias tem somente 30 anos, mas é professor, cantor, compositor e DJ. Sua paixão pela música começou desde pequeno, na igreja, e o acompanhou em toda sua trajetória.

Em 2015 recebeu um convite de Breno Barreto para trabalhar em seu novo Single, com vocais de Lorena Simpson, o hino “Hey Hey!”.

A partir daí não parou mais, e emplacou hits com produtores como Tommy Love, Allan Natal, Liu Rosa & Rafael Starcevic, Rafael Barreto, Thiago Dukky, e nas vozes de Amannda, Nalaya, Alex Marrie, entre outras.

Nesse bate-papo, você vai descobrir um pouco mais sobre seu método de composição, a opinião sobre temas da atualidade na nossa cena e também um pouco do que vem em 2021.

Seu nome tem tido bastante destaque devido aos seus inúmeros hits e a um reconhecimento cada vez maior do trabalho do compositor. Como encara o reconhecimento do público e dos outros profissionais em uma cena tão difícil como a tribal LGBTQIA+?

Eu sou muito grato, é muito gratificante ter esse reconhecimento, tanto do público quanto dos outros profissionais, os DJs, os produtores musicais, os produtores de festa. Hoje eu chego em festas e sou reconhecido: “ah você que é o Álvaro, que escreve as letras, que bacana”… Eu tenho pouco mais de dez músicas já lançadas por mim, eu componho desde 2015, quando saiu oficialmente minha primeira música, então pra mim é realmente muito gratificante, em um período curto. Mas a cena realmente vem mudando, se reestruturando, vem trazendo boas mudanças e uma delas é essa, da pessoa agora dar o mérito ou parar pra ouvir o que você escreveu. É muito legal as pessoas se atentarem a isso.

Quais são as suas maiores referências como compositor e/ou produtor musical, aqui no Brasil e no exterior também?

Minha maior referência como compositor, no exterior, é Taylor Swift. Ela me ganhou, ela me chamou atenção no álbum 1989, e nesse álbum a passei a prestar atenção na mensagem que ela queria passar, não são músicas que não passam qualquer mensagem, ela realmente ali passar uma mensagem, contar uma história, sabe, ela quer desenvolver uma conexão com o público e isso é muito legal.

E aqui no Brasil as composições da Gloria Groove me chamam muito a atenção, por causa das palavras que ela usa e eu não acho Português uma língua muito fácil de se compor. E ouvindo as músicas dela, parando para analisar, eu paro pra analisar, pra estudar e penso onde estava aquela palavra na minha cabeça que ela achou e colocou na música dela, sabe? Ela tem também toda uma equipe por trás dela que é o Pablo Bispo e o Sérgio Santos, tem o Ruxell e muitos outros ali que eles chamam de “brabo music”.

Conta pra gente um pouco do seu método de composição. Primeiro você escreve a letra e depois a melodia, ou vice-versa? Se já souber quem vai cantar, isso influencia na composição? Tipo se já souber que é a Alexa Marrie já prepara umas frases para serem entoadas por aquele vozeirão poderoso?

Eu tenho vários métodos de composição. O primeiro deles é o seguinte: Quando eu estou compondo, sem direcionamento nenhum, primeiro eu escrevo a letra. E às vezes eu estou ouvindo muitas músicas, eu sempre ouço muita música, e vem uma palavra chave que eu penso: “ahhh essa palavra chave aqui dá pra eu fazer uma outra música, eu pego e vira título, o que era uma palavrinha escondida numa música vira título para uma próxima música. Aí eu vou escrevendo e a melodia vem na minha cabeça.

Outra coisa, se eu souber quem vai cantar, influencia sim. Às vezes eu faço uma determinada música para um artista, eu penso vou escrever sobre “isso”, pois esse artista gosta de cantar sobre “isso”, vou escrever sobre “isso” porque esse produtor gosta de passar esse tipo de mensagem.

Então quando eu mando uma (gravação) demo, eu vou exatamente na linha que aquele artista segue. E sim, quando já sei de antemão quem vai cantar, ou vou tentando moldar a música naquela voz. Eu gosto muito também de conversar com quem canta, conversar com quem vai produzir, pra que eu entenda melhor a visão deles, para que aquele projeto não tenha apenas a minha assinatura, mas tenha a assinatura do grupo todo, porque é um conjunto.

