CAPA MATE?RIA igor fonteles

MATÉRIA | SÉRIE: “A arte do absurdo” #01

No atual cenário, a performance artística já se tornou uma experiência sensorial tão necessária quanto o DJ ou o ambiente. Com uma série de matérias, iremos explorar as lutas diárias desses artistas independentes, abordando a arte (seja performance, dança, teatro etc.) dentro do ambiente noturno de festas e os coletivos undergrounds.

Alguns chamam de inversão de valores, outros de protestos bizarros. Porém, uma coisa não se pode negar: a busca pela excentricidade tem se tornado cada vez mais crescente, trazendo artistas de variadas vertentes a transitarem por esse conceito estético. Dançarinos, artistas visuais e performers mergulham nesse mundo obscuro da cultura dark para buscar referências. E, de alguma forma, impactar e levar uma mensagem ao público. 

Corpos marginalizados perante os padrões da sociedade transmutam em artes abstratas, buscando novos conceitos estéticos e trazendo à tona problemas do cotidiano, dramas sócio políticos e queixas intrínsecas de suas experiências. Artes feitas não só para chocar, mas para conscientizar sobre o amor e a dor de ser “diferente“. 

Nessa primeira matéria da série “A arte do absurdo“, apresentamos aos nossos leitores o trabalho de uma artista cearense, como uma forma de adentrar nessa imersão do “exótico” como forma de expressar individualidades. 

LEVI BANIDA (FOR/CE) 

FOTO ARTISTA 01

Não-binária, não-monogâmica, não-normativa. É assim que Levi Banida se reconhece como interartista fortalezense, que aborda em suas exibições as relações entre gênero, performance, violência, interarte, ecologia, dança e criação. 

Levi atua como professora na Rede Pública de Ensino e em ONGs desde 2014 e foi premiade no 71º Salão de Abril da Secretaria de Cultura do Ceará. E, além disso, é fundadore e mãe do Coletivo-casa Covil das Banidas (@covildasbanidas). 

FOTO ARTISTA 02

O trabalho de Banida é repleto de influências drag, arte na qual por muitas vezes erroneamente são impostas regras normativas de feminilidade. Na visão de Levi, os padrões de binaridade permeiam todos os espaços sociais: igreja, Estado, capital, cisgeneridade, heterossexismo, dentre outros dominadores. 

“No drag, isso não deixa de ser um paradigma. A binaridade, aliada à ilusão cisgênera, forma uma maneira específica de fazer drag que é mais difundida e apreciada com mais facilidade dentro do universo mainstream. A criação de uma ilusão cisgênera, usualmente feita por homens gays, passou a ser uma leitura quase “explicativa” para o fazer drag.” 

FOTO ARTISTA 03

Desafiando as estruturas com seu corpo não binário e transviado e dedicando sua drag a reflexões artísticas e existenciais, Levi enfatiza que nunca teve o intuito de criar uma ilusão de cis feminilidade: 

“Penso que a minha drag< /span> habita outras zonas que não são exatamente as que drag que se empenham em atingir um ideal de ilusão cis feminina ocupam. Pensar assim também me dá acesso a pensar em outras zonas sensoriais: como não preciso me adequar à representação de uma figura, eu crio minhas próprias figuras ideais. Eu sou meu próprio ideal drag – e me reinvento a partir da minha capacidade de me reimaginar”, afirma. 

CARROSSEL DE IMAGENS / INTERVENÇÃO ARTÍSTICA “FISGADAS – O MAR NÃO É BINÁRIO

Mas, ao contrário do que muitos podem imaginar, não existe uma fuga da normalidade e do mainstream, e sim uma relação com esses espaços de forma provisória. Segundo ela, existe em sua arte uma permissão de transgredir as barreiras criadas a fim de reforçar o “normal“, fazendo um movimento que explora outros territórios. 

“Como uma drag perfeitamente cis feminina, mas de pele azul. Ou uma roupa convencional para uma drag “feminina”, mas com uma maquiagem de uma demônia. Gosto de explorar essas contradições” 

FOTO PELE AZUL

Ao ser indagada sobre a busca de referências para suas apresentações, Levi cita artistas queer/trans, que mexem sobretudo com a noção de espécie e humanidade, como Anth0morph, Matieres Fecales, Uyrá Sodoma, Sarita Themonia. Ela também cita como referência os estilistas Mondo Guerra, Iris Van Herpen e dá ênfase a artistas cearenses intituladas pela mesma como “minhas filhas do Covil das Banidas“: Sy Gomes, Edicleison Freitas, Morganna Clout e Tieta Macau

FOTO OLHO HALLOWEEN

“Minha mãe também é uma referência forte pra mim… Enfim, são referências muito diversas. As plantas são minhas referências, bactérias, vírus, lixo. O caos é minha maior referência.” 

Muitas dessas performances procuram trazer à tona problemas sociais e utilizam o desconforto como gatilho para levar o público a outros níveis de percepções. Para essa pessoa/artiste “não-binária, trans, LGBTQIA+, bicha, nordestina, professore e estranhe“, o desconforto é o extermínio e a violência contra esses corpos transviados. 

CARROSSEL DE IMAGENS / INTERVENÇÃO ARTÍSTICA “DANDARA COME BETERRABA”

A luta contra essa violência foi o gatilho inicial que a levou para a arte drag, possibilitando-a denunciar de maneira artística os abusos sofridos. Levi utiliza espaços de lutas e destaca pautas que precisam ser legíveis para garantir os direitos político-sociais básicos para si e também às pessoas mais vulneráveis que participam da mesma classe. 

Sobre a visibilidade dentro do cenário noturno, Banida pondera que a cena underground é composta por grupos muito heterogêneos, e nem todos dão acesso ao desafio de gênero. Também relata a dificuldade para a monetização de certos serviços e ressalta a constante procura por meios de adentrar em editais, workshops, cursos e outros espaços com investimento público a partir da sua drag.

CARROSSEL DE IMAGENS / OUTROS TRABALHOS

“Não acredito que nossas performances sejam absurdas ou que sejamos necessariamente bizarras. Bizarro é nosso extermínio. Absurdo é o país ser seguidamente o país que mais mata pessoas trans, ano após anos. Absurdo é a perseguição aos corpos subalternizados. Bizarro, pra mim, é a possibilidade única de ser/parecer homem ou mulher, que, antes de tudo, são palavras e, assim sendo, nunca darão conta da potência performativa que é o corpo, que é estar vivo. Bizarro e absurdo é me querer morta por ser quem eu sou. Pois farei o maior dos atos performativos a cada dia: continuarei viva.” 

FOTO FINAL

Para conhecer mais profundamente o trabalho deste artiste: 

Instagram/Galeria Virtual: 

Instagram levibanida

Instagram covildasbanidas

Instagram inumerasprojetil

COMPARTILHE :

Instagram