COLUNA | O respeito e bom senso dentro da cena underground

Um evento é constituído de um conjunto de valores, e isso obviamente muda dependendo do contexto. No universo da música eletrônica underground as pessoas estão ali para dançar, curtir a música, beber, usar alguma coisa… Existe todo um clima libertino, onde você pode ser quem você quiser, até porque esse foi o berço dessa cultura, um ambiente que abraça a diversidade. Em meio à essa atmosfera lúdica, é normal que existam situações desagradáveis causadas pela falta de respeito ou pela falta de conhecimento sobre aquele ambiente. Conversei com dois coletivos para poder refletir e elaborar uma opinião sobre esse assunto que considero importantíssimo: um deles foi o coletivo santista Perpétua e o outro foi o coletivo paulistano Under Division.

Eu, Tiago, quando estou em um evento, seja uma festa em algum galpão desativado, um club ou um festival, me sinto como se estivesse em um mundo dos sonhos – uma experiência que me tira do peso do dia a dia. Poucas vezes passei por situações chatas onde fui desrespeitado, mas não estamos livres de passar por algum stress na pista, no bar, no fumódromo ou até mesmo na fila para acessar o local. Eu vejo que o evento tem essa missão de mostrar para o seu público quais são os seus valores, mostrar e seguir essas regras.

Um ponto que prezo bastante é o respeito com o espaço do outro, como as meninas que muitas vezes são assediadas ou aturam caras chatos tentando algo. No contexto da música eletrônica underground não é muito comum vermos “pegação” nas festas, o que rolam mais são trocas de olhares, flertes, trocas de número de telefone e tal, mas já soube de casos de caras chatos perturbando algumas garotas. Ao meu ver uma situação dessas pode ser relatada para a produção e segurança do evento.

Estamos em um ambiente libertino que tem o intuito de deixar do lado de fora pré-conceitos, como diz minha amiga DJ Nicole Lukiys, asdoenças do mundo”. As pessoas podem se sentir à vontade para usar roupas mais ousadas sem se preocupar com falta de respeito.

Outro ponto importantíssimo é o respeito com a comunidade LGBTQI+, comunidade que faz parte do mundo Clubber/Raver desde sempre! A diversidade faz parte dos valores desse universo, mas infelizmente ocorrem situações desagradáveis. O que sei é que alguns eventos super apoiam a causa e outros nem tanto…

Como esse não é o meu lugar de fala, não vou me aprofundar mais no assunto agora, mas é algo que certamente precisa ser mais debatido – podemos procurar as pessoas que fazem parte desses grupos e ouvir o que eles têm a dizer.

O desrespeito também pode vir através de brincadeiras de mal gosto, deboche, má fé, e então uma “briga” pode surgir. Eu sugiro que a pessoa procure a segurança do evento, ao invés de se colocar em uma situação em que possa acabar com a sua diversão.

Agora vamos para os depoimentos dos coletivos. Vamos começar com a Perpétua, coletivo caiçara que vem desempenhando um trabalho incrível na cidade de Santos, inclusive já subiram a serra para realizar uma edição que aconteceu em São Bernardo do Campo. Falei com um dos idealizadores do coletivo, o DJ Daniel Pandini.

“Quando o assunto é comportamento do público, nós da Perpétua temos muito o que falar… a vontade em inovar está no nosso DNA, e nem sempre mudanças são bem recebidas pelas pessoas, principalmente quando são mudanças mais radicais. Uma mudança que tentamos implementar em nossa festa, tendo como referência os festivais gringos e festas da capital paulista, foi a extinção total de copos plásticos, substituindo-os por “eco copos”. A pessoa comprava um copo nosso (ou levava um de casa), e deveria usá-lo até o final da festa, para assim evitarmos o desperdício, a poluição desnecessária e o consequente dano ao meio ambiente. Essa mudança refletiu no comportamento do nosso público, onde muitos receberam bem a ideia, porém muitos outros não gostaram, mas não demos o braço a torcer por causa deles rs. Nosso papel foi iniciar um diálogo com cada uma dessas pessoas para tentar explicá-los a razão disso e, de forma mais paciente possível, tentar educá-los.”

Pandini tocou em um assunto interessante, incentivar o uso de material reutilizável no evento, algo que eu super apoio. Sobre a rejeição que ocorreu por uma parte do público, na minha opinião o coletivo lidou da melhor maneira possível, levando informação com o intuito de conscientizar essa galera.

Já sobre respeitar o ambiente, Pandini disse:

“Além da preocupação com os artistas, obviamente temos uma preocupação também com nosso próprio público, portanto levamos muito a sério a questão do respeito mútuo entre as pessoas presentes em nossas edições. Já houve uma situação na qual um indivíduo arranjou confusão e partiu para cima de uma mulher, e como nós acreditamos que é crucial cortar o mal pela raiz, solicitamos para que os seguranças o expulsassem da festa, marcamos bem o seu rosto e seu nome e o colocamos numa block list para que nunca mais retorne em uma edição nossa. Nossa festa é um ambiente para que as pessoas descontraiam, se sintam livres e de bem consigo mesmas, mas não ao ponto de invadir o espaço do próximo e desrespeitá-lo! Se você não sabe como se comportar… sinto muito! Seu lugar não é na Perpétua!”

O coletivo Perpétua tem uma estética musical inspirada em vertentes mais minimalistas e vem realizando eventos que vem chamando atenção na cena de música eletrônica.

O coletivo paulistano Under Division, participou com um depoimento cedido pelo DJ/Produtor Murilo Leão. segundo ele:

“Entendemos que o coletivo exerce um papel fundamental na conscientização, ainda que indiretamente, do seu público, levando em consideração suas comunicações, assim como o ambiente criado em seus eventos.

“A música eletrônica underground em si, já carrega em suas raízes o respeito pela diversidade, o amor pela liberdade de expressão e a missão de proporcionar um ambiente livre de julgamentos. Sendo assim, naturalmente o público tende a adotar uma postura respeitosa em diversas esferas, tendo como desafio fazer o novo público entender o quanto aquele ambiente se diferencia de outras festas, sobretudo no Techno.”

As ideias do Murilo condizem com as minhas, o fato da cultura da música eletrônica abraçar a diversidade e cultivar o respeito faz com que pessoas que estão chegando naquele meio agora sejam até “transformadas’’ como seres humanos. Isso aconteceu comigo! Através da minha imersão no mundo Raver/Clubber eu fui me identificando e adotando uma série de valores que moldaram a minha pessoa. Um fato interessante ao meu respeito foi quando me vi naquele meio contestando coisas, valores de outras pessoas e decidi por cortar relações com as mesmas pois percebi o quão problemáticas eram suas atitudes.

Falando mais sobre essa mudança na minha pessoa, vem sendo um processo difícil e gratificante – passei a levar algumas coisas que aprendi na pista para o meu dia a dia, e comecei a enxergar e me indignar com outras que antes passavam despercebidas ou era até conivente.

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