E muitas vezes também o produtor já vem com a base pra mim. E como eu sou DJ, também tenho esse feeling da instrumental e consigo descrever em palavras o que aquela instrumental está passando. Parece meio louco, né? Mas já aconteceu de o produtor chegar pra mim: “Álvaro, você conseguiu descrever o que é essa batida, descrever o que a melodia quer passar”, e fico muito feliz e realizado por esse dom.

Foto reprodução – Instagram.

Além de escrever músicas para serem gravadas por outros produtores, você também tem alguns trabalhos lançados com a sua própria voz. Conta pra gente um pouco sobre essas canções.

Essas músicas que tem a minha voz, elas tem uma história que eu vivi, uma experiência que eu passei. Letras que têm total a minha identidade, não que as que eu faço pra outros produtores não tenham, mas é um trabalho conjunto meu e deles….

Mas nessas músicas eu me vejo por completo. Eu tenho algumas composições que eu escrevi pensando “essa eu que vou cantar”, tanto que ninguém nunca viu, nem ouviu.

Eu preciso criar coragem para expor essas ideias ao mundo, e espero que em 2021 consiga fazer isso mais vezes, porque lançar música não é fácil!

Juntamente com o sexo, as drogas, a comida e o álcool, a música dispara a liberação de mecanismos de recompensa no cérebro, como as endorfinas, e neurotransmissores como a dopamina. Essa foi a conclusão de um estudo publicado em 2017 na revista científica Scientific Reports com um fármaco destinado a combater dependências e a obesidade, mas que também inibe o prazer musical.
O lendário Quincy Jones, produtor dos álbuns mais vendidos de Michael Jackson, recentemente afirmou o mesmo: “a música é uma droga, ou seja, vicia, mesmo que seja ruim”.
Qual sua opinião sobre o caminho a ser buscado numa composição, a qualidade ou ela ser mais viciante? Ou será que dá pra equilibrar entre os dois caminhos?

Existe alguém que viva sem música? Gostaria que alguém me apresentasse! A música faz parte da nossa vida.

Eu não sei se eu posso dizer que ela vicia, mas que está em grande parte de nossa vida, ao nosso redor, isso eu posso te afirmar com certeza. Existem músicas realmente que liberam sentimentos dentro da gente, sentimentos de raiva, que aliviam a nossa vida, nos deixam calmos, nos deixam mais agitados. Existem notas musicais que te deixam inclinados a amar, a sentir sentimentos mais intensos, mais profundos, entende? Então eu concordo sim, com esse comentário do Quincy Jones.

E sim, existe um equilíbrio, com certeza existe um equilíbrio nisso tudo, porém as pessoas prezam pelo que vicia mais: o padrão radiofônico. Que consiste na duração curta da faixa, e um grande número de repetições.

Mas sim, a gente pode encontrar músicas curtas que tenham qualidade, como também músicas longas que não sejam viciantes, mas que tenham uma consistência, passem uma mensagem.

Dá pra equilibrar entre os dois caminhos, com certeza.

“2020 trouxe o despertar dos DJs e produtores para a era do streaming” Álvaro Carias.

Foto reprodução – Instagram.

Como muito bem colocado pela Dolores Dores (Las Bibas From Viscaya) em sua coluna aqui na Colors DJ, o ano de 2020, mesmo sem festas, ironicamente foi marcado por lançamentos de muitas tracks novas, além de hits dançantes de muitas divas. Como é a sensação de lançar uma música e não ter o feedback dela na pista?
Somente a resposta do público em streaming, nas redes sociais e no SoundCloud já dá um termômetro da aceitação da faixa?
O que ficou de aprendizado pra você nesse ano tão louco?

O que 2020 trouxe de bom pra cena tribal? O despertar de todos os DJs e produtores para a era do streaming. Eu costumo falar isso. O foco era antigamente somente nas pistas.

E como a gente esse ano não teve o feedback das pistas, os DJs atentaram para o streaming, que era uma área que poucos produtores focavam.

Tem um produtor que está pra lançar um trabalho e estou em cima dele pois eu gostaria muito que ele lançasse as “radio edits”, não somente as versões “extended”, que são mais propriamente usadas pras pistas, pro DJ tocar.

A versão “radio edit” é mais curta, e ela é feita especialmente para as plataformas digitais. Então sim, a resposta do público hoje vem através do streaming. Sobre o Soundcloud, ele não dá retorno financeiro, como outras plataformas digitais.

Então eu vejo muitos DJs e produtores pagarem uma fortuna pro Soundcloud, para ter uma conta ilimitada. Vejo muitos deles reclamando disso em postagens, mas não sabem que o foco melhor pra ter o feedback do público é o Spotify, e os outros apps de música.

Os DJs acostumaram muito o público a ouvir o sets por lá, mas os outros canais de música são muito mais viáveis!

Esse ano eu só lancei duas músicas oficialmente: uma em abril, a “Heart Like Drums”, que teve a produção do Thiago Dukky e vocais da Amannda; e agora a gente lançou a “Viagem”, que tem os vocais da Cacá Werneck e produção do Liu Rosa e Rafael Starcevich.

Em “Heart Like Drums” eu realmente não consegui ter aquele feedback, já em Viagem, com algumas festas já acontecendo, mesmo durante a pandemia, a gente já está dando pra ter um pequeno feedback das pistas, o pessoal está gostando.

Até alguns anos atrás considerado um “tabu”, hoje há uma aceitação grande de vocais em português nas pistas LGBTQIA+, tanto de Remixes de músicas brasileiras, quanto de Original Mixes, que aos poucos começam a aparecer.
Sua Bate Leque, na voz de Lorena Simpson, acabou virando um hino (Era a segunda canção dela em Português).
Qual a sua visão sobre isso? E na sua opinião, é uma tendência que veio pra ficar ou vai acabar passando?

A cena está em constante mudança, né, graças a Deus! Eu acho que não é uma tendência que vai acabar passando, mas também não temos como garantir que vai ficar pra sempre.

Eu amei ter feito parte da “Bate Leque”, esse projeto foi sensacional! Eu lembro que eu morria de medo, na verdade eu não comentei com ninguém porque era um tópico muito fácil, estava muito na cara mas que ninguém tinha usado ainda numa música com uma letra consistente, com uma letra em si.

Mas o leque estava muito em alta e ajudou ainda mais a deixar a música em evidência.

A ideia da “Bate Leque” não foi minha. Eu só fui convidado para compor e desenvolver a ideia, que foi do empresário da Lorena, o Andy Fonseca, e ele falou: vai ser em Português.

Lembro que fiquei desesperado, como vai ser isso, um tribal em Português? Meu Deus! (risos) Mas acabou dando tudo certo e está aí esse sucesso maravilhoso.

Breno Barreto, Álvaro, Lorena Simpson e Tommy Love – foto reprodução – Instagram.

Quais são seus planos para 2021, quando tudo isso passar? Pode dar algum spoiler de algum projeto ou collab que vem por aí?

Eu tenho grandes planos para 2021, mas infelizmente não posso falar muita coisa, porque pra mim o artista tem que anunciar primeiro, então tudo que ele anunciar eu anuncio depois (risos).

Mas posso adiantar que existe um projeto que está guardado, que é um EP: com o trio Tommy Love, Breno Barreto e Lorena Simpson e eu faço parte do time de compositores que trabalhou nesse EP.

Está maravilhoso, vai ser muito legal, espero que vocês gostem mesmo!

E também tenho parcerias com grandes produtores na cena. Tem uma parceria que eu adorei, que é uma música que eu compus pra eu chorar na pista, então se alguém me vir chorando na pista, já sabe que foi o Álvaro que fez (risos)…é uma parceria com um DJ muito conhecido na cena nacional e internacional, eu espero muito que vocês gostem, eu só não sei quando vai sair.

Tenho também parceria com outros DJs, alguns são uma parceria nova, outros de longa data…e está sendo bacana ter esse relacionamento de amizade e de trabalho, podendo conhecer o direcionamento artístico de cada produtor, de cada vocalista.

Cada um tem sua particularidade, e isso é muito bom, pois torna a cena mista, mais diversificada.

Então, esperem grandes composições de Álvaro Carias em 2021, porque vai ser babado, confusão e gritaria!

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